Il Manifesto: No Iraque, a mãe de todas as embaixadas
Uma verdadeira cidadela fortificada, maior que o estado do Vaticano e "mais segura do que o Pentágono" está em vias de surgir em Bagdá. Dia a dia, nas margens do Tigre, na "zona verde" onde se encontram os palácios de Saddam Husse
Publicado 18/05/2006 14:27
Trata-se da nova embaixada dos EUA, de um bilhão de dólares, ainda que o Congresso não tenha, por enquanto, "libertado" senão 592 milhões de dólares. É a maior e a mais fortificada do mundo, estende-se sobre mais de 42 hectares na zona onde outrora se encontravam os gabinetes do partido Baas.
Para ter uma idéia da sua extensão, a área equivale a cerca de 80 estádios de futebol, ou seis vezes a da sede das Nações Unidas em Nova York. Os trabalhos são feitos discretamente mas, segundo um relatório da Comissão dos Negócios Estrangeiros do Senado americano, o complexo será composto por 21 edifícios. Dois serão destinados ao embaixador e o seu adjunto, os outros aos escritórios, aos empregados e aos serviços. Em funcionamento pleno, ali trabalharão 8 mil pessoas e ela se tornará o cérebro da administração colonial do Iraque, apenas escondida por trás de figuras locais dos diversos líderes iraquianos ocupados em repartir as migalhas que caem da mesa dos ocupantes.
O fato da nova embaixada encontrar-se praticamente ao lado do palácio de Saddam, que ela ultrapassará em grandeza, majestade e funcionalidade – equivalente nas dimensões a três Millenium Dôme – bem como aos edifícios onde se reúnem o parlamento e o governo iraquianos, é uma mensagem clara para o povo iraquiano, e para o mundo, sobre quem realmente governa o país, e sobre as intenções de Washington de continuar a ocupar o Iraque durante anos.
A cidadela imperial será praticamente inatacável da terra e do céu, cercada por um muro com cinco metros de espessura, com seis portas de entradas e saídas ultra-seguras e uma sétima de saídas de emergência (se as coisas correrem verdadeiramente mal) para o aeroporto, e defendida por baterias de mísseis terra-ar e terra-terra e por uma grande caserna de marines.
O aspecto mais impressionante da nova embaixada é o seu isolamento total do resto da capital iraquiana. Ao contrário dos velhos palácios coloniais britânicos, a cidadela estadunidense será como uma astronave aterrada no centro de Bagdá, completamente auto-suficiente: ela terá seus próprios poços para o abastecimento de água, uma central eléctrica, um sistema de recolha e tratamento de lixo, seu próprio sistema de esgotos, a maior piscina da cidade, restaurantes, lanchonetes, cinemas, ginásios e um sistema de comunicações interno.
Bagdá cai em ruínas, mas nas bases estadunidenses — nesta, tal como nas outras 14 disseminadas por todo o Iraque — a vida continua a decorrer nas mil comodidades de uma tranquila província americana. Uma província governada pela Bíblia e pelo código militar no qual, por exemplo, ao contrário do que se passa nos Estados Unidos, o aborto é estritamente proibido.
Os soldados do império, totalmente ignorantes acerca do lugar onde estarão, verão assim o Iraque apenas através dos visores dos seus tanques e das miras óticas dos seus fuzis. Um projeto que lembra muito aquele da transformação do exército estadunidense numa espécie de "cavalaria mundial" — elaborado nos documentos do American Enterprise Institute — podendo sair dos seus fortins, atacar as "forças do mal" e retornar a seguir às suas cidadelas fortificadas. A nova cidade proibida estadunidense, já denominada "o palácio Bush", a "mãe de todas as embaixadas" — a megalomania do projeto o deixa parecido com os palácios de Saddam — poderia ser definida como a maior estação de combustíveis do mundo, graças à qual os EUA poderão continuar a dilapidar as riquezas do planeta e poluir a terra, o ar e a água. Como isto se passa no Iraque onde, graças aos "acordos desiguais" com o governo fantoche local, eles não só se apropriaram desta vasta zona sem pagar um centavo como impuseram a extra-territorialidade de todas as suas estruturas e a impunidade absoluta para os seus homens.
A nova embaixada, o único projeto de construção imobiliária estadunidense no Iraque que, por enquanto, está dentro dos prazos previsto e das despesas programadas, foi confiado na maior parte a uma empresa kuwaitiana, a First Kuwaiti Trading (dirigida por Wadi al Absi, um cristão maronita libanês) e a seis outras empresas, das quais cinco estadunidenses. A sociedade de Wadi al Abdi, com mais de 7 mil empregados no Iraque, foi criticada várias vezes por diversos organismos humanitários, assim como por empreiteiros e responsáveis estadunidenses, pelas muito más condições de vida e de trabalho dos seus empregados, transferidos em massa para a Mesopotâmia a partir dos países mais pobres da Ásia: jornadas de 12 horas de trabalho, ausência de todas as condições de segurança. Verdadeiros escravos utilizados para construir as pirâmides do novo faraó americano.
Por Stefano Chiarini, do Il Manifesto, reproduzido do sítio Resistir. O original encontra-se em http://ilmanifesto.it . A versão em francês encontra-se em
http://www.legrandsoir.info/article.php3?id_article=3640
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Este artigo encontra-se em http://resistir.info/.