Itamaraty criará departamento para discutir políticas energéticas
O Itamaraty está estudando a criação de um Departamento de Energia para tratar não só de gás, mas de etanol e biodiesel, informou, nesta terça-feira (9), o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, dura
Publicado 09/05/2006 18:07
Segundo Amorim, o Itamaraty pode ajudar na execução da diversificação das fontes de energia, sem abandonar a integração sul-americana. O ministro lembrou que o Itamaraty já teve uma divisão de Energia, mas agora está empenhado em criar esse departamento que poderá ajudar na execução da política energética do país.
Essa política, conforme o ministro contou aos senadores, pode ser ampliada com outros países, sem abandono da integração sul-americana. Ele deu exemplos de países como o Catar, que é grande produtor de gás natural liquefeito. Recentemente, o Brasil aprovou a instalação de uma embaixada em tal país. Celso Amorim disse que o quadro diplomático poderá ajudar muito em eventuais negociações do governo brasileiro com esses países.
Novas fontes
Amorim admitiu que o Brasil tem uma vulnerabilidade na questão energética, que ele chamou de "interdependência", até em função de desastres naturais e não só da política de outros países, como a da Bolívia.
Celso Amorim disse que, recentemente, o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, telefonou para representantes do governo da Argélia e da Nigéria para tratar de questões energéticas. "Temos que aumentar nossa própria capacidade no Brasil e diversificar nossas fontes distribuidoras", afirmou.
Ele observou que a Bolívia é um país com uma instabilidade crônica e que essa instabilidade é
estrutural, que provém das desigualdades sociais e étnicas. O ministro observou que essa situação vem se agravando e que nos três primeiros anos do governo Lula já houve quatro presidentes na Bolívia.
"Não estamos tratando de um governo estável. Sempre houve muita instabilidade e a
questão do gás sempre esteve presente nesse contexto tumultuado", disse Amorim, acrescentando que o Brasil sempre trabalhou pela estabilidade da Bolívia. Ele lembrou também que a Bolívia vive hoje um período que antecede a assembléia constituinte, que é de natural agitação.
Parceiro comercial
Amorim disse que a integração com a Bolívia faz parte de um projeto maior de integração
sul-americana. Segundo ele, a América Latina é hoje o principal parceiro comercial do Brasil,
equiparando-se apenas aos Estados Unidos. "A integração não é apenas um projeto político, mas está dando resultados concretos", afirmou. Ele citou o crescimento das exportações dos países sul-americanos, nos últimos anos.
Segundo ele, o governo Lula não inventou essa integração, mas tem trabalhando para aprofundá-la. Amorim observou que os problemas que atingem os países da América Latina não derivam da política sul-americana, mas de questões internas dos países.
No caso específico da Bolívia, o ministro disse que além dos componentes sociais e étnicos, "o sentimento de espoliação é muito grande". Ele ressaltou, no entanto, que o relacionamento do Brasil com a Bolívia é um relacionamento de Estado, independente de simpatias.
Negociações longas e difíceis
Ele previu que as negociações entre Brasil e Bolívia sobre o preço do gás natural serão "longas e difíceis". Ele observou, no entanto, que há três pontos que podem ser favoráveis ao Brasil nessas conversações: a garantia do fornecimento, a abertura para as negociações e a possibilidade de indenização prevista na legislação boliviana.
"Passamos de um clima de confrontação, ligado a um clima pré-eleitoral (na Bolívia) para um clima de diálogo", disse o ministro. Ele disse que o governo brasileiro preferiu o diálogo "porque o pior que pode acontecer para o Brasil é uma radicalização".
Amorim ponderou que o preço do gás não pode ser elevado a ponto de inviabilizar a sua utilização pelas indústrias, termelétricas e consumidores em geral. "Não é uma atitude autoritária do Brasil. É o mercado", afirmou. Segundo o ministro, a Bolívia exporta US$1 bilhão por ano para o Brasil, o que corresponde a 36% da exportação daquele país. "Se nós radicalizamos, a racionalidade pode desaparecer do outro lado", afirmou.
Segundo Amorim, o gás boliviano não foi nacionalizado pelo decreto supremo baixado na semana passada pelo presidente Evo Morales, e sim pela lei dos hidrocarbonetos, que é de maio do ano passado. "A questão é saber se no processo de nacionalização os nossos interesses terão tratamento justo", disse o ministro.
Amorim informou que a Petrobrás investiu na Bolívia US$1 bilhão desde 1996. Até 2002 foram
US$920 milhões e durante o governo Lula foram apenas 100 milhões. "Esses números são
importantes para mostrar como a Petrobrás agiu com prudência. A crise do gás já vinha ocorrendo e é por isso que a Petrobrás foi prudente", afirmou. O ministro disse que, apesar de toda essa instabilidade, a Bolívia nunca descumpriu o acordo de fornecimento de gás.
Segundo ele, o contrato que estipula os preços prevê revisão de cinco em cinco anos e que esse contrato começou em 1999, mas até hoje não foi revisto. "Há possibilidade de revisão agora. E se não houver acordo, vai para a arbitragem", disse o ministro, lembrando que o foro específico para isso é a Sociedade de Arbitragem Comercial de Nova York.
Terras produtivas
Celso Amorim falou também sobre a desapropriação de terra na fronteira do Brasil com Bolívia anunciada pelo presidente Evo Morales. Segundo ele, as terras exploradas pelos agricultores brasileiros na Bolívia, com a plantação de soja, são bastante produtivas.
Ele lembrou que o governo boliviano tem dito que a reforma agrária é um dos objetivos, mas que a ênfase será em terras improdutivas, ou que não estejam de acordo com a legislação boliviana.
Amorim destacou que os agricultores brasileiros de soja são responsáveis por 40% da produção e 60% da exportação da Bolívia.
Imagem preservada
O ministro das Relações Exteriores negou que o prestígio internacional do Brasil tenha sido
abalado pelo episódio da nacionalização das reservas de petróleo e gás na Bolívia ou pela atuação do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em apoio a Evo Morales. "A liderança do Brasil não está em xeque", disse Amorim, lembrando que nunca houve uma presença comercial do Brasil tão forte como agora.
A reação do ministro foi em resposta ao líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), que
questionou a presença de Chávez no encontro do presidente Lula com os presidentes da
Argentina, Néstor Kirchner e da Bolívia. Amorim explicou que a presença de Chávez se justificava pela integração macroeconômica da América do Sul, já que a principal reserva de petróleo se encontra na Venezuela e que, portanto, é difícil separar os assuntos da integração e da nacionalização das reservas da Bolívia.
O ministro ressaltou que o governo brasileiro demonstrou a Chávez o seu desconforto e o desconforto pessoal do presidente Lula, com o apoio do governo venezuelano à decisão da Bolívia. "Esse desconforto foi demonstrado de maneira inequívoca pelo presidente Lula", afirmou.
Já o senador José Agripino (PFL-RS) questionou o fato de ter sido o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, escolhido para comandar as negociações com a Bolívia.
O ministro Celso Amorim explicou que a atuação do Itamaraty é diferente da de Marco Aurélio Garcia pois este tem um diálogo mais fácil com parlamentares da oposição dos países da região. Este papel, segundo Amorim, não pode ser desempenhado com desenvoltura pelo Itamaraty, pelo caráter mais institucional do Ministério.
O ministro disse que irá à Bolívia assim que for possível mas esclareceu que não irá esta semana pois acompanhará o presidente Lula em sua viagem a Viena.
De Brasília
Márcia Xavier
Com agências