Governo aponta redução de 92% de áreas de garimpo em território Yanomami
Para indigenista, redução do garimpo é significativa, mas políticas públicas devem abordar as causas da atividade econômica
Publicado 29/08/2024 17:25 | Editado 29/08/2024 17:55
Durante uma audiência na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (27), Nilton Tubino, diretor da Casa de Governo em Roraima, destacou que a abertura de novos garimpos na Terra Indígena Yanomami caiu drasticamente, registrando uma redução de quase 92% desde 2022. Além disso, a área de garimpo ativo no território diminuiu 66% em 2023, passando de 4.570 hectares em março para 1.557 hectares em agosto. Essas estatísticas refletem um progresso significativo nas ações de combate à mineração ilegal na região, que abrange 9,6 milhões de hectares entre os estados do Amazonas e Roraima e abriga mais de 27 mil indígenas.
Apesar dos avanços, Gustavo Guerreiro, indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai), alertou para a necessidade de políticas públicas mais abrangentes. “As recentes ações do governo federal têm exercido um impacto significativo na vida dos Yanomami, com uma redução expressiva nos ataques de garimpeiros contra os indígenas. No entanto, se não forem implementadas políticas públicas que abordem as causas que levam milhares de pessoas a se envolverem no garimpo, além do combate aos que organizam e financiam essas atividades, é provável que a situação retorne ao estado anterior”, afirmou Guerreiro ao Portal Vermelho.
O indigenista destacou que a ocupação não indígena da Amazônia, historicamente, se deu por meio de frentes de exploração indiscriminada dos recursos naturais, sendo o garimpo uma das atividades mais devastadoras, seguida da pecuária extensiva e outras atividades agrícolas. “Esse contato interétnico sem critérios adequados resultou na morte e na degradação das condições de vida de diversas comunidades Yanomami”, explicou.
Medidas para reduzir o garimpo
Tubino, um dos seis representantes ouvidos pela subcomissão especial que acompanha a crise humanitária dos Yanomami e Ye’Kwana na região Norte, elogiou as diversas iniciativas do governo federal, incluindo a criação da Casa de Governo em Roraima, uma estrutura física estabelecida este ano para monitorar a situação na região. “As medidas têm sido eficazes, mas é essencial garantir a continuidade dessas ações para evitar o retrocesso”, afirmou Tubino.
Jair Schmitt, diretor de Proteção Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), também destacou as estratégias implementadas para combater o garimpo ilegal, como o bloqueio de suprimentos para garimpeiros e a destruição de infraestruturas utilizadas pelos invasores, incluindo aeronaves, barcos, tratores e até pistas de pouso clandestinas. Schmitt ressaltou que essas operações resultaram em 146 autuações ambientais e multas que ultrapassam R$ 42,8 mil entre 2023 e 2024, além de uma redução de 85% da área desmatada para mineração na Terra Yanomami entre 2021 e 2023.
Não basta a ação de governo
A opinião de Guerreiro é compatível com o que disseram lideranças durante a audiência da Comissão. A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) defendeu a aprovação, pelos parlamentares, de projetos que efetivamente ajudem os povos indígenas, como o PL 4347/21, que transforma em lei a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, atualmente regida por um decreto (Decreto 7.747/12).
O projeto, que visa garantir maior segurança jurídica para essa política, foi aprovado recentemente pela Comissão de Meio Ambiente e está em análise agora na Comissão da Amazônia. “O mesmo Parlamento que diz que está preocupado com a questão Yanomami precisa também estar junto conosco na origem desses problemas”, avaliou. “E não dá para estar preocupado com a questão Yanomami e votar, por exemplo, a favor do marco temporal, contra o projeto da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em terras indígenas”, criticou a deputada.
Secretária de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Sheila Santana concorda que não basta uma atuação do Poder Executivo para combater a crise humanitária no território Yanomami. Ela garantiu que o governo federal tem atuado diariamente para dar resposta efetiva à crise e promover o “estrangulamento logístico das organizações criminosas”. Mas ela considera necessário também o engajamento dos poderes Legislativo e Judiciário, das organizações da sociedade civil e das instituições locais.
Ela pediu aos parlamentares que aprovem o Projeto de Lei 3025/23, encaminhado pelo governo Lula à Câmara, que reformula as regras de comércio e transporte de ouro no Brasil. A proposta, segundo Sheila Santana, é crucial para combater o garimpo ilegal. “É o PL que vai fazer o controle da origem, da compra, da venda, da mercantilização do ouro”, explicou.
Ataque aos problemas sanitários
Guerreiro também elogiou o trabalho da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que, sob a direção de Weibe Tapeba, um indígena, ampliou a presença de profissionais de saúde na Terra Indígena Yanomami, revelando dados alarmantes sobre insegurança alimentar e desnutrição que haviam sido subnotificados durante o Governo Bolsonaro. “Embora a força-tarefa na região tenha obtido resultados importantes, o desafio continua sendo enorme, especialmente para garantir uma presença estatal permanente, e não apenas ocasional”, alertou.
Durante a audiência, o próprio Weibe Tapeba afirmou que, no início do governo Lula, havia sete estabelecimentos de saúde indígena fechados nas terras Yanomami. Isso deixava mais de 5.200 indígenas sem acesso a serviços de saúde, e causava um desabastecimento generalizado de medicamentos e déficit de profissionais. Entre as iniciativas tomadas pelo governo, ele citou a reabertura desses estabelecimentos e o aumento da força de trabalho nos territórios.
No início de 2023, havia, segundo Tapeba, apenas 690 profissionais de saúde trabalhando na região, sendo apenas quatro médicos. Hoje há 1.497 funcionários – um aumento de 116,9% no número de profissionais –, sendo 44 médicos. E a intenção do Ministério da Saúde é, até o fim do ano, chegar a 80 médicos contratados.
Weibe Tapeba disse que a Sesai tem hoje o maior orçamento da sua história – mais de R$ 2,7 bilhões – e comemorou a redução de 33% no número de óbitos no território Yanomami de janeiro a março de 2024, em relação ao mesmo período em 2023.
Repressão ao lucro ilícito
O cenário em Roraima, segundo Guerreiro, é complexo, dominado por interesses ruralistas, muitos dos quais lucram com o garimpo ilegal. A intensificação da repressão a essa atividade impacta diretamente essas fontes de lucro ilícito, mas, por outro lado, alivia a pressão sobre o meio ambiente, já que o garimpo é responsável pela devastação de rios, florestas e pela contaminação com metais pesados, afetando a fauna e as populações locais. “Esses impactos ambientais são incalculáveis do ponto de vista financeiro”, concluiu Guerreiro.
Secretário Nacional de Direitos Territoriais Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, Marcos Kaingan informou que mais de 49 mil cestas de alimentos foram entregues no território em 2024, por avião ou helicóptero, de forma a garantir a segurança alimentar e nutricional da população.
A composição das cestas foi pensada em diálogo com os indígenas para a inserção de alimentos mais adequados. Além disso, foi articulada a abertura de roças para garantir a produção de alimentos pelos indígenas.
Já a secretária-executiva do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Rita Cristina de Oliveira, citou, entre as ações da Pasta no território, o mapeamento de lideranças indígenas em ameaça e inclusão delas no programa de proteção a defensores dos direitos humanos, além da implantação do centro de defesa dos direitos dos Yanomami.
A audiência na Câmara evidenciou os avanços e os desafios persistentes na luta contra o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, destacando a importância de políticas públicas contínuas e integradas para garantir a proteção dos povos indígenas e do meio ambiente.
Com informações da Agência Câmara de Notícias