Cinema nacional cresce e dobra resultados de público e renda de 2023

Números até setembro já são o dobro dos resultados do ano anterior

Foto: Renato Araújo/Agência Brasil

O cinema nacional continua em franca recuperação sob o governo Lula. De acordo com a Ancine (Agência Nacional do Cinema), até setembro 7,37 milhões de pessoas assistiram a 209 filmes nacionais nas salas de cinema.

O número já é maior do que 2023 inteiro, quando 281 produções nacionais tiveram 3,72 milhões de bilhetes vendidos, portanto, este ano já marca quase o dobro em apenas nove meses. No mesmo passo a renda arrecadada já é superior, são R$ 141 milhões este ano ante R$ 67,3 milhões.

Ainda que os números apontem para uma franca recuperação, o cenário para o cinema brasileiro deixado pelo governo Bolsonaro é trágico. Em 2019, os filmes brasileiros perderam 300 mil pessoas em público. No ano seguinte, com a pandemia, o número de queda foi recorde por conta das restrições e registrou 14 milhões de pessoas a menos.

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Mas quando houve forte recuperação econômica no pós-pandemia, com vários setores crescendo e recuperando o tempo estagnado, isto não se refletiu nas bilheterias. Assim, como aponta a Ancine, a renda de bilheteria caiu 75% em relação a 2018. Aliás, este foi um ano que deve ser perseguido como alvo, pois nele, antes da crise instalada contra a cultura no governo anterior, as bilheterias chegaram a R$ 283 milhões em arrecadação com 23,2 milhões de público.

Voltando a 2023, o destaque foi o filme “Nosso Sonho”, a cinebiografia da dupla Claudinho e Buchecha, que contou com 505 mil espectadores. A obra dirigida por Eduardo Leonel Albergaria teve apoio da Ancine e do Fundo Setorial do Audiovisual. Já em 2024, o filme “Os Farofeiros 2” levou 1,88 milhão aos cinemas. Outro sucesso é “Minha Irmã e Eu”, que entre ano passado e este já somou 2,28 milhões de pessoas.

Para entender melhor em que pé estamos no cinema nacional, o Portal Vermelho conversou com o diretor do Centro Popular de Cultura da UMES (CPC-UMES) e secretário da Associação Paulista de Cineastas (Apaci), Caio Plessmann de Castro.

Na conversa com o diretor, produtor e pesquisador de cinema, tratamos sobre a volta da cota de tela e sobre expectativas e investimentos do governo Lula no cinema. Confira:

A partir de 2019, o cinema nacional passou a sofrer um desmonte. Em 2022, por exemplo, a renda de bilheteria do cinema nacional na comparação com 2018 caiu 75%. Nesse sentido, qual avaliação é feita sobre o governo Bolsonaro para o cinema nacional? O fim da cota de tela, em 2021, foi um golpe que representou o fundo do poço em 2022?

Sem a menor dúvida, deixar que o mercado seguisse sem reserva para o filme nacional jogou a produção no chão, talvez mesmo abaixo dessa linha. Vou te responder de modo muito pessoal … foi didático, uma dura lição que tem que ser aprendida por todos no país. Chegamos ao pior desempenho de toda a história catalogada do Brasil. A ausência da Cota já havia abortado o imenso sucesso popular de “Nosso Sonho”, cinebiografia de Claudinho e Buchecha, filme que foi tirado das salas de cinema com elas plenamente cheias. Se fosse valer a “lei da dobra”, ou seja, a obrigatoriedade de só tirar o filme de cartaz quando ele estivesse abaixo da média da sala, teríamos realmente um fenômeno de bilheteria que traria muitas reflexões originais, e muito dinheiro aos realizadores e alegria ao público. Foi um filme que poderia ter feito 10 vezes mais bilheteria, ou até mais. E, mesmo assim, teve 500 mil ingressos vendidos. Fica a pergunta: como tiraram um filme que estava enchendo os cinemas? Aí que entra o pulo do gato: não competimos, em nosso próprio país, com outros filmes, mas com séries inteiras de filmes, longos ciclos envolvendo várias produções, com verbas gigantescas de publicidade nos lançamentos e produtos derivados, incluindo filmes bons e também os ruins, obras com desempenho e sem desempenho junto às pessoas, mas que, no conjunto, tem um enorme peso e atuam coesos, como uma única iniciativa. Desse modo eles mantém cativos os parques exibidores do país. A prova disso tudo, é que o fenômeno ocorre em escala mundial, não só no Brasil. Realmente termos ficado esses quase dois anos sem a Cota de Tela significou uma amarga lição que espero jamais esqueçamos.

