Direita perde o debate e “PL dos estupradores” pode sair da pauta

Monitoramento revela mobilização nas redes contra o projeto de lei, com 1,14 milhão de postagens e 88% de rejeição em enquete da Câmara dos Deputados.

Foto: Paulo Pinto/AgBr

O projeto de lei (PL) 1904/24, que equipara o aborto a homicídio, tem gerado intensas discussões e reações contrárias nas redes sociais, além de mobilização em muitas cidades. O resultado é a movimentação na Câmara e no Senado para arquivar ou deixar para as calendas gregas a votação do projeto que ficou conhecido como “PL dos Estupradores”. Lideranças do centrão já declaram que não têm compromisso com o mesmo. Após o desgaste, aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira, querem o projeto saia da pauta.

Segundo um monitoramento da Quaest, divulgado na sexta-feira (14), foram registradas 1,14 milhão de postagens sobre o tema nos últimos três dias, com a maioria (52%) dessas publicações se posicionando contra a proposta, enquanto apenas 15% foram favoráveis e 32% mantiveram-se neutras.

O dia com maior mobilização contra o projeto foi a quinta-feira (13), quando quase 700 mil publicações foram registradas. A análise mostra um aumento significativo no debate ao longo da semana, desde os pouco mais de 5 mil posts no sábado anterior. As palavras mais citadas nas discussões incluíram “crianças”, “estupro”, “mulher” e “mãe”, além da hashtag “#pl1904não”.

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Os dados do monitoramento incluem postagens no X (antigo Twitter), Instagram e Facebook, e indicam que o volume total de interações, como curtidas, compartilhamentos e comentários, chegou a 5,1 milhões. Entre as palavras mais citadas nas postagens estão “crianças”, “estupro”, “mulher” e “mãe”, além da hashtag “#pl1904não”.

Mobilização na Câmara e rejeição popular

Na Câmara dos Deputados, o setor de comunicação interativa também notou um interesse atípico pelo projeto absurdo do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Nos dias 12 e 13 de junho, a proposta alcançou 3,1 milhões de visualizações e 780 mil interações.

Desde o início do ano, cerca de 109 mil propostas foram monitoradas nos canais da Câmara, gerando quase 30 milhões de visualizações. O PL 1904/24 tornou-se responsável por 12,22% dessas visualizações em apenas dois dias, enquanto a segunda proposta mais visualizada representa apenas 3,02%.

Até o momento, a enquete no site da Câmara registrou 776.939 votos sobre a proposta, com 88% dos participantes “discordando totalmente” do PL. Na quinta-feira (13), devido ao alto número de acessos simultâneos, 4% dos usuários enfrentaram problemas ao tentar votar, mas o erro foi rapidamente corrigido.

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O projeto, aprovado a toque de caixa na última quarta-feira (12), poderá ser votado diretamente no plenário, sem a necessidade de passar por comissões. A proposta prevê que o aborto realizado após 22 semanas de gestação, em qualquer situação, seja considerado homicídio, incluindo casos de gravidez resultante de estupro. A pena estipulada varia de seis a 20 anos para a mulher que realizar o procedimento.

No debate online, críticos do projeto destacam que uma mulher que abortar após um estupro, além das 22 semanas de gestação, pode enfrentar uma pena maior do que a do estuprador. Atualmente, a pena para o crime de estupro varia de seis a dez anos, podendo chegar a 30 anos se a conduta resultar na morte da vítima.

Famosos se posicionam

O tema, polêmico por si só, também trouxe para o debate um grande número de personalidades. Para o ator Paulo Vieira, o PL é considerado uma “desgraça”, pois culpabiliza mais a mulher que o estuprador. “A vida da mulher vale menos que a de um criminoso”, escreveu ele no X. Já a atriz Débora Bloch expressou sua opinião no Instagram, destacando que crianças abusadas sexualmente perderiam o direito ao aborto se a gestação ultrapassar as 22 semanas. “Este projeto de lei nada mais é do que um incentivo ao estupro”, afirmou. “Nos casos de violência sexual infantil, é mais difícil identificar a gravidez, por isso a demora no reconhecimento. E, por isso, nossas crianças precisam ser asseguradas do aborto legal”, lembrou a atriz.

Em um vídeo, a jornalista Ana Paula Padrão ressaltou que mais de 75 mil mulheres são estupradas por ano no Brasil. Dado o grande número de ocorrências, segundo a jornalista, há uma dificuldade de denúncias e de procedimentos ágeis à vítima. “Delegacias da mulher, a justiça e os hospitais não facilitam o cumprimento da lei que permite a interrupção da gravidez nesses casos. O tempo passa e, se o PL 1904 for aprovado, essas meninas serão consideradas homicidas. O Brasil não é um país que comporte esse tipo de medida de combate ao aborto”, escreveu a jornalista.

A atriz Paolla Oliveira, através de uma charge, criticou a medida: “A vida de uma criança, de uma mulher, vale menos do que a de um estuprador?”. “Existe uma realidade que me assusta e que precisamos encarar: no Brasil, cerca de 60 mil casos de estupros de vulneráveis acontecem todo ano. Criança deve ter o direito de ser criança. Criança não é mãe. E nossas leis e políticas públicas devem assegurar isso. Como mulher, fico estarrecida vendo homens decidindo sobre nossos corpos, nossa liberdade, nossos direitos”, escreveu.

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Luana Piovani afirmou em sua publicação que o PL proposto por Sóstenes levará à criminalização da interrupção de “gravidez fruto de violência (…) em especial quando essas pessoas são crianças”. Já Monica Iozzi relembrou uma entrevista feita em 2018 sobre direito ao aborto. “O aborto não deveria ser discutido na esfera religiosa, somos um país laico. Aborto é uma questão de saúde pública”, afirmou. “A vítima de um crime de estupro teria uma pena maior do que o próprio estuprador. Ou seja, estamos retrocedendo”, escreveu.

Em vídeo, o empresário e youtuber Felipe Neto critica o PL de maneira contundente. “A criação dessa lei vai fazer muita gente tentar impedir que essas meninas consigam fazer o aborto até a 22ª semana. Aí, quando chegar na semana vinte e dois, terão a lei para proibi-las. É escandaloso, gente! É teocracia. O Brasil é guiado pela Constituição Federal, não é pela Bíblia”, disse.

Em outro momento, Neto frisa que o “PL do estupro” é “como sempre, um escândalo promovido pela extrema direita, pela bancada evangélica. É importante que se dê nomes: é a bancada evangélica do Congresso Nacional, que vem se tornando, nos últimos trinta anos, um dos maiores poderes dessa nação e fala abertamente que eles têm um plano de poder para o Brasil, um plano de dominação cristã no Brasil.”

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com agências

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