Morre Silvio Santos, o camelô que forjou a indústria cultural no Brasil

Se os barões da mídia, como Roberto Marinho, preferiam a discrição – visando nos bastidores expandir seus impérios e, ao mesmo tempo, influir na política nacional –, o dono do SBT tinha outros planos: render-se aberta e despudoradamente à indústria cultural.

Foto: Alan Santos/PR

Silvio Santos, o mais longevo e conhecido apresentador da TV do País, morreu neste sábado (17), aos 93 anos, em São Paulo. Devido a uma infecção por H1N1, ele estava internado desde o início de agosto no hospital Albert Einstein. Segundo o hospital, Silvio faleceu em decorrência de uma broncopneumonia.

É o fim da mais bem-sucedida carreira de um ícone na televisão brasileira. Em Silvio Santos se amalgamavam várias figuras, especialmente o empresário e o entertainer. Por sua morte, o presidente Lula decretou luto oficial de três dias.

“Silvio Santos foi a maior personalidade da história da televisão brasileira, e um dos grandes comunicadores do país. Carioca, filho de imigrantes, Senor Abravanel, seu nome de batismo, foi um empreendedor que iniciou sua vida como vendedor ambulante e construiu uma grande rede de TV e empresas dos mais diversos setores: financeiro, industrial e de comércio”, disse Lula.

Se os barões da mídia, como Roberto Marinho, preferiam a discrição – visando nos bastidores expandir seus impérios e, ao mesmo tempo, influir na política nacional –, o dono do SBT tinha outros planos: render-se aberta e despudoradamente à indústria cultural. A grade de transformação oferecida pelo “Homem do Baú” aos domingos era a maior prova disso.

Comunicador nato, com um carisma fora de série, o “patrão” criou dezenas de programas que davam destaque ao que ele chamava de “auditório”. A função de seu público era contribuir para um espetáculo não necessariamente inteligente. Daí vieram as atrações do Programa Silvio Santos, como Qual É a Música?, Porta da Esperança e Topa Tudo por Dinheiro. Vieram também tradições como a de jogar aviões de dinheiro para a plateia.

Com Silvio, os domingos na TV se tornaram um palco para atrações medíocres. Deve-se a ele, em boa medida, a tese de que a mídia serve, basicamente, à imbecilização. O ex-camelô emplacou tantos programas populares do gênero que forjou a própria indústria cultural no Brasil. É impossível contar a história da TV brasileira sem passar por Silvio Santos.

Neste século, Silvio entrou na onda dos reality shows, dando espaços na programação a futilidades como a Casa dos Artistas. Numa entrevista de 2004, quando questionado sobre os limites da baixaria na grande mídia, o empresário relativizou sem pestanejar: “Não podemos ter preconceito”.

Se até o jornalismo do SBT é reconhecido pela assepsia, a ponto de ninguém se recordar de uma notícia relevante ou impactante que saiu de lá, o mérito (ou demérito) é dele, Silvio Santos. Sob a ditadura, para bajular os presidentes, o SBT criou, nos anos finais da ditadura militar, a laudatória Semana do Presidente. Ele próprio se definiu, vergonhosamente, como um “office boy de luxo do governo”.

Sua emissora, a TVS (depois SBT), não incomodava os poderosos, mas tinha audiência. Por mais de 40 anos, foi a segunda mais vista no Brasil, só atrás da TV Globo, embora disputasse a condição neste século com a Record. O slogan “À nossa frente, só você” foi uma sacada para minimizar preocupação com a concorrência.

Sua tentativa de concorrer à Presidência da República, em 1989, é um ponto fora da curva. A eleição ocorreria em 15 de novembro. Silvio se lançou candidato, improvisadamente, em 31 de outubro, substituindo o pastor Armando Corrêa, do Partido da Mobilização Nacional (PMB). Nas primeiras pesquisas, despontava na liderança, com chances reais de se tornar o primeiro presidente brasileiro eleito pelo voto popular em quase três décadas. A menos de uma semana do primeiro turno, porém, sua candidatura foi barrada por irregularidades.

Silvio Santos moldou o padrão – rebaixado – da televisão brasileira. Desde que se tornou locutor da Rádio Nacional de São Paulo, em 1954, não parou mais. É fato que, nos últimos anos, desacelerou, entregando a apresentação de programas para as filhas ou para pretensos sucessores, como Celso Portiolli.

O SBT, para todos os efeitos, continuou bestial, e o Programa Silvio Santos – que já foi da Record e até da Globo, antes de simbolizar o SBT – deve ser adaptado, revisto e talvez encerrado. Mas o padrão de atrações televisivas com auditório permanece.

Com Silvio, a TV virou cada vez mais um “show do milhão”, com direito a expedientes caça-níqueis explícitos, tais quais o Baú da Felicidade e o Roda a Roda Jequiti. As filhas Cíntia, Silvia, Daniela, Patrícia, Rebeca e Renata, assim como a viúva, Íris Abravanel, têm o desafio de levar a marca adiante. A música-símbolo do grupo dizia que “do mundo não se leva nada”. Poderá o SBT sobreviver sem o ícone que, por vias não necessariamente louváveis, o alçou às alturas?

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