Patrus Ananias: “Questão dos pobres deixou de ser marginal e virou prioridade”
Publicado 04/05/2006 21:15
por Jonas Valente*
Integração. Essa é a chave do segredo do trabalho do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), comandado por Patrus Ananias. Em entrevista à CARTA MAIOR, o ministro responsável pela pasta faz um balanço de sua gestão, que persegue três objetivos principais: erradicar a fome e a desnutrição, garantir o direito à alimentação vinculado aos direitos da assistência social e da família e consolidar no país um sistema de políticas públicas capaz de fazer com que a questão social seja garantida por políticas de Estado – com normas, critérios, transparência, fiscalização pública e controle social.
O orçamento de R$ 22 bilhões destinado ao MDS, na opinião do ministro, é uma mostra concreta de que “a questão dos pobres deixou de ser marginal e virou uma prioridade” no governo Lula, com a integração de programas e políticas públicas voltadas para a proteção e a promoção social dos segmentos mais vulneráveis da população brasileira.
Mineiro de Bocaiúva, Patrus Ananias saiu da Câmara dos Deputados, instituição na qual entrara como o deputado federal mais votado em Minas Gerais nas eleições de 2002, para atender a um chamado do presidente Lula no início de 2004 (leia: “O meu dever de casa é dar o peixe”, afirma Patrus Ananias). Por conta de sua experiência no tratamento de questões sociais e sua imagem de gestor eficiente após ter comandado a Prefeitura de Belo Horizonte de 1993 a 1996, Patrus foi o escolhido para comandar o MDS, que assumiu inclusive o Fome Zero, carro-chefe do início da gestão de Lula. Leia a seguir os principais trechos da entrevista com o ministro, concedida na semana passada.
A integração dos programas foi colocada desde a criação do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) como um desafio central para a pasta. Como se deu e ainda vem se dando esse processo?
PA – Todos os estudiosos e pessoas que militam nos movimentos sociais e das políticas sociais sabem que um dos desafios é a integração destas políticas preservando a especificidade de cada uma, na linha do distinguir para unir. Todas as políticas sociais têm a sua historia de conquistas, de lutas, de avanços.
A primeira área que integramos foi a Assistência Social, que antes possuía pasta própria. Entre as ações desta área estão o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago com base na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e no Estatuto do Idoso a pessoas idosas com mais de 65 anos e a pessoas com deficiência com renda de até ¼ do salário mínimo. O BPC é um programa que implica em investimentos superiores ao Bolsa Família atendendo hoje a 2,5 milhões de pessoas. Outra ação é o Programa de Atenção Integral às Famílias (PAIF), que está implantando os chamados Centro de Referencias da Assistência Social (CRAS), espaços públicos com presença de educadores, psicólogos e assistentes sociais para acolhimento a famílias pobres, resgate da auto-estima, estímulo à capacitação profissional e à inclusão digital. Há programas do governo anterior que estamos mantendo, consolidando e ampliando. É o caso do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), do Programa de Prevenção e Combate à Exploração Sexual de Jovens e Adolescentes (Sentinela) e do Agente Jovem, programa para jovens de 15 a 17 anos em situação de alta vulnerabilidade social.
Outra área assumida pelo MDS foi a segurança alimentar. E um dos exemplos de ação nessa área é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), na área de produção agrícola. O PAA gera trabalho e renda para agricultores familiares através da compra por parte do governo da produção e na outra ponta atende pessoas, famílias e comunidades em situação de vulnerabilidade social e alimentar. Temos também equipamentos como restaurantes populares, cozinhas comunitárias e bancos de alimentos, que propiciam acesso a alimentos para comunidades mais carentes. Outra conquista foi a melhoria na política de alimentação escolar, cujo exemplo maior foi o aumento de 70% no valor per capita da merenda, que passou de R$ 0,13 para R$ 0,22, sem falar nos diversos programas de educação alimentar que estamos desenvolvendo.
