Escritora sul-coreana Han Kang leva o Prêmio Nobel de Literatura
Han Kang, autora sul-coreana de 53 anos, conhecida por “A Vegetariana”, também escreveu “Atos Humanos” e “O Livro Branco” e tem três obras traduzidas no Brasil
Publicado 11/10/2024 08:00 | Editado 11/10/2024 08:06
A escritora sul-coreana Han Kang, de 53 anos, venceu o Prêmio Nobel de Literatura de 2024, anunciado nesta quinta (5) pela Academia Sueca. Segundo a Academia, Kang ganha o prêmio “por sua intensa prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”.
Primeira sul-coreana a vencer o prêmio, Kang foi laureada pela sua “prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”, segundo a Academia Sueca.
Sua obra é vasta –com ao menos 17 trabalhos publicados em coreano e três traduzidos para o português pela editora Todavia– e transita entre vários gêneros, como poesia, romance, conto e novela.
O presidente do comitê do Nobel, Anders Olsson, ressaltou a “empatia física de Han pelas vidas vulneráveis, muitas vezes femininas” de seus personagens. Anna-Karin Palm, membro do comitê de literatura do Nobel, disse que Han escreve “uma prosa lírica intensa que é ao mesmo tempo tenra e brutal, e às vezes também um pouco surrealista”.
O Nobel de Literatura é concedido a um autor pelo conjunto da obra. Os laureados recebem, além da tradicional medalha e do diploma, o valor de 11 milhões de coroas suecas, cerca de R$ 5,9 milhões. Os premiados são convidados para participar de cerimônias realizadas no dia 10 de dezembro, que marca o aniversário de morte de Alfred Nobel.
Em 2018, ela se viu envolvida em uma lista feita pela ex-ministra sul-coreana da Cultura Cho Yoon-Sun que acusava quase 10 mil intelectuais e artistas de todos os campos de serem “esquerdistas demais”. Além de Han Kang, também faziam parte da lista personalidades como o cineasta Park Chan-wook. Cho Yoon-Sun acabou condenada a dois anos de prisão por conspiração.
“Quando estava escrevendo ‘A vegetariana’, eu queria questionar o que é ser humano, e queria descrever uma mulher que desesperadamente não queria pertencer à raça humana, e que, desesperadamente, queria rejeitar a humanidade, que comete crimes terríveis”, explicou ela, sobre o livro premiado.
A autora teve três livros de sua obra publicados no Brasil. A Vegetariana, Atos Humanos e O Livro Branco são os títulos da sul-coreana que já ganharam tradução para o português, todos publicados no Brasil pela editora Todavia.
Em Atos Humanos, publicado originalmente em 2014, a autora volta ao massacre de Gwangju, que, conforme citado, moldou sua visão de mundo e influenciou o pregresso A Vegetariana. Ela parte do episódio histórico para tratar sobre luto, memória, violência e política. Os personagens de Han são vítimas e enlutados que carregam traumas, ao passo que observam o apagamento da tragédia.
“Ao tentar dar voz às vítimas da história, o livro confronta esse episódio com uma atualização brutal e, ao fazê-lo, aproxima-se do gênero da literatura de testemunho”, descreve a Academia Sueca.
Uma tragédia pessoal assume o cerne de O Livro Branco, obra de 2016 que ganhou edição por aqui no ano passado. Han Kang escreve com tom altamente poético sobre o luto pela ausência da irmã que nunca chegou a conhecer, morta recém-nascida nos braços da mãe. O texto é construído por meio de associações a objetos brancos, cor que remete ao luto em algumas culturas orientais.
Vida e obra de Han Kang
Nascida em 27 de novembro de 1970 em Gwangju, na Coreia do Sul, Han Kang se mudou com a família para Seul aos 9 anos. Seu pai, Han Sung-won, é professor universitário e romancista, tendo a influenciado. Aos 14 anos, ela já sabia que queria ser escritora.
A autora estudou literatura coreana na Universidade Yonsei e estreou como autora em 1993, publicando poemas em uma revista local voltada para temas de literatura e sociedade. Dois anos depois, lançou o conto Love of Yeosu, passando a se dedicar à prosa. Seu primeiro romance Black Deer (inédito no Brasil), de 1998, é um suspense sobre uma mulher desaparecida.
Han Kang ficou mundialmente conhecida pela obra A Vegetariana, de 2007. O livro, escrito em três partes, acompanha a decisão da protagonista Yeonghye de não comer mais carne, tampouco cozinhar ou servir, por conta de um sonho. A escolha acaba distanciando a mulher das imposições às quais foi submetida pelo marido, a família e a sociedade ao longo da vida.
Em uma entrevista ao The New York Times sobre a obra, Han disse que o romance surgiu, em parte, de sua fascinação pelo levante de Gwangju em 1980, quando manifestações pró-democracia tornaram-se sangrentas após tropas do governo atacarem os manifestantes, em grande parte estudantes. Apesar de ter apenas 9 anos na época, o evento moldou, em grande medida, seu entendimento da capacidade humana para violência – e também para o sacrifício pessoal e compaixão, afirmou ela.
A Vegetariana ganhou uma adaptação cinematográfica em 2009, do diretor Lim Woo-seong. Em 2016, o livro venceu o prestigioso International Booker Prize, atribuído a um autor, de qualquer nacionalidade, com obra publicada em língua inglesa, seja original ou traduzida. Na edição, Han competiu com nomes de peso como Elena Ferrante e Orhan Pamuk. Em 2018, foi semifinalista com Atos Humanos.
Por empregar um estilo poético e experimental, a autora se tornou um nome inovador na prosa contemporânea, justificando a escolha do Nobel. Han também tem ligação com a arte e a música, que refletem em elementos de sua produção literária.
A Academia Sueca destaca que “o trabalho de Han Kang é caracterizado por uma dupla exposição de dor, uma correspondência entre tormento mental e físico com conexões próximas ao pensamento oriental”.
Ao The Guardian, a autora falou sobre como sua experiência tendo fortes enxaquecas desde a adolescência afeta sua percepção sobre a escrita. “Minhas enxaquecas estão sempre me lembrando de que sou humana. Porque tenho que parar meu trabalho, minha leitura, minha rotina, então me torna humilde, me ajuda a perceber que sou mortal e vulnerável. Talvez se eu fosse 100% saudável e enérgica, não poderia ter me tornado escritora”, disse.