Colapso energético em Cuba vem com articulação golpista americana

Dirigente da Alba Movimentos diz que solidariedade interna é maior que tentativas de convulsionar o país, mas os EUA usam seu emaranhado de leis para agravar a crise energética.

Apesar do apagão histórico em Cuba, o povo e o regime resistem denunciando o brutal bloqueio americano. Foto: Gabriel Rodríguez CC

Na conferência de imprensa realizada no Brasil por Dayron Roque Lazo, membro da Secretaria Continental da ALBA Movimentos e educador popular do Centro Martin Luther King em Cuba, foram abordadas as crescentes dificuldades enfrentadas pelo Sistema Eletroenergético Nacional cubano. O Portal Vermelho acompanhou, em São Paulo, o relato em que ele destacou que as recentes falhas totais no sistema energético, culminando no apagão ocorrido em 18 de outubro, são uma expressão de um cenário de hostilidade exacerbada pela política de bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba.

Durante a entrevista, ele pontuou como americanos articulam tentativas de convulsionar a sociedade cubana, numa clara demonstração oportunista para golpear o governo legítimo de Cuba. O lobby de cubanos de Miami busca aproveitar o momento para recrudescer ainda mais legislações de asfixia econômica do país no Congresso. Contam com a possibilidade de um iminente colapso do regime para estabelecer que um novo governo deverá ser aprovado pela Casa Branca, antes de levantar o bloqueio. Roque Lazo, no entanto, diz que a solidariedade interna é mais forte que as tentativas de desesperar a população.

Dayron Roque Lazo, membro da Secretaria Continental da ALBA Movimentos, educador popular do Centro Martin Luther King em Cuba e membro do Grupo de Pesquisa em América Latina, Filosofia e Axiologia do Instituto de Filosofia de Havana. Foto: Cezar Xavier

Roque Lazo começou explicando que a demanda diária de energia elétrica em Cuba, que varia entre 3.000 e 3.200 megawatts, não tem sido atendida nos últimos meses devido a problemas nas principais plantas geradoras de eletricidade e à escassez de combustível. O bloqueio econômico imposto pelos EUA tem sido, segundo ele, o principal fator para essa crise energética, impedindo o financiamento adequado e o fornecimento regular de combustíveis. “Um barco de combustível é suficiente para apenas dez dias de operação. Qualquer interrupção nesses envios compromete o sistema energético”, alertou.

Ele traçou um paralelo com outros países da região, como a República Dominicana e Porto Rico, que possuem demandas energéticas semelhantes, mas que conseguem atender suas populações com mais eficácia, principalmente pela ausência das restrições econômicas que afetam Cuba.

Crônica de uma asfixia econômica

Outro ponto central da fala de Roque Lazo foi a perseguição financeira imposta pelos Estados Unidos, que dificulta as transações econômicas internacionais de Cuba. O país não consegue, em tempo hábil, pagar aos seus fornecedores de combustível e, com isso, as plantas termelétricas são incapazes de funcionar adequadamente. Além disso, ele mencionou a deterioração das principais fontes de receita de Cuba, como o turismo e a exportação de serviços médicos, ambas gravemente impactadas pela política norte-americana.

O turismo, por exemplo, sofreu uma queda drástica desde a intensificação das sanções no final do governo Trump, e essa situação se manteve sob a administração Biden. Roque Lazo mencionou que, antes da pandemia, Cuba recebia cerca de 4 milhões de turistas anualmente, um número agora significativamente reduzido. “Uma nova restrição impede que turistas que visitaram Cuba utilizem o sistema de vistos eletrônicos ESTA para ingressar nos EUA, o que desestimula o turismo na ilha”, observou.

Além do turismo, a exportação de serviços médicos, uma das principais fontes de receita do país, também foi atacada. Roque Lazo denunciou a campanha internacional que acusa Cuba de tráfico de pessoas, visando desacreditar a cooperação médica cubana em países da América Latina e do Caribe.

