Defensoria Pública conclui que racismo reverso não tem validade jurídica

Em nota técnica, a DPU diz que a “potencial adoção da tese” seria a negação das práticas discriminatórias e violentas contra, por exemplo, a população negra e os povos originários

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A Defensoria Pública da União (DPU) diz que o chamado racismo reverso, ideia segundo a qual as pessoas brancas podem sofrer discriminação racial por parte outras raças, não tem validade jurídica.

Em nota técnica, a DPU assegura que a “potencial adoção da tese pelo judiciário seria a negação das práticas discriminatórias, segregacionistas e violentas da sociedade brasileira sempre tiveram como foco grupos étnico-raciais específicos, a exemplo da população negra e dos povos originários”.

O parecer técnico se dá no contexto do julgamento de um habeas corpus pelo Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), no qual é apurada a ocorrência do crime de injúria racial a partir da adoção da tese do racismo reverso.

Pois o processo tem como vítima um cidadão europeu e branco, supostamente injuriado em razão de sua cor e origem étnica.

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Em maio passado, o assunto ganhou repercussão com a mobilização do movimento negro e antirracista que percebeu os riscos de se reconhecer o “racismo reverso” como tese juridicamente válida.

Na avaliação do DPU, foi justamente o que aconteceu. “Na ação, os desembargadores do TJ-AL denegaram o pedido de trancamento de ação penal, sob o argumento de que ‘o crime em questão pode ser cometido contra qualquer pessoa, independentemente da sua cor, raça ou etnia, caracterizando-se por ofender a dignidade de alguém”.

A DPU diz que na prática, com o reconhecimento da possibilidade de que o delito de injúria racial vitime ‘qualquer pessoa’, o que há é o aceite de que o racismo seja algo ‘reversível’.

“Em outras palavras, independentemente do pertencimento ou não a grupos históricos e comprovadamente segregados, invisibilizados, violentados e mesmo exterminados a partir de critérios étnico-raciais, qualquer um poderia ser vítima de racismo nos dias atuais”, diz um trecho da nota.

Para a DPU, a interpretação é afastada de qualquer contextualização histórica e social da legislação em vigor, assim como do propósito da criminalização do racismo no Brasil.

“A identificação de que ‘qualquer pessoa’ pode ser vítima de racismo destoa, inclusive, das mobilizações sociais e políticas que levaram à edição da lei de racismo e dos debates parlamentares que a precederam”, considera.

“Indiscutivelmente, a vontade do legislador que criminalizou o racismo foi a proteção de pessoas e grupos historicamente discriminados na sociedade brasileira. São vítimas do racismo, por exemplo, a população negra, os povos originários, os praticantes de religiões e religiosidades de matriz africana, os imigrantes africanos e latinos, todos eles pertencentes a grupos silenciados, perseguidos e mesmo exterminados por séculos de colonização europeia nas Américas”, observa a nota.

Racismo

A DPU também utilizou dos ensinamentos do atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, para quem o racismo reverso seria uma espécie de ‘racismo ao contrário’, ou seja, um racismo das minorias dirigido às maiorias.

“Há um grande equívoco nessa ideia porque membros de grupos raciais minoritários podem até ser preconceituosos ou praticar discriminação, mas não podem impor desvantagens sociais a membros de outros grupos majoritários, seja direta, seja indiretamente”, explica Almeida.

O ministro, filosofo e jurista destaca ainda que “homens brancos não perdem vagas de emprego pelo fato de serem brancos, pessoas brancas não são ‘suspeitas’ de atos criminosos por sua condição racial, tampouco têm sua inteligência ou sua capacidade profissional questionada devido à cor da pele”.

“O termo ‘reverso’ já indica que há uma inversão, algo fora do lugar, como se houvesse um jeito ‘certo’ ou ‘normal’ de expressão do racismo. Racismo é algo ‘normal’ contra minorias – negros, latinos, judeus, árabes, persas, ciganos etc. – porém, fora destes grupos, é ‘atípico’, ‘reverso’. O que fica evidente é que a ideia de racismo reverso serve tão somente para deslegitimar as demandas por igualdade racial”, justifica o ministro.

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