Campanha nacional e jornada por cotas marcam este 13 de maio
Apesar de o movimento negro celebrar o 20 de Novembro (data da morte de Zumbi dos Palmares), o dia da abolição da escravatura ainda é marcado no Brasil por mobilizações e atividades de combate à desigualdade
Publicado 12/05/2006 20:51
O dia 13, no entanto, está longe de simbolizar festa para a população afro-descendente; é uma data negada como tal pelos descendentes do povo escravo. A maioria das celebrações se dá no dia 20 de novembro, dia de Zumbi dos Palmares. No entanto, algumas organizações do movimento negro aproveitam a ocasião para reacender debates sobre a desigualdade racial no país. “A leia áurea desinstitucionalizou a escravatura, mas não libertou ninguém. Para nós é um dia de protesto, de denúncia”, explica Edson França da União de Negros pela Igualdade (Unegro).
A iniciativa da campanha do grupo Diálogos contra o Racismo, que reúne mais de quarenta organizações e redes da sociedade civil, vai neste sentido, de promover a reflexão. O projeto pretende mostrar situações do dia-a-dia em que o racismo se manifesta, mesmo que de forma velada, para destacar como elas são freqüentes e estimular as pessoas a identificarem em si mesmas o preconceito para se livrar dele. Por meio desses momentos cotidianos, que envolvem homens e mulheres de todas as idades e classes sociais, pretendem mudar pensamentos e atitudes automáticas e inconscientes, interiorizadas no comportamento da população brasileira, que constituem o preconceito e a discriminação racial.
A primeira fase, que teve início em dezembro de 2004, buscava motivar a população brasileira a falar sobre o tema, a partir da pergunta que dá nome à campanha, sem despertar uma atitude defensiva, para que por meio da reflexão cada um pudesse reconhecer a presença do racismo em suas atitudes e a partir disso combater esse problema. A campanha tomou como ponto de partida uma pesquisa de opinião realizada em 2003 pela Fundação Perseu Abramo. Ela revela que 87% dos brasileiros acreditam que há racismo no Brasil. No entanto, somente 4% dos mesmos entrevistados reconhecem que são racistas.
A iniciativa, que conta com comerciais para a TV, busdoors, cartazes e panfletos, é voltada principalmente à população não negra e a maior parte das organizações que a integram não faz parte do movimento negro. São entidades do movimento de mulheres, de defesa do meio ambiente, do direito à saúde, à educação, entre outros, que acreditam que o racismo não é um problema apenas do movimento negro, mas de todas as pessoas e organizações.
Jornada pelas cotas – Em meio aos debates sobre racismo no Brasil, a questão das cotas é das mais polêmicas hoje em dia. O Projeto de Lei 73/99, da deputada Nice Lobão (PFL-MA), que prevê a reserva de vagas nas universidades federais, está pronto para ser votado no plenário da Câmara Federal. Apesar das pressões negativas, o movimento negro tem esperanças de que o projeto seja aprovado, para que “se acabe com a lógica do mercado das universidades e se democratize o saber e a sua produção. As universidades estão muito preocupadas com o mercado em vez de se preocuparem em serem pública, no acesso e na sua produção”, critica Edson França, da Unegro.
Nesta sexta (12), dezenas de organizações deram início à Jornada por Cotas e Reservas de Vagas nas Universidades Públicas Federais, visando garantir direitos de alunos negros, indígenas e vindos da rede pública de ensino. Segundo as entidades, a Jornada é uma manifestação de repúdio a parte da intelectualidade brasileira que se coloca contrária à aprovação do projeto de lei 73/99. “Já falaram até mesmo sobre a inconstitucionalidade do projeto, mas ganhamos o debate porque provamos que não há”, conta França.
Para ele, o protesto em São Paulo tem ainda um outro objetivo: minar a resistência da USP à idéia das cotas. “Acreditamos que, minando a pressão na USP, o trabalho poderá ser mais fácil em todo o Brasil”, disse. Várias universidades já aderiram, com bons resultados, à política de cotas, como é o caso de instituições no Rio de Janeiro, Ceará, Pará e Brasília. “É uma forma de furar o bloqueio a este projeto da elite, que são hoje as universidades, porque elas não foram criadas para o povo”, afirma. As manifestações da Jornada terminam na noite desta sexta, com uma Marcha noturna, onde também será pedida a permanência das cotas no texto da Reforma Universitária.
Vanguarda feminista – Ao lado da luta pelo acesso ao ensino superior, o movimento negro vem traçando outras estratégias de democratização e igualdade racial na esfera pública. Uma delas foi lançada recentemente pela organização não-governamental Fala Preta!, que defende os direitos das mulheres negras. O projeto PIMNDHESC, que vai formar 60 mulheres, visa a potencializar líderes negras em matéria de direitos humanos econômicos, sociais e culturais. A idéia é ajudar as mulheres negras a lutar pelos seus direitos dando-lhes os meios necessários para conhecê-los e os caminhos mais viáveis para reivindicá-los.
“Quando se fala em direitos humanos e direitos econômicos, pensa-se muito no mundo branco. O mundo negro, que sofre violações de tais direitos, não explora este aspecto nas suas comunidades no sentido de conhecer os meios para a sua proteção. Acho que, a partir daqui, as mulheres poderão tomar posições mais duras”, acredita Deise Benedito, coordenadora da Área de Articulação Política e Direitos Humanos da Fala Preta!. “Hoje muitas mulheres negras estão fora das universidades e instituições de ensino. Por isso essas capacitações são necessárias, para que todos possam participar na vida pública. E a mulher negra tem de alcançar este nível. Esta foi a raça que mais morreu pelo Brasil”, afirma. Por tratar-se de líderes comunitárias, elas “podem influenciar as comunidades; por isso têm de estar bem preparadas e melhor informadas”.
Deise é crítica ao dizer que não se pode falar em exclusão da mulher negra no país, porque ela nunca esteve incluída. “É como se não existisse. É só ligar a TV e reparar nos comerciais. Nós ainda estamos num país onde o modelo europeu é o paradigma do sucesso. Nos últimos cinco anos, não vejo grandes avanços nesta área. Já nas universidades, se conseguiu trazer para o público debates sobre o racismo. Juntaram-se os antropólogos, sociólogos e historiadores para falar da questão. Assumir, por exemplo, que existe uma relação ancestral entre África e Brasil é ainda difícil, mas reconhecer a descendência, as origens, é uma forma de elevar a auto-estima”.
O direito à saúde, à alimentação adequada, à moradia, a um salário digno, à segurança e à greve estão no topo da lista dos direitos reivindicados pela Fala Preta! Faz parte ainda dos direitos estudados no projeto a redução da taxa de mortalidade infantil de crianças negras. Depois da sessão de formação, as líderes devem capacitar outras pessoas, transformando-se em multiplicadoras do processo. Cerca de 20 municípios de São Paulo estão representados. O PIMNDHESC termina em dezembro, com um seminário que as próprias mulheres, agora em formação, deverão organizar.