Fatah e Hamas assinam acordo de unidade nacional mediado pela China

Com acordo histórico, Israel perde a possibilidade de explorar as divisões internas e encerra debates sobre futura governança palestina

Mahmoud al-Aloul, vice-presidente do Comitê Central do Fatah (E), o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi (C), e Mousa Abu Marzouk, membro sênior do Hamas, participam de um evento no Diaoyutai State Guesthouse em Pequim, em 23 de julho

Grupos palestinos assinaram um acordo de “unidade nacional” visando manter o controle palestino sobre Gaza após o término da guerra de Israel contra o enclave. O acordo, finalizado na terça-feira, na China, após três dias de conversas intensivas, estabelece as bases para um “governo interino de reconciliação nacional” para governar Gaza pós-guerra, conforme anunciou o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi. O acordo foi assinado pelos rivais de longo prazo Hamas e Fatah, além de outros 12 grupos palestinos.

“Hoje assinamos um acordo para a unidade nacional e dizemos que o caminho para completar esta jornada é a unidade nacional”, disse o alto funcionário do Hamas, Mousa Abu Marzouk, em uma coletiva de imprensa em Pequim.

O texto afirma que as organizações palestinas defendem o “estabelecimento de um Estado palestino independente com Jerusalém como sua capital, de acordo com as resoluções da ONU, e garantir o direito de retorno de acordo com a Resolução 194″, que prevê o retorno dos refugiados a suas casas.

Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina, um dos 14 grupos políticos a assinar o acordo, afirmou à Aljazira que o acordo vai “muito mais longe” do que qualquer outro alcançado nos últimos anos. Ele destacou quatro elementos principais: o estabelecimento de um governo de unidade nacional interino, a formação de uma liderança palestina unificada antes de futuras eleições, a eleição livre de um novo Conselho Nacional Palestino e uma declaração geral de unidade diante dos ataques israelenses em curso.

O movimento em direção a um governo de unidade é especialmente importante, segundo Barghouti, porque “bloqueia os esforços israelenses para criar algum tipo de estrutura colaborativa contra os interesses palestinos”. A reconciliação entre o Hamas e o Fatah seria um ponto de virada fundamental nas relações internas palestinas. Os dois principais partidos políticos palestinos têm sido rivais desde 2006, quando o Hamas assumiu o controle de Gaza.

“Estamos em uma junção histórica”, disse Abu Marzouk, segundo a CNN. “Nosso povo está se levantando em seus esforços para lutar.” O Hamas, que liderou o ataque de 7 de outubro contra Israel, defende a resistência armada contra a ocupação israelense. O Fatah, que controla a Autoridade Palestina com domínio administrativo parcial da Cisjordânia ocupada, favorece negociações pacíficas em busca de um Estado palestino. Diferentemente do Hamas, o Fatah reconhece a existência de Israel e acredita numa solução de dois Estados para convivência pacífica.

Reações ao acordo

Barghouti ressaltou que a guerra em Gaza foi o “principal fator” motivando os lados palestinos a deixarem suas diferenças de lado. “Não há outra maneira agora, a não ser que os palestinos sejam unificados e lutem juntos contra essa terrível injustiça”, disse ele. “O mais importante agora é não apenas assinar o acordo, mas implementá-lo.”

Israel se opõe veementemente a qualquer papel do Hamas no governo de Gaza e, mesmo enfrentando oposição de Washington, sugeriu que pretende manter o controle do enclave. Israel foi rápido em criticar o acordo anunciado. O ministro das Relações Exteriores, Israel Katz, criticou Mahmoud Abbas, chefe do Fatah e presidente da Autoridade Palestina, por cooperar com o Hamas, reafirmando que ninguém além de Israel controlará Gaza após o fim das hostilidades. “Na realidade, isso não acontecerá porque o governo do Hamas será esmagado e Abbas estará observando Gaza de longe. A segurança de Israel permanecerá apenas nas mãos de Israel”, afirmou Katz.

Mediação chinesa

Tanto Europa, quanto EUA estão com Israel na operação de estratégias para manter os partidos palestinos em permanente hostilidade entre si, portanto jamais estimulariam esse tipo de acordo. Para eles é fundamental alimentar a narrativa de que o Hamas é um grupo terrorista e precisa ser exterminado, mantendo outros grupos submissos ao colonialismo israelense.

A China, buscando desempenhar um papel mediador no conflito, já havia recebido o Fatah e o Hamas em abril. Durante essas conversas, os grupos políticos expressaram sua vontade de alcançar a reconciliação através do diálogo e fizeram progressos em muitas questões específicas. A última rodada de negociações contou com a participação do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, e o vice-chefe do Fatah, Mahmoud al-Aloul.

Após a assinatura do que foi chamado de “Declaração de Pequim”, Wang Yi declarou: “A reconciliação é uma questão interna para as partes palestinas, mas, ao mesmo tempo, não pode ser alcançada sem o apoio da comunidade internacional”. Historicamente simpática à causa palestina, a China apoia uma solução de dois Estados para o conflito Israel-Palestina. O presidente chinês, Xi Jinping, pediu uma “conferência internacional de paz” para acabar com a guerra.

Período conflituoso

O Hamas é considerado um grupo terrorista pelos Estados Unidos, União Europeia e Israel. Foi criado em 1987 durante a primeira intifada, que foi um levante palestino contra a ocupação israelense. É um grupo fundamentalista islâmico e nacionalista, que atua em Gaza.

Já o Fatah foi fundado no Kwait em 1959 por integrantes da diáspora palestina, e é considerado o maior partido político palestino, além de ter um braço militar. O Fatah é nacionalista, laico e atua na Cisjordânia. É o maior grupo da Organização para a Libertação Palestina (OLP), entre os principais nomes que passaram pelo grupo estão Yasser Arafat e Mahmoud Abbas.

Nas eleições de 2006, o Hamas conquistou a maioria das cadeiras para o Conselho Nacional Palestino. Isso possibilitaria ao grupo a formação de um governo dos territórios palestinos. Porém, a vitória não foi aceita por Israel e pela União Europeia, que financiavam em parte a Autoridade Palestina.

Os países impuseram sanções, o que acirrou a rivalidade entre os partidos locais. Tanto que o Fatah dissolveu o conselho, ficando com o controle da Autoridade Palestina na Cisjordânia, enquanto o Hamas formou um governo próprio e tomou controle da Faixa de Gaza.

Além disso, a crise resultou em uma guerra em 2007. Centenas de pessoas morreram ou ficaram feridas. O conflito terminou com a expulsão do Fatah da Faixa de Gaza.

Várias propostas de reconciliação passadas entre as duas vertentes falharam. No entanto, a crescente guerra intensificou os pedidos por unidade. Israel e seus aliados, incluindo os Estados Unidos, discutem quem poderia governar Gaza após o fim dos combates.

Este acordo de unidade nacional representa um passo significativo para a reconciliação palestina e a estabilidade na região, apesar dos desafios e críticas enfrentadas.

Autor