Quanto ao governo Bolsonaro foi dramático observar um presidente eleito tentar destruir a cinematografia do próprio país, um fenômeno surreal, mas não inédito, provavelmente derivado de alguma síndrome colonial presente no imaginário fascista latino-americano.

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Com o terceiro governo Lula houve a retomada em diversos setores destruídos pelo governo anterior, em especial a cultura. No que tange o cinema nacional houve a volta da cota de tela. O que pode se atribuir ao governo Lula sobre o retorno dos investimentos e a volta do público prestigiando o cinema nacional novamente?

Além da retomada das políticas públicas e da Cota de Tela, a minha impressão é que concorre pra isso a redução do clima de tensão fascista que o país atravessou, que migrou para uma sentimento de mais  tranquilidade e estímulo ao convívio social. Não vejo como resultado exclusivo da política cinematográfica do novo governo, até porque ele ainda enfrenta muitas dificuldades pra trabalhar, uma vez que a Ancine continua truncada, com pouca interação com o setor, e a ação do Ministério da Cultura, restaurado após sua extinção, tem se mostrado lenta, preocupada exclusivamente com a nacionalização da atividade produtiva, em prejuízo dos centros históricos consolidados do cinema nacional, que atualmente enfrentam muitas dificuldades. O Ministério jamais poderia deixar o eixo Rio – São Paulo sem apoio, como está acontecendo nesse momento, na prática.

Caio Plesmann. Foto: Apaci

Espera-se que os bons números já registrados este ano sejam ainda melhores em 2025. Isto porque o Ministério da Cultura anunciou investimento de R$1,6 bilhão para o próximo ano, considerado o maior da série histórica da Ancine. O que o senhor espera para o cinema nacional para os próximos anos?

Estou otimista. Vejo muita gente extremamente preocupada, muita mesmo. Mas meu sentimento é positivo. Não sei explicar de onde isso vem. Talvez eu veja ainda a capacidade do governo… vejo o presidente Lula empenhado em criar um cinema forte, e sinto o mesmo da equipe de governo, ministério e secretaria do audiovisual. Há, no entanto, um desafio no ar que tem sido pouco lembrado, que é o de efetivamente gastar, investir o dinheiro disponível que você lembrou. Isso porque a malha burocrática que compõe as garantias da infraestrutura cinematográfica no país acaba engessando a dinâmica produtiva. Dependemos urgentemente de editais contínuos, com calendário claros, abertos aos emergentes e aos tradicionais realizadores de pequeno e médio porte, e isso além de outras medidas. Talvez o grande ponto de incerteza é que no momento não tenhamos ainda um maestro ou maestrina para isso tudo, alguém que lidere o setor com visão desenvolvimentista e popular, atento às questões afirmativas, à nacionalização da atividade, produção, distribuição e exibição, mas também voltada  aos tradicionais centros produtivos, com um olhar atento mais à reconquista do mercado interno de exibição, ao fortalecimento das pequenas e médias empresas nacionais repactuando um grande acordo pelo filme brasileiro e seu encontro com o povo, em todo o país, seja onde ele estiver.

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O que o governo ainda pode e deve fazer para maior apoio? Este apoio chega a pequenas produções e produções independentes?

Antes de mais nada devo lembrar de setores básicos da atividade, como os trabalhos de preservação e formação de público. A Cinemateca parece ter engrenado um ciclo produtivo importante, mas ao mesmo tempo começam rumores de que a Ancine pensa em se retirar do apoio ao produtor, para o depósito legal das cópias. Isso seria desastroso, pois com o tempo gera a precarização do acervo, uma vez que os produtores já tem que enfrentar inúmeras situações extremamente adversas. Do mesmo modo o circuito de Festivais e Mostras no país, e até mesmo no exterior, tem que ser apoiados. Outra medida que hoje é, sem a menor dúvida, da maior importância, é o apoio à criação de uma legislação regulatória do streaming no país, pois esses grupos estão explorando nosso mercado interno sem praticamente nenhuma contrapartida à produção nacional e ao seu custeio, ao seu financiamento, comprometendo a arrecadação fiscal da atividade, que é um fator que justifica, sem dúvida nenhuma, a indústria cinematográfica como um todo, pelo seu caráter superavitário. Isso sem entrarmos aqui na questão cultural, psíquica, de positividade sobre a nação dessa importante atividade.

Na China, por exemplo, houve uma ampliação de 40% do parque exibidor após a pandemia. E hoje eles possuem 90 mil salas, enquanto aqui temos 3 mil apenas. Se fizéssemos um Cineteatro por cidade chegaríamos perto de 10 mil salas e seria uma medida ultrapopular para o governo. Ampliaria o nosso mercado consumidor em três vezes. É necessário que ele [o governo] entenda a enorme importância desses pontos todos.

*Com informações AgênciaGov