Ele concluiu sua apresentação destacando que o bloqueio e suas consequências econômicas não são apenas uma questão de falta de recursos, mas um ataque deliberado para desestruturar a economia cubana. Segundo ele, o cenário atual de colapso energético é uma consequência direta da política norte-americana de asfixia financeira. “Cuba não funciona em condições normais por causa desse ataque planificado e sistemático”, concluiu.

Roque Lazo detalhou como a falta de combustível e peças de reposição para as plantas geradoras é o principal fator para o colapso do sistema. “Nos últimos dias, tentamos várias vezes recompor o sistema, mas ele continuava a falhar, retornando a zero repetidamente”, lamentou.

O problema não é novo, mas atinge agora níveis críticos. O sistema elétrico, que há uma década tinha capacidade instalada para atender ao dobro da demanda atual, está agora completamente desestruturado. Segundo Roque Lazo, a incapacidade de obter financiamento e combustível é resultado direto das políticas de bloqueio econômico impostas pelos EUA. “O principal responsável por essa situação é o governo norte-americano, que criou as condições para que Cuba vivesse esse cenário de desespero e precariedade”, afirmou.

Lazo frisou que as sanções impostas a Cuba têm impactos profundos, que vão além do discurso político, afetando diretamente a vida cotidiana da população. Ele citou, por exemplo, as dificuldades enfrentadas para realizar transações financeiras internacionais e o bloqueio de contas bancárias.

Roque Lazo fez questão de recordar o infame memorando de Lester Mallory, de 1960, no qual o então secretário de Estado dos EUA delineava uma estratégia para provocar o colapso do governo cubano, criando condições de desespero entre a população. “O que estamos vivendo hoje é a execução desse plano, um ataque sistemático à economia cubana que afeta diretamente o povo. O objetivo é claro: causar tanto sofrimento que leve a uma revolta contra o governo legítimo”, denunciou.

Ele também relembrou momentos críticos recentes, como o incêndio em Matanzas em 2022, quando os depósitos de combustível queimaram durante uma semana, sem qualquer auxílio norte-americano, apesar de sua proximidade geográfica e capacidade de ajudar. Roque Lazo também mencionou o colapso da produção de oxigênio medicinal em meio à pandemia de covid-19, agravado pela demora na chegada de peças essenciais, bloqueadas por sanções dos EUA.

A solução imediata para a crise energética atual, segundo Roque Lazo, tem sido a criação de pequenos subsistemas regionais de geração elétrica, que operam de forma autônoma até que o sistema nacional possa ser restabelecido. No entanto, ele alertou que essa medida é apenas paliativa e não resolverá o problema estrutural sem mudanças no bloqueio econômico. “Estamos tentando manter a luz acesa, literalmente, mas a causa de todo esse sofrimento é o cerco econômico a que estamos submetidos”, reiterou.

Roque Lazo pede a compreensão e a solidariedade internacional, especialmente daqueles que, de fora de Cuba, enxergam apenas as notícias de um apagão sem compreender o contexto mais amplo. “O drama não é apenas a falta de eletricidade, mas o cenário de desespero cuidadosamente construído para minar a Revolução Cubana”, concluiu.

Papel histórico dos EUA na asfixia econômica da Ilha

A crise, que culminou em um apagão nacional, não pode ser analisada de forma isolada, mas sim como parte de um bloqueio econômico de décadas imposto pelos Estados Unidos, que, segundo Roque Lazo, desempenha um papel histórico central nas dificuldades enfrentadas pela ilha.

Roque Lazo argumentou que, embora a mídia internacional tenha focado no apagão ocorrido em 18 de outubro, o problema vai muito além de uma falha técnica ou gerencial. “A verdadeira solução não é pedir ajuda pontual, mas eliminar o bloqueio econômico”, afirmou. Ele destacou que a Casa Branca, em resposta a perguntas sobre se Cuba havia solicitado ajuda em meio à crise, declarou hipocritamente que a ilha não tinha feito nenhum pedido formal. “Aqui não se trata de pedir ajuda, e sim de pôr fim a uma política que sufoca a economia cubana há mais de 60 anos”, declarou.

