Cotas na política não garantem paridade de gênero, afirmam parlamentares do G20
A violência política e a falta de autonomia econômica estão entre os motivos que afastam mulheres dos cargos de poder
Publicado 03/07/2024 10:25
No último dia do encontro de mulheres parlamentares do P20, em Maceió (AL), o painel sobre a ampliação da participação feminina nas esferas de decisão trouxe exemplos de sucesso das políticas de cotas para candidatas que, em diferentes modelos, causaram avanços na representatividade política feminina em várias partes do mundo.
O P20 é a instância legislativa do G20, grupo que reúne os países mais desenvolvidos.
Mas apesar dos avanços dos últimos anos, as parlamentares ainda estão sub-representadas em instâncias decisórias e de governança. Apenas 26% de integrantes de instâncias internacionais, desde 1965, são mulheres.
Coordenadora da ONU no Brasil, Silvia Rucks afirmou que a participação das mulheres na política é um direito humano e que não é possível ignorar a violência política como um fator decisivo para a sub-representação feminina nesses espaços. “Especialmente quando sabemos que mais de 80% das mulheres no parlamento já sofreram violência relacionada a sua atuação política.”
Ela destacou o caso brasileiro e disse que no Brasil o desafio de ampliar a participação na política ainda é grande, apesar do avanço na diversidade de mulheres eleitas, com o aumento da representação de mulheres indígenas, negras e transgênero.
Segundo ela, não faltam instrumentos para diminuir as disparidades de gênero. “O que falta é transformar efetivamente os sistemas estabelecidos, as políticas públicas e as nossas instituições. E para isso, necessitamos de vontade política”.
Segundo a representante da ONU Mulheres, Cecília Alemany, 30% das mulheres na América Latina reduziram sua presença política nas mídias sociais por causa da violência digital.
Cotas
O México estabeleceu em 2012 cotas de 30% para candidaturas de mulheres e passou a punir os partidos que não cumpriam esses percentuais mínimos. De lá pra cá, a legislação continuou avançando. A presidente da Câmara dos Deputados daquele país, Marcela Guerra Castilho, informou que em 2019, uma reforma constitucional garantiu paridade em todos os poderes.
Mas a parlamentar mexicana descreve um cenário de resistência em se dividir espaços de poder em seu país e afirma que, na medida em que mulheres ocupam mais cargos de decisão, também cresce a violência política. “Numa reforma mais recente, se estabeleceu também na Constituição que nenhum agressor que comete violência de gênero pode ocupar cargos de representação popular, nem atuar como funcionário público”, destacou.
Ela defende que as leis sobre igualdade de gênero na política devem ser garantidas na Constituição, não em leis secundárias.
O exemplo dos Estados Unidos foi outro citado. Hoje, as norte-americanas têm a maior representação da história com 154 congressistas. Segundo a representante dos Estados Unidos no P20, Young Kim, para reduzir desigualdades no país é preciso avançar em políticas para a maternidade e apoiar mulheres empreendedoras.
A senadora italiana Lavínia Mennuni também compartilhou as medidas que possibilitaram avanços na Itália. Nas últimas décadas, elas saltaram de um percentual de apenas 5% de mulheres eleitas em 1948 para 33% atualmente.
Mennuni defendeu prioridade para medidas que promovam o equilíbrio entre vida doméstica e trabalho e chamou a atenção para o recente debate do G7 que abordou a ampliação da autonomia econômica das mulheres.
Na China, segundo Fu Caixiang, representante do país asiático, as mulheres vivem um momento de ampliação da representatividade política. “No Congresso Nacional da China, há centenas de deputadas como eu que representam 26% do total. Um marco histórico.” Fu Caixiang disse que as mulheres recebem capacitação para a atuação política em instituições de ensino.
Nos partidos políticos na Alemanha também houve mudanças importantes nos últimos anos. A senadora Beate Schlupp afirmou que desde 2002, mais mulheres entraram para a política. “Atualmente, 7 de 17 membros do gabinete geral são mulheres e ninguém considera suas capacidades diferentes por uma questão de gênero”.
Em junho, houve as eleições locais e eleições europeias. Ela afirma que as cotas femininas para candidaturas deram resultado: 39 dos 56 membros da delegação alemã que estão no Parlamento Europeu agora são mulheres, um índice de representação de 33%.
