Brasil não assina acordo de paz na Ucrânia sem participação da Rússia

As principais nações do Sul Global citaram a ausência da Rússia ou a presença de Israel como razões para não aceitarem o comunicado.

Zelenskyy da Ucrânia (centro) é recebido pelo embaixador da Suíça na Ucrânia, Felix Baumann (à esquerda) e outras autoridades, ao chegar ao aeroporto de Zurique antes da cúpula da Ucrânia

No último fim de semana, a Suíça sediou a Cúpula sobre a Paz na Ucrânia, reunindo cerca de 100 delegações de países e organizações internacionais. O evento, realizado no resort Burgenstock, em Stansstad, tinha o objetivo de traçar um caminho para o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia, mas revelou divisões significativas entre os participantes.

No encerramento da cimeira, foi emitido um breve comunicado delineando uma “visão comum” sobre aspectos cruciais para a resolução do conflito, que não conseguiu a adesão da maioria dos países do Sul Global.

O documento destacou a segurança das instalações nucleares, incluindo a Central Nuclear de Zaporizhzhia, de acordo com os princípios da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). Além disso, enfatizou a necessidade de permitir o livre fluxo de produtos agrícolas ucranianos para garantir a segurança alimentar global, e exigiu a troca de prisioneiros e o retorno dos civis ucranianos deslocados ilegalmente, especialmente crianças.

As esperanças ocidentais de isolar a Rússia desvaneceram-se, enquanto os recentes reveses militares no campo de batalha colocaram as forças ucranianas em desvantagem. “A cimeira corre o risco de mostrar os limites da diplomacia ucraniana”, disse Richard Gowan, diretor das Nações Unidas no Grupo de Crise Internacional.

Na sexta-feira, o presidente russo, Vladimir Putin, disse que o seu país acabaria com a guerra se a Ucrânia concordar em abandonar as suas ambições da OTAN e entregar a totalidade das quatro províncias reivindicadas por Moscou – exigências que Kiev rapidamente rejeitou como equivalentes à rendição. Alguns consideraram a declaração de Putin como um reflexo da confiança crescente de que as forças russas têm a vantagem na guerra.

Apoio e divergências

Embora 82 delegações tenham subscrito o comunicado, incluindo países como Austrália, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos, outros importantes participantes se recusaram a assinar. Países como Índia, México, Arábia Saudita, África do Sul, Tailândia, Indonésia e Emirados Árabes Unidos, representados por ministros e enviados, não apoiaram o documento.

O Brasil participou como observador, mas também não assinou o comunicado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva justificou a decisão afirmando que o Brasil só participaria de discussões de paz envolvendo diretamente ambos os lados do conflito – Ucrânia e Rússia. Lula ressaltou que é impossível resolver o problema discutindo apenas com uma das partes e defendeu a necessidade de uma negociação efetiva, já proposta em parceria com a China.

A Turquia considerou a ausência da Rússia um obstáculo. “Devo também observar que esta cimeira poderia ter sido mais orientada para os resultados se a outra parte no conflito, a Rússia, estivesse presente na sala”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, Hakan Fidan, na Cúpula.

Índia: O secretário (Oeste) do Ministério das Relações Exteriores da Índia, Pavan Kapoor, explicou que a ausência da Rússia na cimeira foi o motivo principal para a Índia não assinar o comunicado. Segundo ele, a paz na Ucrânia exige a união de todas as partes interessadas.

Arábia Saudita: O ministro das Relações Exteriores, príncipe Faisal bin Farhan al Saud, destacou a importância da participação da Rússia em qualquer processo de negociação séria. Ele enfatizou que um roteiro para a paz exigirá compromissos difíceis e a inclusão de todas as partes envolvidas no conflito.

África do Sul: A ausência de apoio da África do Sul foi motivada por questões de legitimidade. Sydney Mufamadi, Conselheiro de Segurança Nacional, criticou a participação de Israel na cimeira, cinco dias após uma comissão da ONU acusar Israel de crimes de guerra contra os palestinos. Mufamadi questionou a credibilidade de um comunicado fundamentado no respeito pelo direito internacional, quando Israel enfrenta acusações de genocídio em Gaza.

A Cúpula sobre a Paz na Ucrânia, apesar de reunir uma ampla gama de delegações e de emitir um comunicado conjunto, evidenciou as complexas divergências que ainda permeiam a busca por uma solução para o conflito. A necessidade de negociações inclusivas e compromissos difíceis permanece um ponto central para avançar na resolução do conflito.

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