Criação de nova Ouvidoria de polícias em SP ameaça denúncia de abusos
Condepe e Ouvidoria se manifestam contra a tentativa de deslegitimar e esvaziar a Ouvidoria independente, pelo trabalho que tem feito contra a letalidade e violência da polícia paulista
Publicado 02/12/2024 16:57 | Editado 02/12/2024 18:06
A publicação de uma resolução pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) no Diário Oficial, nesta terça-feira (2), que cria uma nova ouvidoria subordinada diretamente à pasta, tem gerado preocupação entre entidades de direitos humanos e especialistas. O novo órgão, que será comandado por um ouvidor escolhido pelo próprio secretário Guilherme Derrite, é visto como uma tentativa de esvaziar a Ouvidoria das Polícias, responsável há quase três décadas por apurar denúncias de abusos em ações policiais de forma independente.
A resolução ocorre em um momento de aumento da letalidade policial no estado. Dados recentes mostram crescimento nos números de mortes em ações das forças de segurança, o que reforça as críticas sobre a necessidade de preservar instâncias independentes para apuração de abusos.
Para especialistas, a independência da Ouvidoria das Polícias é crucial para garantir a credibilidade das investigações e a confiança da população em uma instituição que deve funcionar como um canal imparcial entre sociedade civil e forças de segurança.
Diante do cenário, o Condepe e a Ouvidoria das Polícias devem recorrer a pareceres jurídicos e considerar medidas legais para questionar a criação do novo órgão. Silva e Santiago reforçaram o compromisso com a defesa de uma ouvidoria independente como instrumento essencial na busca por justiça e pela preservação dos direitos humanos.
Reação de entidades de direitos humanos
Adilson Sousa Santiago, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), expressou em entrevista ao Portal Vermelho forte preocupação com a iniciativa. Para ele, a criação dessa nova ouvidoria representa um retrocesso na participação social e no acesso à informação:
Santiago destacou ainda que o Condepe está se mobilizando para barrar possíveis retrocessos. Ele afirmou que o conselho irá solicitar parecer jurídico ao Ministério Público e à Defensoria Pública. Segundo Santiago, o objetivo é questionar a legitimidade da nova medida e discutirá ações para preservar a independência da Ouvidoria da Polícia.
“Eu vejo que as atribuições são muito parecidas e não havia necessidade de se criar essa ouvidoria, que é uma tentativa clara, na minha avaliação, do secretário tentar tirar esse espaço de escuta da sociedade”, avaliou.
“O que a gente tem visto nas ações cotidianas do secretário de Segurança Pública é cada vez mais eliminar a participação popular. Então vejo nisso um risco tremendo. Primeiro para a democracia, segundo para o acesso às informações com qualidade, terceiro, tirar da sociedade um instrumento tão importante que é a ouvidoria das polícias”, alertou.
Segundo ele, a Ouvidoria das Polícias foi criada com isonomia para garantir imparcialidade. “Subordinar um órgão como esse à SSP é abrir margem para interferências políticas e colocar em risco investigações sobre má conduta de agentes públicos”, destacou.
“A Ouvidoria da Polícia foi criada em um momento crucial, após a tragédia da Favela Naval, para atender um anseio da população por mais transparência e controle social. O trabalho atual da Ouvidoria, conduzido pelo professor Cláudio Silva, é exemplar. Essa nova resolução parece mais uma tentativa de mitigar um espaço fundamental de escuta da sociedade.”
Entre as principais críticas apontadas por Santiago está o aumento da violência policial nos últimos anos:
“A gente tem visto que o secretário busca espaços, inclusive, de acobertar a ação da polícia violenta. Mas o que a gente tem visto nos últimos dois anos é o aumento da violência policial, da letalidade policial, da forma arbitrária que as forças de segurança têm atuado no Estado de São Paulo. Precisamos de mais instrumentos de controle social, não de medidas que confundam ou enfraqueçam esses mecanismos.”
Declarações do ouvidor das polícias
O atual ouvidor das polícias, Cláudio Silva, também demonstrou preocupação com a medida. Segundo ele, a criação da nova ouvidoria é uma resposta à atuação independente da entidade. Silva afirmou que continuará trabalhando para garantir justiça e criticou a postura do secretário Guilherme Derrite:
“O secretário deveria estar preocupado em investigar casos como o assassinato no aeroporto de Guarulhos ou denúncias de lavagem de dinheiro envolvendo policiais. Em vez disso, cria uma ouvidoria de fachada para evitar contrapontos e legitimar arbitrariedades”, declarou.
Silva também destacou que, recentemente, a SSP tem dificultado investigações, como nas operações realizadas na Baixada Santista, nas quais, segundo ele, houve dispensa de laudos de locais de crime e falta de acesso das famílias às informações.
A Ouvidoria da Polícia se posicionou oficialmente em nota enviada ao Portal Vermelho. O órgão relatou que já havia solicitado à SSP, no início do ano, a publicação do edital para a criação de seu Conselho de Usuários, como previsto em lei. No entanto, a resposta foi a publicação da Resolução SSP nº 66, sem consultas prévias ou discussões substantivas com os atores envolvidos criando outra ouvidoria e um conselho de usuários com atribuições que colidem com a Ouvidoria.
A nota destaca a duplicidade de funções gerada pela nova ouvidoria e aponta possíveis impactos negativos: “A medida conflita com a reconhecida atuação desta Ouvidoria, criando órgãos redundantes e despesas incompatíveis com a austeridade orçamentária necessária. Além disso, gera desentendimento na população, que não terá clareza sobre onde e com quem registrar suas demandas.”
A Ouvidoria enfatizou a importância de fortalecer estruturas já existentes e questionou os reais interesses por trás da criação de um órgão dispendioso que pode enfraquecer um trabalho consolidado.
Posição da SSP
Em nota, a SSP-SP negou que a criação do novo órgão tenha o objetivo de limitar a atuação da Ouvidoria das Polícias. Segundo a pasta, a nova ouvidoria será responsável por receber denúncias gerais, sugestões e avaliações de serviços, sem vínculo com apurações de violações de direitos humanos.
“A Ouvidoria das Polícias continuará sendo responsável pelo recebimento de denúncias relacionadas a violações de direitos fundamentais cometidas por policiais. Não haverá impacto em sua atuação”, afirmou a secretaria.
A polêmica em torno da Resolução SSP nº 66 reflete tensões mais amplas entre transparência, controle social e a atuação do Estado. Tanto o Condepe quanto a Ouvidoria da Polícia prometem seguir atentos às possíveis consequências da medida e às suas implicações para os direitos humanos em São Paulo.
O desfecho desse conflito institucional será acompanhado de perto por entidades de defesa dos direitos humanos e pela sociedade civil, que esperam que o diálogo e a transparência prevaleçam.