Roque Lazo explicou que o bloqueio norte-americano é um emaranhado de leis que tornam impossível o funcionamento econômico pleno de Cuba. Ele destacou que o bloqueio não só impede que o governo cubano desempenhe seu papel na garantia das necessidades básicas da população, como também beneficia de forma classista um pequeno setor privado que não possui a vocação nem a capacidade de atender às demandas essenciais do povo cubano.

O educador cubano também chamou a atenção para as condições climáticas adversas que agravaram a crise energética. Ele mencionou a passagem do furacão Oscar, que atingiu o extremo oriental da ilha, inundando regiões críticas como Baracoa e afetando diretamente a produção de energia elétrica, especialmente na central de Fray Bentos, que gera 250 megawatts de eletricidade. Essas condições meteorológicas, combinadas com a crise energética, criaram uma situação extremamente difícil, particularmente nas províncias orientais do país.

Articulação para convulsionar Cuba e golpear o regime

Roque Lazo alertou que a direita e a ultradireita, tanto em Cuba quanto no exterior, estão tentando explorar o momento de crise para incitar convulsões sociais e sublevação popular. Ele mencionou que veículos de desinformação em Miami e Madrid têm disseminado propaganda que visa provocar instabilidade. Um dos exemplos mais alarmantes, segundo ele, foi a sugestão de alguns opositores cubanos de aplicar a Lei Helms-Burton como solução para a crise. A legislação, aprovada pelo presidente norte-americano Bill Clinton em 1996, estabelece um regime de sanções ainda mais severo a Cuba e prevê que o bloqueio não seria levantado mesmo após uma hipotética queda do governo revolucionário, a menos que os Estados Unidos reconhecessem um novo governo de transição.

A conferência de Roque Lazo não foi apenas um alerta sobre os desafios internos de Cuba, mas também um apelo à solidariedade internacional. Ele enfatizou a importância de os movimentos populares na América Latina e no Caribe se manterem vigilantes e pressionarem seus governos a adotar uma postura ativa de apoio a Cuba. Roque Lazo elogiou os gestos de solidariedade de países como México, Venezuela, Bolívia e Nicarágua, mas pediu um envolvimento ainda mais robusto de outras nações da região.

“Os movimentos populares não podem enviar petróleo para Cuba todos os dias”, admitiu, “mas podem pressionar seus governos a adotar uma postura mais ativa em favor da ilha”.

A luta contra o bloqueio

Roque Lazo ressaltou que o bloqueio norte-americano tem como objetivo explícito “a destruição material progressiva e sistemática” das condições de vida em Cuba, com a intenção de levar a população a um ponto de ruptura social. “Se cria uma situação onde se espera que o povo, em desespero, se volte contra o governo revolucionário”, afirmou. No entanto, ele observou que, até o momento, apesar das dificuldades, a maioria dos cubanos mantém a confiança na Revolução e no governo cubano.

Embora reconheça a existência de protestos pontuais, Roque Lazo apontou que eles não evoluíram para uma crise social generalizada. Ele explicou que a resposta do povo cubano, em muitos casos, tem sido marcada pela solidariedade. “Temos visto exemplos de organização popular nos bairros”, disse, destacando ações como o compartilhamento de geradores privados para armazenar alimentos e a preparação de sopas coletivas, conhecidas como caldosas, para alimentar a comunidade. “Não estamos em um ponto iminente de convulsão social”, afirmou Roque, ainda que tenha reconhecido a gravidade das condições.

O educador também fez uma crítica às tentativas de desinformação vindas de Miami e Madrid, onde grupos de oposição cubana no exterior têm usado a crise para fomentar um estalido social. Roque Lazo afirmou que esses grupos buscam “soluções” baseadas em cenários de colapso, mas que são promovidos de maneira covarde, longe dos perigos reais enfrentados pelo povo cubano.

