Embaixador da Palestina diz que solução não é militar, mas dois Estados para dois povos
Ibrahim Alzeben denuncia que o assassinato de mulheres, crianças e, agora, refugiados, pelos israelenses, visa a destruir as perspectivas de futuro da Palestina
Publicado 19/07/2024 16:41 | Editado 23/07/2024 13:15
O Entrelinhas Vermelhas recebeu, nesta quinta-feira (18), o embaixador da Palestina no Brasil desde 2008, Ibrahim Alzeben, e decano do Conselho dos Embaixadores Árabes no Brasil. Além de seu cargo diplomático, Alzeben também atua como decano do Conselho dos Embaixadores Árabes no Brasil. Nascido na Jordânia e ex-jornalista, ele discutiu a crise palestina em uma entrevista abrangente e emocional.
A entrevista com Ibrahim Alzeben trouxe à tona a dura realidade enfrentada pelo povo palestino e destacou a necessidade urgente de intervenção internacional para alcançar uma paz justa e duradoura. A luta pela justiça, conforme o diplomata, continua sendo um esforço coletivo que exige comprometimento global.
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Assista a íntegra da entrevista, precedida pela conversa com Vinícius Soares, recém-reeleito presidente da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos):
Continuidade de um processo de ocupação
Alzeben descreveu os eventos recentes como uma continuidade de um processo de ocupação e colonização que remonta a décadas. Segundo ele, os sionistas têm implementado um plano meticuloso para ocupar e colonizar a Palestina, criando um corpo estranho dentro do mundo árabe que separa a África Árabe da Ásia Árabe. “Agora, o genocídio está sendo documentado e televisionado em tempo real, algo inédito”, afirmou. Desde o início da agressão, quase 39 mil palestinos foram mortos e 90 mil ficaram feridos.
Impacto devastador em mulheres e crianças
O embaixador destacou o impacto devastador da violência sobre mulheres e crianças, que representam 75% das vítimas. “Quando matam crianças, estão matando nosso futuro. Quando acabam com as mulheres, estão acabando também com nosso presente”, disse Alzeben. Ele enfatizou que as mulheres são a continuidade da civilização palestina, ecoando o sentimento do poesia nacional palestina sobre a importância da mulher na resistência e na preservação da cultura palestina.
Resistência e comunidade internacional
Alzeben expressou plena confiança de que a resistência palestina não cessará. “Nosso povo não vai levantar bandeira branca. A resistência vai seguir em todos os campos”, declarou. Ele também reconheceu o crescente apoio da comunidade internacional, agradecendo especificamente ao Brasil e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Quero agradecer aos comunistas e brasileiros, e de maneira muito especial, ao Sr. Presidente Lula, que defende a justiça, os oprimidos, o meio ambiente e a causa palestina como uma causa humanitária”, afirmou.
US$ 500 milhões para recuperação de Gaza
Esta semana, a Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou que seriam necessários cerca de 500 milhões de dólares para iniciar a recuperação de Gaza, após nove meses de uma ofensiva que devastou a região. A previsão é que serão necessários 15 anos para reconstruir Gaza. O embaixador Alzeben fez declarações incisivas sobre a situação e as principais preocupações da Autoridade Palestina.
Impacto Devastador e Desafios de Recuperação
Alzeben destacou que a quantia anunciada pela ONU é insuficiente para lidar com a magnitude da destruição. “Nem 500 milhões, nem 500 bilhões vão recuperar os 90 mil feridos ou os quase 40 mil mortos”, afirmou. Estima-se que 40 milhões de toneladas de detritos foram geradas pela destruição, resultando em mais de 107 quilogramas de escombros por metro quadrado na Faixa de Gaza. Segundo o embaixador, a reconstrução exigiria pelo menos 40 bilhões de dólares e poderia levar mais de 20 anos, mesmo se o financiamento estivesse disponível e se Israel cessasse suas invasões.
Questão de justiça e vontade política
Para Alzeben, a recuperação não é apenas uma questão financeira, mas de justiça e vontade política. “Desde 1947, estamos aguardando justiça. Recentemente, o parlamento israelense aprovou uma resolução unânime rejeitando a criação de um Estado palestino”, destacou. Ele criticou a abordagem de Israel, que busca uma Palestina sem palestinos, negando a existência do povo palestino como nação e seres humanos.
