Reitor da UFPA alerta para risco de não retorno do tecido social da Amazônia

“Ninguém pode dizer que a floresta permanecerá de pé com a desorganização das comunidades tradicionais”, disse Emmanuel Tourinho na 5ª Conferência Nacional de Ciência

Foto: Luís Nova (Ascom/MCTI)

O reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Emmanuel Tourinho, disse nesta quarta-feira (31), durante debate na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5CNCTI), realizada no Espaço Brasil 21, em Brasília, que há uma preocupação global sobre o ponto de não retorno da floresta amazônica sem que se perceba outro risco iminente: um ponto de não retorno dos tecidos sociais das populações da região.

No debate sob o tema “Oportunidades e desafios para o desenvolvimento nacional sustentável e inclusivo”, coordenado pela presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader, o professor Tourinho arrancou alguns aplausos da plateia durante sua intervenção.

De acordo com ele, a lógica das transformações em curso, sobretudo pela insegurança fundiária, tende a romper as conexões das populações da região com os seus territórios, afastá-las das terras que ocupam ou força-las “a uso muito diverso do que tem sido a regra e do que garante a integridade do bioma”.

“Ninguém pode dizer que a floresta permanecerá de pé com a desorganização das comunidades tradicionais com os seus deslocamentos forçados, seus assassinatos deliberados, seus adoecimentos em massa ou a sua submissão a outros sistemas de organização social e econômica”, disse.

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“Proteger esses sistemas sociais é tão urgente quanto proteger as árvores. Como a atenção do mundo não se volta com a mesma intensidade para essa dimensão do risco amazônico, está muito mais sob a nossa responsabilidade, dos cientistas brasileiros e das populações amazônicas, garantir que isso seja adequadamente considerado”, adverte.

Sendo assim, o reitor propôs um modo diferente de fazer pesquisa na região, que seja mais provável de dar sustentação a projetos que promovam a conservação do bioma e a sobrevivência e qualidade de vida das populações locais.

Ele fez algumas provocações a partir das experiências locais. “Eu diria que burocratas que não convivem com uma realidade social e ambiental particular, não estão aptos a conceber projetos de desenvolvimento que garantam sustentabilidade e inclusão”, afirma.

Acrescentou que é “quase impossível” esses agentes resistirem ao impulso de conceber projetos que permitam produzir riquezas aos grupos econômicos ou a organizações vinculadas a eles, a despeito das consequências sociais e ambientais.

“As comunidades locais precisam ter poder decisório, não apenas serem ouvidas, precisam ter poder em projetos que as afetam diretamente, precisam também ser as beneficiárias econômicas diretas dos projetos e não apenas receber supostas compensações”, defende.

Também ressaltou que não há condições de garantir desenvolvimento sustentável e inclusivo sem levar em conta as múltiplas dimensões das potenciais intervenções sobre qualquer parcela do ambiente da realidade social. “E isso não pode ser feito sem o uso intensivo e isento interdisciplinar das ciências”, lembra.

Para ele, as pesquisas também necessitam estar referenciada pela realidade social das populações alcançadas, por seus saberes tradicionais, pelos potenciais impactos para essas populações.

O reitor da UFPA afirma que, de algum modo, as pesquisas devem resolver os problemas das comunidades com projetos de desenvolvimento que afetam suas vidas.

“É também uma pesquisa que parte dos saberes tradicionais, do conhecimento acumulado por décadas ou séculos por populações. E que trazem uma experiência que garantiu a floresta em pé e os rios limpos até bem recentemente, quando seus territórios começaram a ser invadidos por criminosos ou não”, considera.

Realidade local

O professor diz que, como regra, os projetos são pensados de fora para dentro. “Trata-se de uma raridade pensar na conservação da integridade dos biomas junto com o desenvolvimento social, garantia de direitos e seguranças das populações locais”.

Ao contrário disso, diz o reitor, na Amazônia concentram-se projetos de desenvolvimento que na prática geram lucros gigantescos para grupos econômicos poderosos ao custo da degradação do ambiente e da condição de vida das comunidades locais.

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