A terceira área foi o Bolsa Família, que até então era uma secretaria ligada diretamente à Presidência da República. Hoje, a gestão do Bolsa Família está na nossa Secretaria de Renda de Cidadania, que opera nossas políticas de transferência de renda, cuja referencia fundamental é o próprio BF pelo fato do programa atender hoje mais de nove milhões de pessoas e com perspectiva de cumprir, até o fim do ano, a meta de atender todas as famílias dentro dos critérios estipulados na Lei. Com a mudança da renda máxima para entrada no programa de R$ 100 para R$ 120 efetuada pelo presidente Lula este mês o total de pessoas deve chegar a 11,1 milhões de pessoas.
Mas como essa integração produz efeitos práticos?
PA – Com estas ações intersetoriais, somamos esforços, maximizamos recursos, criamos sinergias e possibilitando uma gestão mais ágil, eficaz e econômica. Um exemplo é a integração do Bolsa Família com o PETI, com o primeiro assumindo a transferência de renda que já acontecia no segundo. Isso irá gerar mais uma condicionalidade para o BF, que é a proibição de qualquer tipo de trabalho infantil ou precoce nas famílias beneficiadas. Como resultado, todos os recursos que até então eram destinados ao PETI serão vinculados ao programa Jornada Ampliada, que desenvolve ações com vistas a garantir que crianças e adolescentes tenham atividades extracurriculares e não fiquem expostos à situação de trabalho precoce. Estamos integrando também o PETI com o Sentinela no que diz respeito à exploração sexual de crianças e adolescentes, considerando que a exploração juvenil, além da ofensa à dignidade dos jovens, constitui também uma forma perversa de trabalho infantil no mesmo nível do trabalho escravo. Outro diálogo que estamos construindo é entre o Bolsa Família e os Centros de Referência em Assistência Social, integrando a transferência de renda com a inclusão produtiva e as políticas de geração de emprego e renda. Com esta e outras ações, como iniciativas de capacitação profissional, estamos buscando as ações complementares, as chamadas “portas de saída” [da pobreza].
Como o MDS trabalha para que estas ações não sofram com possíveis trocas de governo no futuro?
PA – No caso da Segurança Alimentar, por exemplo, nós estamos apoiando a aprovação na Câmara da proposta de Lei Orgânica de Segurança Alimentar, que entre outras coisas cria um Sistema Nacional da área. E aí nós entramos no campo dos direitos e, conseqüentemente, das políticas públicas, e portanto de Estado, necessárias para garanti-los. Nesta questão da alimentação, as ações saem do campo da filantropia e entram no campo dos direitos, o direito humano à alimentação com regularidade, quantidade e qualidade. Com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) (leia também: Sistema Único avança para a cidadania, mas faltam recursos), estamos colocando a Assistência Social no campo dos direitos. Não se trata de assistencialismo. Qualquer pessoa em situação de vulnerabilidade tem o direito de receber do Estado as condições que lhe garantam a vida, a dignidade básica. Outro caráter desta conquista, numa ação republicana e suprapartidária, é o fato dele se dar dentro do pacto federativo através do envolvimento dos estados e municípios. É assim que fazemos com o Bolsa Família, com o SUAS e que pretendemos fazer com o Sistema Nacional de Segurança Alimentar.
Hoje as políticas do MDS são um dos carros-chefe da campanha de reeleição do presidente Lula. Como o senhor vê isso? Qual é o papel dos programas desenvolvidos no MDS na disputa eleitoral de 2006?
PA – Primeiro: a questão eleitoral não é o que nos move. Quem conhece a trajetória do presidente Lula sabe da sua sensibilidade e do seu compromisso para com os pobres. O que nos move é o sentimento da pátria brasileira. Mas é claro que queremos continuar este projeto e consolidá-lo. O grande avanço é que estamos colocando a questão dos pobres no centro das nossas políticas. Os recursos, as políticas, as ações integradas mostram isso. A ação social não é mais filantropia, mas sim um direito. Com parcerias, mas com o papel forte do Estado, que elevou estas ações ao grau de política pública. Outra conquista é a ação intersetorial que vai consolidando no País os sistemas e esta grande rede integrada de proteção e promoção social. Estas políticas não têm caráter eleitoral e eleitoreiro, o que estamos fazendo é superar esta questão. Na área social o governo está cumprindo os compromissos feitos em 2002.