Economia palestina profundamente afetada
A economia palestina foi profundamente prejudicada pelo conflito. “A base econômica de qualquer nação é a terra e a população. Nossa terra está ocupada e nossa população está sendo massacrada”, explicou o embaixador. Ele ressaltou que 39% da mão de obra palestina está desempregada, e mais de 30 mil pessoas perderam totalmente suas fontes de renda. A situação em Gaza é crítica, sem água, alimento e com a fome sendo usada como arma de guerra.
Apoio internacional e necessidade de compensação
Alzeben expressou gratidão pelo apoio dos países doadores, que têm mantido a economia palestina funcionando em cerca de 30-35% de sua capacidade. No entanto, ele enfatizou que a sobrevivência econômica da Palestina depende do fim da ocupação e da guerra. “A comunidade internacional deve obrigar Israel a pagar por esta guerra que fez contra o povo palestino”, afirmou. Ele argumentou que Israel deve compensar moral, material, social, política e economicamente os danos causados desde 1948.
Desafios à solução de dois Estados
O embaixador também apontou que a recusa de Israel em reconhecer o Estado palestino desafia a comunidade internacional. “Israel não está desafiando apenas o povo palestino, mas o mundo inteiro e as instituições que advogam por uma solução de dois Estados para dois povos”, afirmou Alzeben.
Seis milhões em busca de retorno
Atualmente, há cerca de seis milhões de palestinos refugiados, exilados de sua terra natal. Esse número supera a população de países como Noruega, Dinamarca e Uruguai. Na verdade, é maior até mesmo que o número de habitantes de Gaza e da Cisjordânia somados. Essa realidade tem um impacto profundo na luta do povo palestino e traz diversas consequências tanto para aqueles que vivem fora do território palestino quanto para os que permanecem sob condições difíceis.
Direito de retorno: um princípio inalienável
Para a Autoridade Palestina, o direito de retorno dos refugiados é um direito legítimo, reconhecido pelo direito internacional. “Não abrimos mão deste direito”, declarou Ibrahim Alzeben. “Eu sou filho de refugiados. Não abro mão do meu direito de retorno. Toda a minha família está dividida, com uma metade vivendo fora da Palestina e a outra metade dentro de Israel.”
Os refugiados são vistos como a essência do conflito palestino. Antes dos ataques a Gaza, as ofensivas começaram nos campos de refugiados no Líbano. Segundo Alzeben, “atacar os refugiados é acabar com a causa palestina”. A solução da questão dos refugiados é considerada mais importante que a própria criação do Estado da Palestina.
A tragédia dos refugiados: uma realidade brutal
A experiência dos refugiados palestinos é descrita de forma pungente pelo embaixador. “Acordar e descobrir que sua casa está ocupada, que você tem que sair sem levar nada e nunca mais voltar. Este é o ser refugiado: ir para outro lugar sem recursos para viver, recebendo ajuda humanitária ou morrendo no caminho”, disse ele.
Quantos palestinos morreram no caminho ao longo dos últimos 76 anos? Quantos ainda aguardam, com a chave de casa na mão, esperando voltar aos seus lares, aos seus bens e aos túmulos de seus antepassados no território palestino? Essa é a dura realidade enfrentada por milhões de palestinos.
Caminho para a paz: reconhecimento e justiça
Para alcançar a paz na região, Alzeben afirma que é crucial a criação do Estado da Palestina. “O mundo tem que assumir suas responsabilidades históricas com o povo palestino e Israel deve pagar por seus genocídios. Não existe solução militar para este conflito. A solução deve ser baseada no direito internacional: dois Estados para dois povos”, disse ele.
Reconhecimento internacional e governança global
O embaixador destacou o crescente reconhecimento internacional do Estado da Palestina, com 149 países já apoiando sua criação. No entanto, ele também criticou a ineficácia do Conselho de Segurança da ONU, que frequentemente é paralisado pelo veto de seus membros permanentes, especialmente os Estados Unidos. “A ONU precisa ser atualizada. O Conselho de Segurança deve incluir mais potências, incluindo o Brasil, para fazer justiça não apenas com os palestinos, mas com toda a humanidade”, argumentou Alzeben.
Esperança e resiliência
Apesar das adversidades, o povo palestino mantém a esperança. “Nós, palestinos, padecemos de uma doença: a esperança. Seguimos resilientes em nossos direitos e confiamos na comunidade internacional, que está cada vez mais consciente de nossa dor e de nossos direitos”, concluiu o embaixador.