Biodiversidade: Governo lança Plano Nacional de Áreas Protegidas
Publicado 19/04/2006 19:15
para a Agência Carta Maior
Após assumir papel de destaque nas duas reuniões internacionais de cúpula da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (CDB) que aconteceram no país em março, o governo do Brasil dá continuidade ao esforço para criar instrumentos que facilitem a aplicação de políticas públicas voltadas para a redução da perda da biodiversidade em seu território. Na segunda-feira (17), foi publicado no Diário Oficial da União o decreto nº 5758, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que determina a criação do Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP). Reivindicação antiga das organizações socioambientalistas e discutido dentro do governo desde 2004, o PNAP ainda carece de detalhamento e de meios concretos para se tornar factível. Se conseguir os recursos humanos e financeiros e for bem aplicado, promete fazer com que as áreas protegidas no Brasil – muitas delas só existem no papel – comecem de fato a ser protegidas.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), coordenador do processo de elaboração do plano, o PNAP tem como principal objetivo “definir diretrizes e estratégias para as áreas terrestres e marinhas do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC)” e também para integrar “as demais áreas protegidas, como terras indígenas e quilombolas, num sistema ecologicamente representativo e efetivamente manejado”. O limite estabelecido para atingir esses objetivos é o ano de 2015, mesmo prazo estipulado pela CDB para a adoção das metas globais de perda da biodiversidade. Ao criar o PNAP, o governo brasileiro cumpriu um compromisso assumido no âmbito do Programa de Trabalho sobre Áreas Protegidas da CDB em 2002 e reafirmado no ano seguinte, durante a primeira Conferência Nacional de Meio Ambiente.
“O Plano ainda se encontra em fase preliminar, mas sua chegada é um avanço importante, pois muda a perspectiva atual e aponta para uma política nacional de conservação que não se baseia somente nas UCs”, avalia Adriana Ramos, que coordena o programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA) e também o Grupo de Trabalho sobre Florestas do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS). Adriana aposta na evolução do PNAP: “Estamos ainda numa fase de planejamento macro e de definição das diretrizes gerais do Plano, mas já existe um marco para a implementação de ações”, afirma, citando como exemplo o Programa de Conservação da Biodiversidade em Terras Indígenas.
Essa perspectiva de integração com áreas que hoje não são consideradas Unidades de Conservação, na visão das organizações socioambientalistas, é um dos grandes trunfos do PNAP: “O Plano é importante ao reconhecer a importância de uma gestão integrada com áreas que hoje não são consideradas UCs – como as terras ocupadas por populações indígenas, extrativistas ou quilombolas – para se atingir as metas de redução da perda da biodiversidade”, afirma Adriana Ramos. Ela avalia que, se aplicado a contento, o PNAP colocará o Brasil na vanguarda da luta pela conservação da biodiversidade: “Se reconhecer o direito desses povos e sua importância para a biodiversidade, o Brasil terá uma das políticas de conservação mais avançadas do mundo”.
ENORMES DESAFIOS
Diretor de Áreas Protegidas do MMA, Mauricio Mercadante aponta dois “enormes desafios” que o PNAP ainda vai precisar encarar. O primeiro deles é ampliar o número de Unidades de Conservação, “sobretudo nos biomas onde elas ainda são poucas, como o Cerrado, a Mata Atlântica e a Caatinga”, afirma. O segundo é dotar as UCs de “infra-estrutura e recursos humanos” capazes de assegurar a efetiva conservação da biodiversidade: “Temos que planejar e organizar a ampliação das UCs e a gestão efetiva das já existentes. Essa será uma tarefa complexa, que vai envolver diversos atores e dará maior visibilidade para nossas áreas protegidas, além de permitir a integração com outras áreas”, afirma.
Uma queixa histórica do movimento socioambientlalista – a interposição de interesses das esferas de poder federal, estaduais e municipais na hora de criar e administras as UCs – também promete ser minimizada pelo PNAP, que prevê uma gestão integrada das áreas protegidas: “O PNAP vai dar transparência à gestão e permitir a solução de alguns problemas que hoje estão mal-equacionados entre as diversas esferas do poder público. O debate daqui pra frente será mais amplo e qualificado e permitirá à sociedade brasileira definir com clareza o que quer em termos de política de conservação”, aposta Mercadante. Para Adriana Ramos, o Plano “não vai dar um fim às disputas políticas por si só”, mas aponta os caminhos para isso: “Esses problemas políticos entre as esferas de poder só serão superados com o fortalecimento do diálogo nacional sobre as áreas protegidas”, afirma.
PROCESSO AMPLO
O próximo passo agora é a implementação efetiva do PNAP. De acordo com o decreto assinado por Lula, essa segunda etapa também será coordenada pelo MMA, que vai instituir uma comissão que “deverá contar com a participação de representantes dos governos federal, distrital, estaduais e municipais, de povos indígenas, de comunidades quilombolas e de comunidades extrativistas, do setor empresarial e da sociedade civil”. Também de acordo com o decreto presidencial, a implementação do PNAP deverá ser reavaliada a cada cinco anos, num processo que incluirá consultas ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), à Fundação Nacional do Índio (Funai) e à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Mauricio Mercadante afirma que o governo agora irá se concentrar na realização da parte operacional do PNAP: “Vamos negociar e pactuar objetivos comuns com os sistemas estaduais e municipais. Os primeiros dois objetivos serão identificar as possíveis fontes de recursos financeiros e fazer um levantamento do número de funcionários que seria necessário para assegurar uma boa gestão para cada Unidade de Conservação”. A forma em que se dará a participação da sociedade civil nessa nova etapa do PNAP ainda não foi definida pelo governo: “Ainda vamos definir uma relação das organizações governamentais e não-governamentais que queremos convidar a participar desse processo”, avisa Mercadante.
Adriana Ramos afirma ainda não ter tomado conhecimento de como se dará a convocação das organizações da sociedade civil para essa fase de discussão e elaboração: “Ainda não sabemos quem definirá os critérios para a escolha dos membros dessa comissão de implementação, mas acreditamos que o processo continuará amplo, como vem sendo até aqui”. Mercadante lembra que o processo de discussões sobre o PNAP “nasceu da articulação de várias ONGs” e da assinatura de um protocolo de intenções entre estas e o MMA em 2004: “Já temos como base o grupo de trabalho que vem participando das discussões. A intenção agora é que esse grupo seja ampliado”, avisa.
Fonte: Agência Carta Maior