Qual é a sua avaliação sobre a disputa nacional e no seu estado, Minas Gerais?
PA – Enquanto cidadão militante, disputo projetos e estarei trabalhando muito para a reeleição do presidente Lula, sobretudo nesta perspectiva de continuarmos, aprofundarmos e ampliarmos e nosso projeto, incorporando novos horizontes e paradigmas às conquistas sociais que estamos realizando. Vejo que a posição do presidente está bem posta nas pesquisas. Todo processo eleitoral tem a sua imprevisibilidade, mas vamos trabalhar muito na nossa condição de cidadãos pela confiança que tenho nele como maior liderança popular do país e pela confiança que tenho no projeto, colocando o País num patamar superior no que diz respeito às políticas sociais.
Em Minas Gerais, o PT vai ter candidato. Temos um nome posto que é o presidente estadual do partido e ex-ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), Nilmário Miranda. A candidatura dele está colocada, mas está aberta a possibilidades de alianças. Mas acho fundamental que apresentemos ao povo mineiro um projeto alternativo que incorpore e priorize os pobres, que vincule estabilidade com justiça social. Só o nosso ministério investe em Minas Gerais cerca de R$ 2 bilhões por ano, seguramente mais do que o governo estadual. Nós precisamos ter um projeto para Minas que vincule o desenvolvimento econômico com o desenvolvimento social, que resgate a dívida social e garanta todos os direitos básicos.
Não faltam críticas à lógica assistencialista do Bolsa Família, que reduz o programa a mais uma ação limitada do governo. Como o Sr. responde a elas?
PA – Primeiro, o Bolsa Família é política pública instituída em lei. Segundo, o programa trabalha com pontos fundamentais que são direitos: ele visa garantir às famílias através de uma renda básica o direito humano à alimentação, comida não é assistencialismo, é condição primeira para a cidadania; ele trabalha com condicionalidades, que são também emancipatórias, as famílias se comprometem a garantir a presença das crianças na escola e a ter cuidados básicos com a saúde. Também neste sentido, ele é um programa que visa preservar vínculos familiares, portanto garantindo às crianças e aos jovens o direito a um espaço de afeto, de acolhimento, essencial ao seu processo de desenvolvimento emocional.
Outro aspecto é o fato de ser um programa que trabalha com as ações complementares. Existe uma integração com programas de inclusão produtiva, com o Programa de Atenção Integral às Famílias (PAIF) e com os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), que vêm identificando as potencialidades de desenvolvimento local e formando os jovens para o mercado de trabalho e para o empreendedorismo não só em relação ao mercado, mas também em relação à comunidade na qual eles estão inseridos.
Se é direito, por que há contrapartida? No caso da aposentadoria, por exemplo, não há contrapartida para a transferência de renda.
PA – A questão da contrapartida é uma relação entre direitos e deveres. Ao mesmo tempo em que [a contrapartida] é um dever das famílias – inclusive previsto na Constituição – como no caso da manutenção das crianças na escola, o Estado tem dever de oferecer serviços na qualidade e quantidade. Eu acho que na sociedade esta relação dialética entre direito e dever se coloca sempre. O cidadão é obrigado a pagar impostos para receber do Estado determinados direitos e benefícios. Como advogado, não vejo problema no estabelecimento de contrapartidas em lei, sobretudo quando elas se integram com princípios de desenvolvimento social em perspectiva emancipatória. E agora vamos incluir mais uma. Com a integração com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), as famílias vão se comprometer a não permitir o trabalho precoce. É claro que respeitamos a privacidade das famílias, mas o bem comum, o interesse público e o compromisso com uma sociedade justa pressupõem uma interação permanente entre direito e deveres.
E como fazer para que essa compreensão chegue a todos os segmentos da extensa rede de gestão e operação do programa, que engloba de gestores do poder público até os próprios beneficiados e a sociedade em geral?
