Empresas portuguesas avaliam adotar semana de quatro dias
Experiência piloto mostra aumento na saúde mental e na satisfação dos trabalhadores sem prejudicar a produtividade ou o desempenho financeiro das empresas
Publicado 01/07/2024 14:58 | Editado 02/07/2024 17:38
Portugal tem sido palco de uma revolução no ambiente de trabalho com a implementação da semana de quatro dias. A experiência, conduzida em 41 empresas, mostra que a redução da jornada semanal de trabalho trouxe benefícios significativos para os funcionários sem comprometer a saúde financeira das empresas.
De acordo com o relatório final “Semana de Quatro Dias – Projeto-Piloto” apresentado pelo economista Pedro Gomes, coordenador do programa do governo, e divulgado no dia 24 de junho pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), houve uma melhora notável na saúde mental dos trabalhadores. “A autoavaliação da saúde mental e física dos trabalhadores revelou aumentos significativos na categoria ‘muito boa’ ou ‘excelente’ entre os participantes.
Na saúde mental, a categoria ‘muito boa’ ou ‘excelente’ duplicou de 15% para 30%, e na saúde física aumentou de 20% para 27%”, destacou Gomes. Além disso, foi registrado um aumento médio de 11 minutos no tempo de sono e uma diminuição da exaustão e dos sintomas negativos de saúde mental: o índice de ansiedade diminuiu em 21%; o de fadiga em 23%; o de insônia ou problemas de sono em 19%.
Os dados também mostram que, apesar de não haver uma coleta direta de informações financeiras, “a maioria dos administradores registou um aumento nas receitas e lucros em 2023, em comparação com o ano anterior, sugerindo que a semana de quatro dias não está associada a um desempenho financeiro negativo”, diz o relatório final, assinado também pela professora Rita Fontinha, associada de Strategic Human Resource Management na Henley Business School da Universidade de Readinge.
Benefícios extensivos e desafios futuros
Os impactos positivos não se restringiram ao ambiente de trabalho. A satisfação com o tempo livre e os relacionamentos pessoais também aumentaram significativamente. “A satisfação com o tempo livre aumentou consideravelmente e os trabalhadores relataram maior satisfação com várias áreas de suas vidas, incluindo relacionamentos pessoais, situação financeira e trabalho atual. Esses benefícios foram observados tanto em homens quanto em mulheres, mas com um efeito quantitativo maior entre as mulheres”, apontou o relatório.
A experiência foi tão bem-sucedida que 93% dos funcionários das empresas participantes gostariam que a semana de quatro dias continuasse. Apenas quatro companhias decidiram voltar ao modelo tradicional de cinco dias. Este resultado levou o primeiro-ministro Luís Montenegro a considerar a adoção da semana de quatro dias na administração pública, embora com algumas ressalvas. “A questão de o fazermos na administração pública é uma boa questão. É uma questão que eu não vou conseguir responder já, mas também lhe vou dizer que não excluo, talvez com a manutenção da carga horária semanal”, declarou Montenegro no Parlamento.
Outro destaque é a valorização do modelo pelos trabalhadores com salários e qualificações mais baixas, desafiando a ideia de que essa prática seria destinada apenas a uma elite altamente qualificada. A redução marginal de trabalhadores com uma segunda atividade e a diminuição dos níveis de estresse e exaustão foram notáveis, com 65% dos participantes afirmando ter passado mais tempo com a família.
Considerações sobre a igualdade de gênero
Apesar dos resultados promissores, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, considera “cedo” para avançar na semana de quatro dias e alerta para possíveis efeitos indiretos do modelo na igualdade de gênero. “Temos uma repartição dos papéis sociais em Portugal muito tradicional e, portanto, a mulher continua a ser quem mais tem as responsabilidades familiares. É preciso medidas que promovam uma maior equidade e não que contribuam para aumentar essas responsabilidades de forma desequilibrada sobre as mães”, afirmou a ministra.
O projeto-piloto, que começou em junho de 2023, envolveu várias mudanças organizacionais nas empresas participantes, como a diminuição da duração de reuniões e a criação de blocos de trabalho para garantir que a redução da jornada não interferisse nas entregas semanais. A jornada de quatro dias, conhecida como 100-80-100 (100% do salário, 80% do tempo e 100% da produtividade), mostrou que funcionários mais descansados trabalham melhor e com mais criatividade.
Próximos passos
Com a conclusão do projeto-piloto, o coordenador Pedro Gomes e sua equipe planejam disponibilizar um kit de iniciação (ou starter pack) para empresas interessadas em testar o modelo. Este material, que inclui sessões gravadas e outros recursos, será disponibilizado a partir do último trimestre deste ano.
Além disso, está em estudo uma possível parceria com o Instituto Nacional de Estatística (INE) para continuar a investigação acadêmica “visando uma análise mais detalhada e de longo prazo dos efeitos da semana de quatro dias”. Apesar dos resultados positivos, Gomes alerta que as empresas participantes não são representativas do mercado português como um todo, por isso, é importante incentivar as diferentes organizações a irem testando este formato, afirma o relatório final, “especialmente as grandes empresas”.
Principais dados do projeto-piloto
Empresas:
- 41 empresas participantes
- 12 distritos representados
- 56% das líderes mulheres
- Setores de Consultoria, Ciência e Tecnologia em destaque
- 52,5% das empresas optaram por 36 horas semanais
- 52,4% das empresas manterão o modelo de semana de quatro dias
- As empresas participantes avaliaram positivamente o projeto, destacando o profissionalismo da equipe e a importância do projeto no contexto das relações laborais em Portugal
Trabalhadores:
- 332 trabalhadores no grupo experimental
- 160 trabalhadores mo grupo de controle
- 67% do sexo feminino
- 55% com menos de 40 anos
- 79% com ensino superior, mestrado ou doutorado
- Redução da jornada de 41,6 para 36,5 horas semanais
- Melhorias na saúde mental e física
- Evidente redução da exaustão e desgaste
- Melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal
- 93% dos trabalhadores desejam continuar com o novo formato
Para ler a íntegra do relatório, clique aqui.
Para ver o infografico do projeto, clique aqui.