A convite de Lula, líderes se reúnem para discutir ameaças à democracia

Polarização política, extremismo e desinformação são fenômenos transnacionais que estão minando o tecido social, alimentando violência e instabilidade

Presidente Lula durante o evento para discutir a defesa da democracia em Nova York. Foto: Ricardo Stuckert / PR

A convite do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e do presidente da Espanha, Pedro Sánchez, líderes e representantes de 13 países e organizações internacionais se reuniram em Nova York, nesta terça-feira (24), para discutir as crescentes ameaças à democracia e à liberdade, impostas por movimentos extremistas ao redor do mundo. Participaram do encontro os líderes de Barbados, Cabo Verde, Canadá, Chile, Colômbia, Estados Unidos, França, México, Noruega, Quênia, Senegal, Timor Leste, além do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e do secretário-geral adjunto das Nações Unidas, Guy Rider.

No evento ocorrido à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas intitulado “Em Defesa da Democracia: Lutando Contra o Extremismo”, o presidente Lula fez um discurso destacando os desafios globais enfrentados pelas democracias, ao lado de líderes de várias nações e organizações internacionais. Ao iniciar sua fala, ele ressaltou que a democracia, desde a Segunda Guerra Mundial, nunca esteve tão ameaçada. “No Brasil e nos Estados Unidos, forças totalitárias promoveram ações violentas para desafiar o resultado das urnas”, afirmou o presidente, referindo-se aos ataques de extremistas contra a legitimidade eleitoral em ambos os países.

O primeiro-ministro Pedro Sánchez reforçou a fala de Lula, alertando que a democracia está sob ataque por movimentos extremistas que possuem poderosas fontes de financiamento. E destacou que a resposta deve ser firme: “aos inimigos da democracia, temos que responder com a mesma determinação que eles empregam”.

O debate, centrado na necessidade de reforçar a defesa da democracia, expressou profunda preocupação com o crescimento de grupos que promovem ataques ao Estado de Direito, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais. Os líderes destacaram que a polarização política, o extremismo e a disseminação de desinformação são fenômenos transnacionais que estão minando o tecido social, alimentando violência e instabilidade.

Desigualdade e desinformação como motores da crise

Durante as discussões, alguns líderes alertaram que o aumento das desigualdades, tanto dentro quanto entre países, está na raiz do descontentamento popular que impulsiona esses movimentos extremistas. O fracasso de muitas nações em proporcionar melhorias concretas na vida de seus cidadãos e a erosão das classes médias contribuíram para a crescente frustração com os governos e com a política, criando um ambiente fértil para a proliferação de discursos de ódio e narrativas desestabilizadoras.

Lula argumentou que o extremismo é um sintoma de crises mais profundas, oriundas de múltiplas causas, apontando falhas na própria democracia liberal. “Ela se tornou apenas um ritual que repetimos a cada 4 ou 5 anos”, afirmou, enfatizando que a exclusão social e as desigualdades econômicas têm alimentado o descontentamento global. Para ele, uma democracia que privilegia apenas uma elite econômica e ignora as necessidades dos trabalhadores não pode ser chamada de democrática. “Fartura para poucos e fome para muitos em pleno século XXI é a antessala para o totalitarismo”, alertou.

Lula defendeu a necessidade de que a economia seja colocada a serviço do povo, sem abrir mão do livre mercado, mas com um papel ativo do Estado no planejamento do desenvolvimento sustentável e na garantia de bem-estar e equidade. “Isso não significa acabar com o livre mercado, mas sim recuperar o papel do Estado”, explicou o presidente.

Por outro lado, foi destacada a ameaça representada pela disseminação de desinformação e fake news, que corroem a confiança nas instituições e dificultam a participação informada na vida pública. A manipulação da opinião pública por meio do uso de exércitos virtuais e discursos de ódio, amplificados pelo avanço da Inteligência Artificial, foram identificados como obstáculos à preservação dos valores democráticos. Isso limita a participação de minorias e restringe liberdades, contribuindo para a desconfiança nos sistemas eleitorais e no próprio conceito de democracia.

Lula também enfatizou que a liberdade de expressão, embora um direito fundamental, não é absoluta. “Encontra seus limites na proteção dos direitos e liberdades de outros, e da própria ordem política”, disse, referindo-se à disseminação de discursos de ódio nas plataformas digitais.

No campo das tecnologias digitais, o presidente brasileiro foi firme ao defender a regulação das plataformas e o controle do uso da inteligência artificial. Ele afirmou que redes sociais se tornaram terreno fértil para discursos de ódio racistas, misóginos e xenofóbicos. “Nossas sociedades estarão sob constante ameaça, enquanto não formos firmes na regulação das plataformas”, advertiu, acrescentando que nenhuma empresa ou indivíduo, por mais ricos que sejam, está acima da lei. As plataformas digitais, segundo Lula, precisam ser responsabilizadas pelo conteúdo que disseminam.

Democracia: um valor comum e plural

Os líderes presentes reafirmaram que, embora a democracia assuma formas diferentes em diferentes partes do mundo, certos princípios são universais: eleições livres e justas, transparência política, separação de poderes, igualdade de proteção sob a lei, imprensa independente e um ecossistema de informação plural e confiável. Esses elementos formam a base para sociedades prósperas, inclusivas e pluralistas.

Foi também enfatizado que a democracia não pode ser imposta, mas deve emergir da vontade livremente expressa dos povos de determinar seus próprios sistemas políticos, econômicos e sociais. O fortalecimento da democracia passa, segundo os participantes, pela promoção do bem-estar social, combate à fome e às desigualdades, e o fomento ao trabalho decente.

Ao longo de seu discurso, Lula enfatizou a importância da participação social no fortalecimento da democracia, salientando que a democracia não deve ser um pacto de silêncio. “Precisamos ouvir movimentos sociais, estudantes, mulheres, trabalhadores, empreendedores, minorias raciais, étnicas e religiosas”, disse, defendendo a proteção dos direitos humanos, do meio ambiente e dos defensores da democracia.

Gênero, diversidade e tecnologias digitais

A reunião também destacou a importância da igualdade de gênero e da plena participação das mulheres na formulação de políticas públicas, como um pilar para democracias inclusivas e resilientes. Os líderes enfatizaram que o racismo, a xenofobia e a intolerância religiosa são incompatíveis com os valores democráticos, constituindo sérias ameaças ao pluralismo político e à diversidade.

A utilização de tecnologias digitais por grupos extremistas para espalhar desinformação e incitar a violência também recebeu atenção especial. Foi unânime entre os participantes que combater esse fenômeno requer um esforço coordenado entre governos, empresas de tecnologia e a sociedade civil, para garantir a integridade da informação e preservar o bom funcionamento das democracias.

Rumo a Santiago

Ao final do encontro, os líderes expressaram seu compromisso em fortalecer as instituições e os processos democráticos em seus países e coordenar esforços para enfrentar os desafios globais à democracia. O Presidente do Chile ofereceu acolher uma futura cúpula em Santiago, com o objetivo de continuar o diálogo sobre formas de fortalecimento democrático, incluindo o envolvimento com grupos de reflexão e a sociedade civil.

Essa reunião em Nova York reafirma o papel da cooperação internacional no combate aos desafios contemporâneos, reforçando o valor universal da democracia e o compromisso global com a liberdade, a igualdade e a justiça social.

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