PA – A concepção de que a transferência de renda é um direito está chegando na ponta. É claro que em dois anos não encontramos um caminho aberto, mas algumas pegadas, como os programas pré-existentes, que eram localizados e não se comunicavam. É claro que aproveitando as iniciativas já existentes, mas é a primeira vez que estamos construindo na história do Brasil uma grande rede nacional de proteção social desta dimensão. O trabalho com estados e municípios se dá por dois motivos. Primeiro por que é uma exigência estabelecida pela Constituição Federal. Para chegar às pessoas temos que passar pelos estados e municípios, apesar de infelizmente nem todos estarem imbuídos do compromisso com os pobres. O segundo é ético: é o povo que nos paga e temos que trabalhar juntos superando diferenças partidárias na perspectiva do bem comum. E temos encontrado uma resposta positiva.
Em relação à possibilidade de fraudes na ponta, montamos uma rede de fiscalização pública, inclusive com parcerias com o Ministério Público e com a Controladoria-Geral da União (CGU), além dos tribunais de conta. Fizemos agora com todas as prefeituras a renovação dos cadastros, e no termo de acordo nos comprometemos a constituir os comitês de controle social do programa em todos os municípios. Com transparência e controle social, o Bolsa Família está sendo apropriado pela sociedade, cada cidadão se torna um fiscal. Mas repito: o programa tem apenas dois anos e estamos ainda consolidando as portas de entrada. Somente neste ano garantiremos que todas as famílias dentro dos critérios da lei sejam atendidas. Simultaneamente estamos garantindo as portas de entrada e as de saída.
Em relação às “portas de saída” da pobreza, como elas vêm sendo trabalhadas dentro do governo e qual o limite de inclusão com o atual modelo de política econômica que, na avaliação de vários segmentos tanto dos trabalhadores quanto do setor produtivo, tem impedido um desenvolvimento com distribuição de renda mais efetivo?
PA – O Brasil está conseguindo no governo do presidente Lula aquilo que nós nos colocamos a fazer. Primeiro, estamos garantindo estabilidade, que controla a inflação, efeito perverso com os pobres e com a classe média. Em segundo estamos gerando crescimento econômico com justiça social. O Brasil está crescendo, queremos que ele cresça mais, mas tem que ser de forma sustentável e com distribuição de renda. Se as políticas sociais estão tendo êxito, como reconhece o Banco Mundial, e se o Brasil, como mostrou a pesquisa da PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicíios, de 2004], reduziu a pobreza em 3%, em um nível acima da media da América Latina que ficou em apenas 1% nos últimos quatro anos, isso mostra que há um acerto na integração das políticas econômica e social. E é isso que estamos fazendo: integrar o desenvolvimento econômico com o social.
Independente disso, o Bolsa Família é um programa vitorioso no impacto que tem sobre a população pobre. Primeiro porque responde a um fato internacional: um quadro de desemprego estrutural. Há desemprego no mundo inteiro, inclusive nos países mais ricos. O neoliberalismo e a globalização trouxeram um desequilíbrio na relação capital e trabalho com prevalência absurda do primeiro sobre o segundo. No caso do Brasil, que tem uma dívida social histórica de 500 anos, o caso fica mais grave. Pois há milhões de pessoas que não tiveram no passado acesso a direitos e oportunidades básicos, como educação e mais recentemente a inclusão digital, e nós temos que recuperar estas pessoas.
Então é todo um trabalho que tem que ser feito com uma compreensão mais holística. Quando falamos em ‘portas de saída’ estamos falando desde o resgate da auto-estima de pessoas que perderam a identidade e as referências até atividades mais possibilitadoras do trabalho, como capacitação profissional e geração de trabalho e renda. É um conjunto de ações que possibilitam que as pessoas possam ir, de diversas maneiras, se inserindo no mercado de trabalho. E estamos fazendo isso. Outro aspecto que é importante lembrar é o fato do Bolsa Família ter um corte mais amplo. Ele atende pessoas muito pobres e pessoas com uma renda familiar por pessoa de até R$ 120. Então muitas pessoas já estão trabalhando e o programa vem como acréscimo para ajudar a família para preservar os vínculos familiares e cumprir suas obrigações básicas para com as crianças e adolescentes. Ele não é focalizado só em pessoas indigentes, ele tem um caráter preventivo para que as pessoas não resvalem na indigência.
*Fonte: Agência Carta Maior