Lula expande acordos com Chile em “nova era” de relações bilaterais
No Palácio de La Moneda, presidente defendeu aprofundamento da integração com duas dezenas de acordos: “Nós não podemos continuar de costas uns para os outros”.
Publicado 06/08/2024 07:40 | Editado 06/08/2024 19:34
Em um pronunciamento feito na capital chilena, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, incentivou a integração entre os países da América do Sul, um processo que ele defende desde o seu primeiro mandato presidencial. A declaração foi feita após uma reunião privada com o presidente chileno, Gabriel Boric, que optou por não comentar a eleição presidencial venezuelana.
Lula levou 14 ministros de Estado à capital do Chile para, nas palavras do presidente, “inaugurar uma nova era” nas relações com o país vizinho. “O que nós queremos é construir uma relação plena, onde não haja dúvida, onde qualquer divergência menor não possa machucar os acordos importantes e as coisas maiores que nós temos que fazer”, definiu, durante fala à imprensa.
Em seu discurso, Lula reforçou a importância da união latino-americana: “Brasil e Chile estão comprometidos em agir juntos para construir um mundo mais justo e solidário. Como disse o grande Pablo Neruda em seu romance, nossas estrelas principais são a luta e a esperança. Mas não há lutas nem esperanças solitárias.”
Lula incentivou a integração entre os países da América do Sul, um processo que ele defende desde o seu primeiro mandato presidencial. “Quando me tornei presidente, voltei com muita vontade buscando recriar junto com nosso povo essa consciência política sobre a necessidade da formação de uma estrutura organizada para a integração da América do Sul. Não podemos continuar virando as costas. Devemos proteger, pesquisar, investigar tudo o que pudermos fazer juntos. Devemos buscar fórmulas, estudar nossas semelhanças, fazer acontecer esse sonho que temos de uma América Latina unida. Não podemos virar as costas uns aos outros”, concluiu o presidente brasileiro.
Acordos bilaterais
Lula e Boric discutiram a necessidade de cooperação para enfrentar desastres climáticos, a exemplo das recentes cheias no Rio Grande do Sul. O ministro de Minas e Energia do Brasil, Alexandre Silveira, que faz parte da comitiva de Lula, assinou uma carta de intenções com o governo chileno para cooperação no setor de mineração e uma declaração conjunta que cria um grupo de trabalho sobre combustíveis sustentáveis de aviação.
Durante seu discurso, Lula também abordou o aumento do crime organizado e os desafios climáticos na região: “Os desafios representados pelos desastres naturais e pelo crime organizado atravessam os nossos países. O incêndio de 2023 no Chile e as enchentes no sul do Brasil colocaram em cheque o negacionismo climático e reforçaram a necessidade de cooperação entre nós. A proposta chilena de estabelecer um mecanismo regional de resposta a desastres tem o nosso apoio e respaldo. Sem colaboração não é possível derrotar o crime. Hoje assinamos um tratado de extradição e orientamos nossas equipes para ampliar as ações”.
A visita oficial do presidente a Santiago serviu à diversificação do comércio com o Chile. O Brasil é hoje o terceiro maior fornecedor aos chilenos, com movimentação acima de US$ 12 bilhões, o que representa 11% do mercado do país vizinho. Lula e Boric assinaram 19 acordos bilaterais e formalizaram programas de cooperação.
“Assinamos hoje um tratado de extradição e instruímos nossas equipes a ampliarem ações de inteligência e operações conjuntas. Integração significa conexão. Foi o aumento do número de voos que permitiu que o fluxo de turistas entre nossos países quase dobrasse no ano passado. Com o plano de trabalho em turismo que firmamos hoje, o Chile tem tudo para se consolidar como um dos destinos mais importantes procurados pelos brasileiros”, discorreu Lula.
Nos assuntos consulares, os países concluíram o reconhecimento recíproco de carteiras de habilitação. Já no comércio, os presidentes do Brasil e do Chile assinaram termo aditivo ao Memorando de Entendimento (ME) sobre certificação de produtos orgânicos.
“A integração sul-americana é uma realidade que faz a diferença na vida das pessoas, como demonstra o acordo de isenção de cobrança de roaming que firmamos no ano passado e o acordo de reconhecimento recíproco de carteiras de habilitação que assinamos hoje”, explicou Lula.
Lula reforçou o desejo de executar obras que cruzem o continente para escoar produtos até portos nos oceanos Atlântico e Pacífico. Boric também se mostrou favorável aos investimentos em infraestrutura. Ambos trataram do Corredor Bioceânico – projeto do qual Brasil, Chile, Argentina e Paraguai são sócios. Ele vai integrar a infraestrutura do continente sul-americano, ligando o Centro Oeste do Brasil aos portos do norte do Chile. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), estará concluído em pouco tempo.
Diálogo político para pacificação na Venezuela
A controvérsia na eleição venezuelana, alimentada por entidades internacionais, representa um novo desafio para o processo de integração regional. Lula defendeu a necessidade de diálogo entre governo e oposição em busca de um entendimento no processo eleitoral da Venezuela. O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, no poder desde 2013, foi considerado reeleito pelos organismos oficiais – com quase 52% dos votos. No entanto, a oposição e organismos estrangeiros alegam que houve fraude no pleito. Existe uma expectativa em torno da divulgação das atas eleitorais.
Em seus comentários, Lula ressaltou a importância de um processo transparente: “Expus [em conversa com Boric] as iniciativas que tenho empreendido com os presidentes Gustavo Petro (Colômbia) e Lopez Obrador (México) em relação ao processo político na Venezuela. O respeito pela tolerância, o respeito pela soberania popular é o que nos move a defender a transparência dos resultados. O compromisso com a paz é que nos leva a conclamar as partes aos diálogos e promover o entendimento entre governo e oposição”, afirmou Lula no pronunciamento à imprensa após a conversa privada com Boric.
Gabriel Boric, por sua vez, já havia manifestado nos últimos dias sua posição contra o resultado, mas preferiu não discutir o assunto publicamente durante o encontro com Lula. Boric não reconheceu a vitória de Maduro, resultando na expulsão do corpo diplomático chileno pelo regime chavista. Lula, entretanto, pediu paciência, exigindo a apresentação das atas eleitorais antes de declarar se a eleição foi fraudada ou legítima.
Lula também destacou a importância da relação do Brasil com o Chile e lamentou o apoio da ditadura militar brasileira ao golpe militar que encerrou o governo de Salvador Allende em 1973, chamando isso de uma “triste mácula” na história brasileira.