Dificuldades brasileiras
Representando o Congresso Nacional na reunião, a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) apontou uma dificuldade de avanços no País quanto ao percentual de cotas para mulheres na política. E compartilhou sua própria experiência ao ocupar um cargo de liderança no campo da política.
“Eu fui durante três ou quatro anos presidente das mulheres no então maior partido do Brasil. E pasmem! Eu não tinha autonomia. Eu nunca soube quanto havia na conta de recursos para utilizar. Eu nunca pude determinar como usaria esse dinheiro. Isso é aviltante pra todos nós”.
Ela também relatou sentir medo até hoje por conta das experiências de violência política que viveu quando se candidatou à presidência da república em 2022.
“Foi mais um momento de violência política extrema. Questões que eu ainda não pude revelar porque eu tenho medo. Eu temo pela minha família, temo por mim, pelas minhas colegas.”
O desafio no Brasil é imenso na visão da procuradora da mulher da Câmara dos Deputados, Soraya Santos (PL-RJ). Ela falou sobre as regras atuais e destacou as mudanças na lei para obrigar os partidos a terem ao menos 30% de candidatos de gênero diferente nas listas dos partidos.
Teoria x Prática
Segundo a parlamentar indiana Sangeeta Yadav, a Índia estabelece direitos iguais para mulheres e homens desde 1950. Alguns estados já criaram cotas de 50% de mulheres na política, mas a representação delas no parlamento indiano ainda está abaixo do desejável, na avaliação de Yadav.
Ela destacou que estudos mostram que ao alcançar esses espaços de poder, as mulheres influenciam decisões sobre políticas de saúde, educação, saneamento e energias renováveis. “Além disso, mulheres parlamentares introduziram milhares de projeto de lei sobre direitos femininos, bem estar social e igualdade de gênero.”
Kiungsook Kang, da República da Coreia, concorda que, apesar de esforços internacionais, as desigualdades ainda persistem nas nações em diferentes níveis.
A assembleia coreana também adota diferentes medidas para a igualdade de gênero. A representação feminina passou de 3% de candidatas nas eleições de 2000 para 50% em 2004. O avanço foi resultado de políticas que puniam partidos que não cumpriam as cotas. “Temos 300 membros na assembleia coreana nacional e 20% das mulheres nessa casa. Isso é o resultado do engajamento político para atrair mulheres talentosas.”
Países de língua portuguesa
Entre os países que falam português os cenários são diferentes. Georgina Gemiê, deputada de Cabo Verde, avalia que a atual lei para o alcance da paridade de gênero na política ainda não é suficiente. “Até hoje temos somente 3 mulheres que foram eleitas presidentes de Câmaras em Cabo Verde. E o cenário que se apresenta para as próximas eleições não é nada positivo.”
Em Portugal, a leis de incentivo à representação mais equilibrada vieram com mais força a partir de 2004, segundo a deputada Patrícia Faro. “De uma forma geral o tema ganhou visibilidade nas últimas décadas em Portugal, fruto da pressão social, organismo internacionais e europeus, movimentos feministas e ONGs ligadas aos direitos das mulheres.”
Moçambique lidera os países lusófonos em representatividade política de mulheres. Entre os 11 secretários de estado provinciais, cinco são mulheres. Na Justiça, além da ministra, foram nomeadas outras três mulheres para cargos de presidência de tribunais e ministério público.
Mesmo assim, a deputada Telmina Pereira avalia que as necessidades das mulheres que lutam por mais inclusão ainda não foram atendidas. “Embora Moçambique esteja num nível satisfatório, ainda temos desafios que têm a ver com dificuldades de ordem financeira, confiança em relação à capacidade das mulheres em fazer política e criar a diferença que nós precisamos”.
Mercosul
O próximo encontro do Parlasul, no Paraguai, vai reunir as mulheres mais uma vez em torno da participação feminina na política, afirmou Fabiana Martín, a presidente do Parlamento do Mercosul. “Em setembro, em Assunção, as mulheres vão realizar o Fórum das mulheres parlamentares do Mercosul para acompanhar as nossas companheiras parlamentares do bloco a trabalhar por essa paridade de gênero tão necessária na política regional.”
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(BL)