Reeleição alcança nível recorde e mantém 82% dos prefeitos

Alguns fatores podem desequilibrar a disputa a favor de quem controla a máquina pública, como a alta destinação de emendas parlamentares

Plenário do Congresso durante a discussão do projeto de resolução sobre o orçamento secreto no final de 2022. Foto: Pedro França/Agência Senado.

As eleições municipais de 2024 marcaram um recorde histórico na taxa de reeleição de prefeitos no Brasil. Dos 2.916 prefeitos que buscaram a continuidade no cargo, 2.400 conseguiram um novo mandato, o que corresponde a uma impressionante taxa de 82%. Esse percentual é o maior registrado desde 2004, destacando uma clara tendência de fortalecimento dos chefes municipais no cenário eleitoral.

Essa alta taxa de reeleição representa um crescimento significativo em comparação com as eleições de 2020, quando 63% dos prefeitos que tentaram a reeleição obtiveram sucesso. O resultado sinaliza uma maior aprovação da gestão dos prefeitos e uma confiança ampliada dos eleitores na continuidade dos projetos municipais. Dos 17 candidatos que tentaram a reeleição no segundo turno da disputa, 14 conseguiram se reeleger.

Fatores contribuintes para o aumento da reeleição

Especialistas apontam alguns fatores para esse aumento expressivo na taxa de reeleição em 2024. Em primeiro lugar, o volume de emendas parlamentares destinadas a municípios por deputados federais pode ter “desequilibrado” a disputa a favor dos atuais prefeitos. Dados de um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontam que o valor pago em emendas, sem a mediação do governo federal, saiu de R$ 3,43 bilhões em 2015 para R$ 35,3 bilhões em 2023.

Um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo com base no primeiro turno apontou que quase todos os 116 prefeitos que mais receberam recursos de emendas parlamentares durante seus quatro anos de mandato foram reeleitos. De acordo com a análise do jornal, a taxa de reeleição para esse grupo foi de 98% — apenas dois prefeitos não conseguiram se manter no cargo. A partir do momento em que o governo federal passou a ter menos poder de decisão sobre as emendas, elas passaram a ser “negociadas” diretamente entre parlamentares e prefeitos.

Outra hipótese está relacionada à taxa de abstenção registrada no primeiro turno, que foi de 21,7% neste ano, e é considerada alta pelo TSE. Segundo a justiça eleitoral, a taxa de abstenção no segundo turno das eleições deste ano foi de 29,26%, a segunda maior desde 2000. Taxas de abstenção altas favorecem quem está no poder, porque esses candidatos têm mais recursos e condições de mobilizar suas equipes para ir às urnas. Assim como o alinhamento entre os prefeitos candidatos e os governos estaduais também desequilibram a disputa em favor de quem está sob controle da máquina.

A pandemia de covid-19 impôs grandes desafios de gestão para os municípios. Prefeitos que conseguiram responder de forma eficaz à crise sanitária e implementar programas de recuperação econômica conquistaram a confiança da população, que optou pela continuidade. Além disso, programas de investimento em infraestrutura e ações de apoio social, em parceria com os governos estaduais e federal, também impactaram positivamente a imagem desses gestores.

A reeleição nunca foi um processo natural da política, pois havia entre pesquisadores a percepção de que os prefeitos que tentavam a reeleição no exercício do cargo sofriam uma considerável corrosão em seu desempenho eleitoral, devido a um desgaste diante de medidas impopulares tomadas e a própria visibilidade crítica sobre o telhado de vidro das prefeituras.

Outro ponto de destaque é o contexto político polarizado no Brasil, que tem impulsionado a busca por estabilidade nas administrações locais. Em meio a disputas intensas e discursos polarizados, muitos eleitores preferiram optar por candidatos que já estão no cargo, acreditando que a continuidade possa garantir mais segurança e previsibilidade.

Antes de 2018, o nível de polarização no Brasil era menor e isso levava a coligações sem consistência ideológica. Partidos como o PT se coligavam com legendas à direita como o PL ou o Republicanos. Este cenário de oposição entre direita e esquerda tornou-se mais nítido, sem possibilidade de alianças entre estes setores. Por isso mesmo, partidos de centro foram os que mais cresceram.

Eleições em São Paulo e o impacto nacional

Entre as disputas mais emblemáticas, o segundo turno em São Paulo atraiu a atenção nacional, com o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) vencendo Guilherme Boulos (PSOL). A vitória de Nunes representa a manutenção de uma administração centrada em uma coalizão de centro-direita, em contraste com a proposta de mudança apresentada pelo PSOL. Esse resultado pode ser interpretado como um reflexo de uma tendência observada em outros municípios, onde os eleitores preferiram a continuidade ao invés da mudança.

Comparando com eleições anteriores, observa-se que a taxa de reeleição de prefeitos tem variado consideravelmente ao longo dos anos. Em 2004, a taxa era de 56%, passando por altos e baixos até chegar aos 82% atuais. Esse crescimento sugere uma tendência de fortalecimento do papel dos prefeitos nas políticas locais e uma crescente confiança dos eleitores na experiência acumulada desses gestores.

Esse fenômeno, porém, também traz questionamentos sobre o impacto de uma reeleição tão alta na renovação política e nos desafios de inovação nas gestões públicas. Com prefeitos estabelecidos no cargo, há uma pressão para que essas administrações apresentem resultados tangíveis e continuem atendendo às demandas da população.

Questões pendentes e judicialização

Vale ressaltar que o número de prefeitos considerados reeleitos inclui aqueles cujas vitórias ainda estão sub judice, com contestações na Justiça Eleitoral. Historicamente, algumas reeleições são eventualmente cassadas ou anuladas por irregularidades no processo eleitoral, o que pode impactar o cenário final dos municípios. Contudo, esses dados não reduzem a relevância do recorde alcançado em 2024, que se destaca como um marco na política municipal brasileira.

A eleição de 2024 confirma uma tendência de alta nas taxas de reeleição, com uma preferência dos eleitores pela continuidade de gestões que demonstraram capacidade de adaptação em tempos desafiadores. O recorde de 82% de reeleição revela um fortalecimento da figura dos prefeitos no Brasil e indica que os eleitores valorizam a experiência acumulada na administração pública local. No entanto, esse cenário impõe uma responsabilidade ainda maior sobre os reeleitos, que precisarão demonstrar resultados e responder às demandas de uma população cada vez mais atenta e exigente quanto à qualidade dos serviços públicos municipais.

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