Musk mirou a democracia e acertou a cultura pop

Do dia para a noite, influencers do mundo todo descobriram que sua base de seguidores era toda de brasileiros e entraram em pânico

O magnata americano, que comprou o Twitter para destruí-lo em seguida, se tornou referência da extrema direita, transformando democratas em alvo de manifestações bolsonaristas

Uma decisão judicial determinou o bloqueio do Twitter, agora chamado de X, no Brasil, o que pode ter implicações profundas para a cultura pop e a política digital global. A proibição foi impulsionada pela recusa do dono da plataforma, Elon Musk, em obedecer a uma ordem judicial brasileira, o que resultou em um choque direto com o governo do país. A suspensão da rede social não afeta apenas os mais de 21 milhões de usuários brasileiros, mas também representa uma ruptura em um ecossistema digital que exerce influência significativa na cultura popular e no ativismo social. Foi o que denunciou a jornalista Taylor Lorenz num artigo de impacto.

Desde o início do conflito entre Musk e o governo brasileiro, a principal questão gira em torno da resistência da plataforma em remover contas que espalham desinformação, muitas delas ligadas a discursos de extrema direita, violando leis locais. Além disso, o Brasil exige que todas as empresas de tecnologia que operem no país tenham representação legal, algo que Musk ignorou, levando a um ultimato das autoridades judiciais.

Características diferenciais do Twitter

Muitos usuários de baixo perfil torceram o nariz para a saída do X, dizendo que não lhes faz a menor diferença. Realmente, muita gente se sentia até constrangido a estar na rede por alguns poucos motivos, quando focavam mais em outras plataformas, como WhatsApp, Youtube, Instagram e Facebook.

No entanto, o Twitter é mobilizado por uma rede de usuários intensos e influentes que compararam o episódio ao 11 de setembro das redes sociais, o incêndio da Biblioteca de Alexandria dos fandoms, um meteoro que caiu e extinguiu milhões de ecossistemas delicados, um Titanic com influencers desesperados por botes salva-vidas para suas centenas de milhares de seguidores. De repente, muitos influencers norte-americanos tiveram que admitir que toda a sua base de seguidores era de brasileiros.

O Twitter permitia com suas ferramentas um tipo de interação singular, com suas hashtags que unem pessoas com os mesmos interesses de alcance global, trend topics que revelam o que está sendo mais comentado no mundo, informações em tempo real que tornavam a plataforma a mais ágil para divulgação de novidades, texto pesquisável. Tudo isso, tornava-o realmente o principal, se não o único, espaço onde os fãs podem se mobilizar rapidamente, criar momentos virais e influenciar a cultura popular em grande escala.

A arrogância de Musk frente ao capitalismo que ele diz tanto respeitar, o colocou na berlinda, ao deixar todo o mercado de entretenimento, marcas e influencers desconfiado de seus produtos. Sua prioridade para a política de extrema direita, em detrimento do ecossistema comercial que suas plataformas criam, gerou um pânico generalizado que, provavelmente, ele não consiga recuperar em termos de confiança. Plataformas similares ao Twitter, que lutavam para aparecer, como Bluesky, tornaram-se opções automáticas e oportunas depois do cataclisma.

O impacto no universo do entretenimento e cultura pop

O bloqueio do X no Brasil não é apenas um golpe nas atividades dos usuários individuais, mas uma “bomba nuclear” no universo das contas de fãs, memes e cultura pop. Os brasileiros são conhecidos por seu engajamento único e criativo, sendo peças-chave na viralização de conteúdos globais. Fandoms brasileiros são responsáveis por ressuscitar programas de TV e música internacional, transformando nichos em fenômenos populares. Um exemplo notável foi a influência dos fãs brasileiros na promoção do álbum ARTPOP, de Lady Gaga, e da música Fake Love, do grupo de K-pop BTS.

A ausência de uma comunidade tão vibrante na plataforma deixa um vácuo na produção e consumo de cultura pop. Para celebridades e profissionais da indústria do entretenimento, isso pode significar uma perda de tração nos lançamentos de projetos e na visibilidade de seus trabalhos. Para além dos números, as contas de fãs brasileiros atuam como verdadeiros “arquivistas” não remunerados da cultura pop, documentando cada detalhe das trajetórias das celebridades e tendências.

Ativismo e engajamento social ameaçados

O impacto da saída do Twitter X também se estende ao ativismo digital, que há anos tem nas contas de fãs um meio eficaz de mobilização em causas sociais e políticas. Os stans (contas de fanáticos, uma junção de stupid+fan) brasileiros, famosos por suas campanhas digitais, têm histórico de apoiar movimentos LGBTQ+, a preservação da Amazônia e questões de justiça racial. Em 2020, durante o movimento global do Black Lives Matter, as hashtags brasileiras #VidasNegrasImportam alcançaram uma visibilidade notável, dando voz às demandas locais e contribuindo para o engajamento internacional.

A cultura stan, além de ser uma forma de entretenimento e interação entre fãs, tem desempenhado um papel crucial na formação de opiniões políticas e no apoio a causas humanitárias. A retirada do Twitter do cenário brasileiro priva essa juventude digitalmente consciente de uma plataforma essencial para amplificar suas vozes, afetando diretamente a organização de movimentos políticos e sociais.

Para além das questões culturais e sociais, o bloqueio do X no Brasil também poderá gerar consequências econômicas significativas. O mercado brasileiro de entretenimento e consumo digital é robusto, com milhões de usuários que frequentemente compram música, produtos e ingressos para shows, além de gerarem engajamento nas redes sociais de artistas internacionais. Sem a presença dos stans brasileiros, a visibilidade cultural de muitos artistas pode diminuir, o que pode afetar as vendas e o tráfego online em torno de suas carreiras.

Outro aspecto pouco mencionado, é o fato do X estar se tornando um quartel general de mobilizadores de extrema direita. Mesmo os brasileiros que permanecem lá, via VPN (rede de comunicações privada), alegando “desobediência civil”, são extremistas dispostos a mobilizações estúpidas ou perigosas. Assim como já foi amplamente utilizado na Europa para recrutamento de jovens para o Estado Islâmico, sem fiscalização, o X pode se tornar uma rede terrorista de nazistas, e outros bichos de extrema direita.

O futuro da rede social e o desgaste de Musk

O bloqueio do X no Brasil é um reflexo da crescente instabilidade da plataforma sob a gestão de Elon Musk. Desde que assumiu o controle da rede, Musk tem enfrentado críticas por suas decisões impopulares e pela forma com que lida com as comunidades online. Se a proibição no Brasil se prolongar, é provável que muitos fãs e influenciadores migrem permanentemente para outras plataformas, como o Instagram ou o Bluesky, buscando espaços mais estáveis e democráticos para interagir.

Essa situação levanta uma questão crucial sobre o futuro das redes sociais globais e sua relação com a política e a cultura digital de diferentes países. O bloqueio do X no Brasil é mais um lembrete da complexidade das interações entre grandes corporações tecnológicas e governos nacionais, em um momento em que o controle da desinformação e a regulamentação do conteúdo online são temas centrais no debate global.

Em última análise, embora Musk possa acabar revertendo sua posição diante da pressão financeira e legal, o dano à comunidade brasileira e sua influência na cultura pop e no ativismo já está feito. A perda do Twitter para os stans brasileiros representa, como muitos usuários apontaram, uma “grande lacuna no coração da internet”.

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