Brasil reage a uso indevido de dados pelo X de Elon Musk
Após o procedimento aberto contra a Meta, a ANPD fica alerta com abusos do X, que sequer pede autorização aos usuários para usar seus dados
Publicado 29/07/2024 15:20 | Editado 30/07/2024 19:32
Nesta segunda-feira (29), a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) informou que instaurou um procedimento de fiscalização para apurar a conduta da rede social X (anteriormente conhecida como Twitter). A investigação visa esclarecer o uso de dados dos usuários para treinar seu sistema de inteligência artificial generativa, Grok, que pretende competir com o ChatGPT, conforme os planos do proprietário da rede, Elon Musk.
A ação da ANPD ocorre após um episódio similar envolvendo a Meta, que resultou em uma Medida Preventiva emitida em 2 de julho, determinando a suspensão imediata da nova política de privacidade da empresa no Brasil. O sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), em entrevista ao Portal Vermelho, já havia destacado a importância de limitar essas práticas, elogiando a decisão da Agência por trazer à tona a questão da extração não autorizada de dados para treinamento de modelos de aprendizado de máquina.
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Amadeu alertou sobre os riscos do tratamento e cruzamento de dados sem o conhecimento dos usuários. Utilizando a metáfora da radiação, ele explicou que dados dispersos representam pouco risco, mas, quando concentrados em grande volume, podem ser extremamente perigosos. As grandes empresas de tecnologia acumulam dados massivamente, conferindo-lhes um poder significativo sobre o comportamento dos usuários.
A prática aplicada pelo X foi implementada discretamente, apenas com uma atualização na página de configurações, onde os usuários podem permitir ou não o uso de suas postagens e interações para treinar a IA. Entretanto, a opção vem ativada por padrão.
Precedente Zuckerberg
A Meta, que é proprietária do WhatsApp, Facebook e Instagram, foi impedida pela ANPD de usar dados públicos para treinar sua IA no início de julho, uma medida também adotada pela União Europeia. A empresa, liderada por Mark Zuckerberg, adiou o lançamento de sua IA tanto na Europa quanto no Brasil devido a essas restrições.
Em resposta à medida da ANPD, a Meta expressou decepção, argumentando que “o treinamento de IA não é exclusivo de nossos serviços” e que a abordagem da empresa estava em conformidade com as leis de privacidade e regulamentos brasileiros. Especialistas no cenário de privacidade no Brasil, como Amadeu, discutem que a ANPD deveria adotar uma postura similar em relação a outras grandes empresas de tecnologia, como o Google, que mudou sua política de privacidade no ano passado para práticas semelhantes.
Na sexta-feira (26), a ANPD foi questionada por jornalistas sobre possíveis ações contra o X e como responder às críticas. A autoridade informou nesta segunda-feira (29) que enviou um ofício na própria sexta-feira solicitando esclarecimentos à empresa.
A medida contra a Meta foi tomada após o Instituto de Defesa dos Consumidores (Idec) acionar uma autarquia ligada ao Ministério da Justiça. A ANPD concluiu que não havia base legal para o tratamento de dados pessoais para treinamento de IA, faltou divulgação suficiente sobre a mudança nas regras da Meta, e que os usuários enfrentaram dificuldades para se opor ao uso de seus dados pessoais. Além disso, dados de crianças e adolescentes foram tratados para essa finalidade, em desacordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Em nota, o Idec expressou indignação com mais uma grande empresa de tecnologia explorando consumidores para fins econômicos. Eles criticaram a prática de pré-seleção da opção de uso de dados para IA, defendendo que o consentimento deveria ser explícito, livre e informado, o que não ocorre no caso concreto.
A falta de transparência no tratamento de dados é um problema global, segundo Amadeu. Ele compara as multas no Brasil, de R$ 50 mil, com as penalidades milionárias na Europa por violações semelhantes, onde a transferência de dados sensíveis para fora das fronteiras é restrita. Para resolver esses problemas, Amadeu sugere a aprovação de uma lei específica de regulação das plataformas que defina claramente quais dados podem ser usados para treinar modelos de IA.
O sociólogo também critica a postura da Meta, e de outras bigtechs, ao afirmar que a suspensão prejudicaria a inovação no Brasil, chamando-a de “falaciosa”. Ele destaca a necessidade de controlar o uso de dados, especialmente os sensíveis e de crianças, e menciona o conceito de “capitalismo de vigilância” de Shoshana Zuboff, alertando sobre os perigos da transformação de cliques e comportamentos dos usuários em dados valiosos para as corporações.
O controle massivo de dados pelas grandes empresas de tecnologia também levanta questões de segurança nacional, segundo Amadeu. Ele alerta que essas empresas têm uma compreensão profunda dos humores e comportamentos da população brasileira, conferindo-lhes um poder de influência potencialmente perigoso. O sociólogo conclui enfatizando a necessidade de controlar os dados pessoais, criticando o argumento das empresas de que a coleta de dados é benéfica para os usuários.
Para impedir a coleta de dados pelo X para IA, os usuários devem acessar sua conta pelo computador, ir até “Configurações”, clicar em “Privacidade e Segurança”, selecionar “Grok” e desabilitar o “Compartilhamento de dados”.