Roque Lazo também abordou o papel da comunidade internacional, mencionando a votação iminente na Assembleia Geral da ONU sobre a resolução cubana que condena o bloqueio. Desde 1992, Cuba tem apresentado anualmente essa resolução, que é aprovada por uma maioria esmagadora de países. Apesar do apoio internacional quase unânime, Roque Lazo questionou a eficácia prática dessas resoluções. No entanto, ele defendeu seu valor como uma “condenação moral” e um lembrete constante da responsabilidade dos Estados Unidos na perpetuação de um bloqueio que, segundo ele, equivale a um genocídio de câmera lenta.

O educador cubano destacou a importância de continuar denunciando o bloqueio e não permitir que sua existência seja naturalizada. “O abandono da solidariedade, seja de forma ativa ou passiva, é o que mais nos prejudica”, afirmou. Ele fez um apelo para que movimentos sociais, governos e meios de comunicação em todo o mundo mantenham a pressão para o fim do bloqueio e para que a solidariedade internacional com Cuba não esmoreça.

Roque Lazo concluiu com uma crítica à hipocrisia de alguns governos que votam contra o bloqueio na ONU, mas, ao mesmo tempo, fazem declarações culpando Cuba pelas consequências da política de isolamento econômico. “A política de bloqueio foi imposta unilateralmente pelos Estados Unidos, e deve ser retirada de forma unilateral”, afirmou, reafirmando que Cuba não tem nada a negociar nesse sentido. Para ele, o fim do bloqueio seria um passo crucial para aliviar a crise e permitir que o país se recupere das décadas de asfixia econômica imposta de fora.

Ao ser questionado sobre as eleições nos Estados Unidos e a possibilidade de mudanças na política norte-americana em relação a Cuba, Roque foi enfático: “Para Cuba, não há diferença real entre democratas e republicanos. A história mostra que as mudanças são apenas cosméticas”. Ele destacou que, mesmo quando Barack Obama tentou um diálogo com o governo cubano, suas ações foram facilmente revertidas por Donald Trump, que reincluiu Cuba na lista de países patrocinadores do terrorismo pouco antes de deixar o cargo.

Roque também enfatizou que a política dos Estados Unidos para Cuba é controlada por setores ultraconservadores da comunidade cubana em Miami, que têm uma influência desproporcional no Congresso e nas administrações norte-americanas. Ele descreveu esses grupos como “historicamente derrotados” e motivados por uma “vontade de revanche”.

A conferência abordou também as estratégias midiáticas utilizadas para desinformar a população cubana e o impacto das fake news, amplificadas por redes sociais e mídias financiadas por fontes externas. Ele fez referência ao papel das campanhas propagandísticas, como a “SOS Cuba”, que manipulam informações e exacerbam o descontentamento popular.

Sobre a entrada de Cuba no BRICS, Roque mostrou otimismo, afirmando que a adesão ao bloco representa uma oportunidade para fortalecer a economia cubana e encontrar novos aliados globais para enfrentar as adversidades impostas pelo bloqueio dos EUA.

Questionado sobre a possibilidade de apoio do Brasil, Lazo comentou que não havia informações públicas sobre ações concretas do governo brasileiro, mas ressaltou que o Brasil, devido ao seu peso geopolítico e histórico de colaboração, poderia desempenhar um papel importante. Ele citou como exemplo a cooperação brasileira no desenvolvimento do Porto de Mariel, que foi fundamental para Cuba em anos anteriores.

A conferência foi encerrada com um apelo à solidariedade global, especialmente com a votação contra o bloqueio a Cuba na ONU marcada para o fim de outubro. Movimentos de solidariedade planejam uma campanha de mobilização a partir de 23 de outubro, com o objetivo de pressionar governos e ampliar a visibilidade da luta contra o bloqueio.

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