Justiça vê dificuldades na reparação de mulheres no desastre da Samarco
Fundação Renova deverá rever processos para impedir a discriminação de gênero, que tem dificultado acesso a indenizações pelas vítimas impactadas com a tragédia de Mariana
Publicado 19/08/2024 18:26 | Editado 19/08/2024 18:57
No início do mês a Fundação Renova, responsável pela reparação dos danos causados pela Samarco com o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), foi condenada a pagar indenização por divulgar uma narrativa fantasiosa sobre sua atuação. Nesta última semana, outra sentença sobre o caso contra a Fundação mantida pela Vale, BHP Billiton e Samarco – todas envolvidas em desastres – foi proferida: agora para reparar violações contra as mulheres.
A Justiça Federal determinou que a mineradora Samarco, responsável pelo desastre ambiental e social, em 2015, com o rompimento da barragem em Mariana deverá refazer os seus cadastros para reparar violações sofridas por mulheres, apartadas de benefícios indenizatórios.
Ao Vermelho, a presidenta da UBM (União Brasileira de Mulheres), Vanja Andréa Santos, observa que a decisão reparadora é importante e necessária. Ela espera que as medidas sejam imediatas para que as mulheres possam receber a reparação o mais rápido possível.
“Falamos em um momento em que 9 anos se passaram e somente agora vemos a questão sendo tratada no formato correto, sob a perspectiva de gênero. Esse não é um simples equívoco, é o resultado de uma sociedade capitalista e patriarcal que invisibiliza as mulheres e as deixa dependente não apenas em relação ao papel fundamental que ocupam em família, mas também na comunidade, na sociedade. O machismo e o racismo servem ao capital, o alimentam, garantindo a opressão, a falta de instrumentos sociais proporcionando a vulnerabilidade das mulheres e um ciclo de dependências e a mínima perda, no caso à Samarco”, afirma.
A conselheira do CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) representando a UBM, Maria das Neves, coloca que esta é uma vitória judicial e cultural importante.
“Estudos recentes realizados por instituições como o Grupo Globo e o IBGE, revelam que, atualmente, mais de 48% dos lares brasileiros têm mulheres como chefes de família. Ou seja, como as principais responsáveis pelo sustento da casa e dos filhos. Quando a justiça aceita essa ação passa a reconhecer o que na prática já sabemos: as mulheres chefiam boa parte dos lares brasileiros hoje, e portanto devem ter seus direitos assegurados no processo”, diz.
Entenda o caso
Além das mortes causadas, os rejeitos impactaram na vida das pessoas ao longo da bacia do Rio Doce, envolvendo cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo. Com isso, a Renova foi criada para gerir as dezenas de programas de reparação. No entanto, depois de quase dez anos as negociações de acordo estão emperradas e mais de 85 mil processos continuam na justiça.
No caso das mulheres, os problemas foram agravados uma vez que o cadastro de atingidos feito pela Renova estabeleceu um sentido patriarcal que impediu o reconhecimento delas como responsáveis economicamente pela casa, além prever uma baixa representação entre os afetados.
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Existe uma importância fundamental neste cadastro, pois ele é o primeiro passo para requerer o programa de reparação. Outra acusação colocada na ação civil pública é que a Renova, além de priorizar homens no processo de escuta, estabeleceu que mulheres deveriam ser autorizadas pelos maridos para acessar e ajustar dados, sem contar a falta de ações afirmativas.
O juiz Vinicius Cobucci, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), reconheceu o pedido e estabeleceu que a Fundação deverá revisar e corrigir os processos para que as mulheres possar acessar os programas de indenização. O magistrado observou que a burocracia empregada foi tendenciosa ao colocá-las de forma subordinada aos homens.