Enchentes e secas disparam recordes na última década no Brasil

Pesquisador do Serviço Geológico do Brasil mostra, no Portal Vermelho, que evento climático no Rio Grande do Sul não é isolado, como demonstram recordes de enchentes e secas nos últimos dez anos.

RS 06/05/2024 - Imagens de satélite da ESA, na região de Porto Alegre e imediações obtidas pelo software Geoeasy, que será lançando em breve. Na foto a região de Triunfo, Motenegro, Nova Santa Rita e Porto Alegre e a Foto: ESA/Fotos Públicas

Nos últimos dez anos, o Brasil tem registrado um aumento significativo de eventos extremos de chuvas e secas, segundo um levantamento do Serviço Geológico do Brasil (SGB). Marcus Suassuna, hidrólogo e pesquisador em Geociências do SGB, destaca ao Portal Vermelho que esses fenômenos não são mais vistos como eventos isolados, mas como parte de uma tendência preocupante que requer atenção e adaptação.

Entre 2014 e 2023, foram registrados 314 recordes de cheias e 406 recordes de secas no país. Comparado com a década anterior, que registrou 182 cheias e 92 secas, os números mostram um aumento alarmante. Suassuna explica que a base de dados utilizada permaneceu estável nos últimos 50 anos, o que torna a comparação no período bastante confiável.

Principal aeroporto de Porto Alegre alagado pelas enchentes que atingem o estado. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Impactos regionais significativos

Os eventos extremos foram observados em diversas regiões do Brasil. No Rio Grande do Sul, por exemplo, os rios Taquari e Caí bateram três dos maiores recordes de cheia nos últimos dois anos. Mas as cheias também ocorreram no Uruguaiana (RS) nos últimos anos, além da estiagem recorde em 2021 também afetou o estado.

Cheias e secas também foram registradas na Amazônia, desde o Rio Amazonas, até o Rio Branco, no Acre. O Rio Madeira, em Porto Velho (RO), apresentou sua pior seca em 2023, com seis dos maiores recordes de baixa vazão na última década.

Segundo Suassuna, o levantamento confirma a percepção empírica dos pesquisadores de que os recordes de eventos extremos se tornaram mais frequentes. “A gente lançou uma hipótese de que esses máximos estão sendo mais frequentes e vimos um início de confirmação, mostrando que essa hipótese é válida”, afirma Suassuna.

Mudanças climáticas e modelos tradicionais

Os dados apontam para a influência das mudanças climáticas nas alterações dos regimes de chuvas, com chuvas mais intensas e períodos de estiagem mais prolongados. O pesquisador explica que os modelos climáticos tradicionais têm enfrentado desafios para prever a intensidade e persistência desses eventos. “O desenvolvimento de novas equações meteorológicas tem sido um desafio para quem trabalha com previsões”, acrescenta.

Suassuna enfatiza a importância de aprimorar os sistemas de monitoramento e alerta, especialmente em regiões com pouca vegetação ou altamente urbanizadas, onde a impermeabilização do solo acelera a chegada da água das chuvas aos rios. Ele aponta para a necessidade de aumentar a velocidade de informação e os pontos de monitoramento nas bacias hidrográficas, incluindo rios secundários que podem impactar grandes concentrações populacionais.

A abrangência das secas

Seca no Lago do Puraquequara em Manaus , em 20 de outubro de 2023 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).

Outro lado da moeda são as secas, que não recebem o mesmo olhar midiático que enchentes, embora tenham efeitos dramáticos sobre grandes populações. Secas frequentemente se espalham por grandes áreas geográficas. “Quando uma seca acontece em um local, ela geralmente não se limita a esse local, afetando uma região maior”, explica o hidrólogo.

“O evento de 2023 é um exemplo claro, afetando toda a Amazônia e registrando níveis mínimos históricos em diversas áreas.” A região Sudeste também enfrenta secas em múltiplos pontos simultaneamente, diferentemente das cheias, que tendem a ser mais localizadas.

Embora cheias causem imagens dramáticas de casas inundadas e grandes destruições visíveis, secas provocam uma série de impactos igualmente severos, porém menos aparentes. “Secas geram uma problemática complexa que envolve preparação e resposta difíceis”, ressalta o pesquisador. Os efeitos incluem a falta de água, aumento da evapotranspiração, risco de incêndios florestais e danos à agricultura. Além disso, eventos de seca podem causar danos indiretos significativos, como sobrecarga de transporte rodoviário devido à inoperância de hidrovias, levando a problemas nas rodovias e aumento de atropelamentos de animais silvestres.

Comparar a preparação para secas e cheias é difícil, mas alguns aspectos são mais simples de comunicar e mitigar em cheias. “Eventos de seca têm impactos diversos, tornando mais complicado para a população saber como agir e a quem recorrer”, comenta ele. A seca de 2020 no Pantanal, por exemplo, teve impactos severos de incêndios florestais, enquanto a seca de 2021 afetou principalmente as hidrovias.

As secas também têm um impacto ambiental significativo, incluindo a mortandade de peixes na Amazônia devido à baixa qualidade da água. Embora o SGB não trabalhe diretamente com processos de desertificação, Suassuna aponta que as tendências de diminuição do volume das chuvas e aumento da temperatura pressionam os biomas brasileiros, como a Caatinga, aumentando o risco de desertificação.

Cooperação internacional e desafios

Iranduba Amazonas 25/10/ 2010 – Barco no meio do leito rio Negro seco em frente a cidade de Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).

Os eventos climáticos extremos no Brasil também afetam países vizinhos. “No caso da bacia do Rio Paraguai, há uma cooperação estreita com Paraguai e Bolívia, dada a dependência econômica destes países das hidrovias”, explica o cientista. A seca afeta significativamente o comércio exterior da Bolívia e o transporte de mercadorias.

No entanto, a cooperação internacional para enfrentar esses desafios ainda precisa de amadurecimento. “Processos como a troca de informações e previsões entre países precisam ser desenvolvidos e aprimorados”, destaca o hidrólogo.

A adaptação a essas mudanças climáticas exige ações integradas e urgentes. “Aumentar a velocidade de informação e os pontos de monitoramento nas bacias hidrográficas é crucial”, diz Suassuna. Melhorar o sistema de alerta para eventos climáticos extremos e investir em soluções sustentáveis para o uso e ocupação do solo são passos essenciais para mitigar os impactos das secas e cheias, garantindo uma resposta eficaz a esses desafios crescentes.

As secas e cheias no Brasil demandam uma abordagem multifacetada que envolve monitoramento contínuo, planejamento estratégico, cooperação internacional e investimentos em ciência e tecnologia. “Estamos apenas começando a entender e abordar esses desafios. Precisamos de mais recursos humanos e investimentos para continuar esse trabalho”, conclui Suassuna. O caminho para mitigar os impactos das secas e cheias é complexo, mas com cooperação e planejamento adequado, é possível enfrentar os desafios e proteger as comunidades e a economia afetadas por esses eventos climáticos extremos.

Histórico e função do SGB

Vinculado ao Ministério das Minas e Energia, o SGB realiza medições do volume das águas dos rios desde o início do século passado. Inicialmente focado na mineração, o monitoramento do SGB passou a ser usado nas últimas décadas para a prevenção de eventos climáticos extremos. Hoje, o SGB é responsável por 75% do trabalho de monitoramento de bacias hidrográficas no Brasil, complementado por dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a Agência Nacional das Águas (ANA) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

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