Frei Betto diz que greve de fome de Garotinho foi “ridícula”
Carlos Alberto Libânio Christo, o escritor Frei Betto, fala com a autoridade de quem já fez duas greves de fome na década de 70, para protestar contra sua detenção em presídios comuns, já que era um dos presos políticos brasilei
Publicado 11/05/2006 18:33
– A greve de fome de Garotinho é só pela vaidade. É fome por poder. Não tem sentido essa greve porque ele quer espaço no "Globo" e na "Veja" para dar sua versão, quando o "Globo" já lhe deu esse espaço. O que ele não consegue mesmo é explicar as irregularidades que comete. Uma greve só se justifica quando a causa é nobre. Gandhi fez greve de fome em sua luta pela libertação da Índia. O presidente Lula fez uma greve de fome de quatro dias em 1980 quando estava preso na Polícia Federal em São Paulo porque liderava greve justa de metalúrgicos no ABC. Eu fiz duas greves de fome. Uma de seis dias em 1970 quando estava preso no Presídio Tiradantes em São Paulo e outra de 36 dias em 1972 quando me levaram para o presídio de Presidente Wenceslau. Eu protestava porque me davam tratamento de preso comum, de bandido, quando eu era preso político, que lutava contra a ditadura – disse Frei Betto.
O escritor franciscano acha que como Garotinho tinha muitas gorduras para queimar, ele poderia resistir vários dias ainda, mas adverte que do 5º ao 12º dia de uma greve de fome séria, o organismo da pessoa entra num intenso conflito pela sobrevivência que leva as pessoas a quererem comer desesperadamente, até por instinto.
– A partir do 12º dia de uma greve de fome, só tomando soro na veia e aí passa a ser jejum. Na greve de fome de 36 dias que fiz, tomei só água até o 12º dia. Depois passei ao soro. Até o 5º dia, a greve de fome é suportável, pois o organismo tem reservas, que vão sendo queimadas. Garotinho tinha muitas porque era bem gordinho.
A partir do sexto dia, começa a haver uma luta do organismo contra a mente. O organismo quer que você coma, se alimenta, numa luta pela sobrevivência da espécie. Aí você começa a pensar na morte e na luta pela vida. Tem gente que agüenta até quinze dias sem beber e sem comer nada, mas isso é muito raro. Sem comer e beber durante dez dias ninguém agüenta. Sem soro morre, a não ser que a pessoa tenha comido algo escondido nesse tempo todo. Depois do sexto dia dá uma vontade louca de comer escondido – diz Frei Betto.
Ele lembrou até o caso do padre polonês Maximiliano Kolbe, preso pelos nazistas no campo de concentração de Auschwitz e que morreu de fome em 1941.
– Padre Kolbe pediu para ser preso no lugar de um operário polonês e ficou quinze dias na solitária sem comer e sem beber. Como ele resistia, os nazistas lhe aplicaram uma injeção letal para matá-lo, mas esse foi um caso raríssímo na história recente da humanidade. Ele virou santo. Depois do 12º dia não se resiste mesmo sem comer ou tomar o soro. Com o soro, dá para sobreviver até 60 dias, mas a pessoa passa a ter problemas graves, nas articulações musculares – explicou Frei Betto.
O religioso diz que o problema maior depois de uma greve de fome prolongada é que o organismo começa a consumir os músculos.
– Começa a dar tonturas eum cansaço físico e mental enorme. Primeiro o organismo consome as gorduras. Depois, os músculos. Por isso, a pessoa que está em greve passa a ter uma elevação espiritual fantástica, esquecendo um pouco até do corpo – disse o religioso, lembrando que o Frei Luiz Flávio Cappio, bispo da Barra (BA) ficou onze dias em greve de fome porque tinha uma elevação espiritual muito grande.
Betto explicou ainda que o problema mais grave de uma greve de fome prolongada, é volta à vida normal.
– Se você voltar a comer depois de muitos dias em greve de fome, você morre. Tem que passar a uma dieta de pelo menos um mês só tomando suquinhos e caldinhos. E mesmo assim dá uma diarréia muito grande. Não se pode comer sólidos por um mês – garante Frei Betto.
Ele recorda-se do caso de dois guerrilheiros do IRA que lutavam no Reino Unido e que estavam numa greve de fome de 26 dias. Eles morreram quando passaram a comer no 27º. – Os chefes da prisão queriam matá-los e os obrigaram a comer. Por isso morreram – disse Frei Betto.