Greve de professores reacendeu críticas ao ensino em São Paulo
Por Rafael Sampaio (Carta Maior)
Encerrada na última semana, a paralisação de professores e funcionários da rede municipal de ensino de São Paulo trouxe à tona, além do salário dos educadores, questões
Publicado 17/04/2006 01:07
Os educadores voltaram para as salas de aulas, mas várias falhas e dúvidas em relação ao sistema de ensino paulistano vieram à tona durante o processo de mobilização dos grevistas.
Em uníssono, os professores criticam o programa “São Paulo é uma Escola”, criado pela gestão de José Serra em maio do ano passado, enquanto ainda prefeito da cidade. O programa visa a atender os alunos da rede municipal nos horários antes e depois das aulas com “atividades culturais, esportivas, de lazer e de recreação de segunda a sexta-feira”, como informa a Secretaria Municipal de Educação (SME).
A especialista em Administração Escolar e professora de Pedagogia na USP (Universidade de São Paulo), Lisete Arelaro, indaga se há um projeto pedagógico-educacional por trás do programa "São Paulo é uma Escola". “Não que eu não goste da idéia de que os alunos pratiquem esportes ou atividades culturais fora dos horários das aulas. Mas não dá para chamar isso de ensino, porque não reforça o aprendizado escolar da criança”, diz.
Para Lisete, a forma autoritária com que o programa foi implantado pela Prefeitura, sem a participação dos professores em sua elaboração, contribuiu para que não houvesse a adesão das unidades de ensino ao “São Paulo é uma Escola”.
“A rejeição a esse programa é total porque nem os diretores, nem os professores, nem os pais dos alunos puderam opinar sobre algo que interfere em sua rotina, em seu trabalho ou no aprendizado de seus alunos ou filhos”, avalia. “Tudo parece implementado de improviso e com fins eleitoreiros, já que José Serra e Aristodemo Pinotti são candidatos a cargos políticos”, suspeita.
O vereador pelo PSOL, Carlos Giannazi, que também é diretor licenciado de uma escola municipal, define o projeto como “marqueteiro” e questiona a grade horária. Algumas das atividades, antes incluídas nos horários obrigatórios de aulas, foram realocadas no período pré e pós-aula. É o caso da educação física, das aulas de informática e as salas de leitura. “Muitos alunos não freqüentam o programa 'São Paulo é uma Escola' e perderão essas atividades”, diz Giannazi. “Como ficam então os alunos diante do artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases [LDB], que diz que a prática de educação física nas escolas é obrigatória? Então eles são obrigados a participar do pré e pós-aula para fazerem educação física? Além disso, as crianças de famílias mais pobres são prejudicadas porque gastam mais com transporte público, já que voltam para casa ao fim do horário de aula e vão ter que voltar à escola no horário pós-aula”, explica.
A hipótese levantada pelo Sindicato dos Profissionais em Educação de São Paulo (Sinpeem) é a reformulação do “São Paulo é uma Escola”, e não sua extinção. “Faltam professores contratados, falta material didático, merenda, falta espaço físico e os horários de aulas se misturam por causa do programa”, relata o vice-presidente do Sindicato, Adelson Cavalcanti Queiroz.
O novo secretário de Educação, Alexandre Schneider, aceitou rediscutir o “São Paulo é uma Escola”. Ele se reuniu com representantes do Sindicato dos Coordenadores e Diretores (Sinesp) e do Sinpeem, que organizaram um protesto em frente à sede da Secretaria na última terça (11). Schneider deve lançar uma portaria para orientar cada unidade escolar a fazer uma avaliação do programa. Até o dia quinze de maio, as avaliações serão repassadas à Secretaria Municipal de Educação para que sejam discutidas mudanças com a comunidade escolar e as entidades sindicais.
Política de Estado – A greve dos professores fez aflorar outra questão: a mudança da política de educação de acordo com os partidos à frente da Prefeitura de São Paulo. Os educadores querem uma política de Estado, e não de governos ou partidos.
Na opinião do vereador Carlos Giannazi, o caminho é “investir nos funcionários da rede municipal, na educação infantil, com o aumento do número de creches, e reajustar os salários”. Crítico tanto em relação ao PT quanto ao PSDB, ele acredita que nenhum dos dois partidos têm clara sua política pública educacional e aponta quais seriam os principais problemas do setor hoje na capital paulista: a superlotação das salas de aula, a crescente violência contra os professores e a aprovação quase automática dos alunos da 8ª série.
A vereadora petista Claudete Alves, também educadora, rebate a crítica do colega de Câmara, argumentando que a gestão de Marta Suplicy elaborou um plano para oferecer formação superior a todos os educadores que lidam com público infantil. “Mas depois que Serra assumiu, as bolsas foram todas cortadas. Mais de 1.400 educadores estão pagando sua própria formação. Depois de muito confronto, a Prefeitura liberou a bolsa educacional para uma parte deles no começo deste ano”, conta.
Em relação aos CEUs, principal bandeira do PT para a educação municipal, a ressalva de Giannazi fica no quesito pedagógico. Apesar de beneficiar as comunidades carentes do ponto de vista da inclusão social, eles pouco inovariam como proposta pedagógica, acredita. Ana Cecília Simões, que foi gestora do CEU Butantã, na zona oeste de São Paulo, discorda.
“Quando os CEUs foram instalados, havia a chance de dar poder à população da periferia; lutamos para torná-los protagonistas de seu aprendizado e para estimular a participação popular dentro das instituições. Mas o espírito do projeto foi destruído. Como não era possível demolir os CEUs, a Prefeitura os esvaziou. Eles se tornaram escolas comuns. Eu passo pelo CEU Butantã e o vejo vazio, não há quem circule ali depois das 20h. Onde está o povo? A periferia perdeu o poder de se mobilizar em torno e dentro do CEU. Essa era a proposta inicial”, lembra Ana Cecília.
O projeto da gestão Marta Suplicy incluía a construção de 45 CEUs pela cidade; desses, 21 estão em funcionamento. A gestão Serra praticamente paralisou a abertura de novas unidades.