Parada LGBT+ resgata cores da bandeira e critica o Legislativo
O presidente da Parada, Nelson Matias, diz ao Portal Vermelho, que a manifestação voltou mais forte da “pandemia bolsonarista” que dividiu a sociedade.
Publicado 03/06/2024 18:47 | Editado 04/06/2024 09:39
A 28ª edição da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo coloriu mais uma vez a Avenida Paulista, trazendo consigo um forte apelo político com o tema “Basta de Negligência e Retrocesso no Legislativo: Vote Consciente por Direitos da População LGBT+”. O evento deste ano trouxe um forte apelo político, destacando a luta contínua contra as ameaças aos direitos da comunidade LGBT+ no Brasil. Mas também fez um alegre resgate das cores do Brasil sequestradas pelo bolsonarismo. Drag queens e pessoas “desmontadas” vestiram o verde e amarelo das formas mais criativas possíveis.
O aspecto notável de incluir as cores verde e amarelo, tradicionalmente associadas ao patriotismo brasileiro, haviam sido recentemente apropriadas por movimentos bolsonaristas. “Ontem, vimos uma reapropriação que eu considero quase fatal para o bolsonarismo. Misturamos as cores do Brasil com as cores da diversidade e do amor, sem pregar segregação. Mostramos que essa bandeira é nossa também”, afirma, em entrevista ao Portal Vermelho, Nelson Matias, presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo (APOGLBT).
Segundo o próprio dirigente da APOGLBT, a ideia surgiu espontaneamente da participação da cantora Pabllo Vittar no show de Madonna em Copacabana, vestida de verde e amarelo sobre o fundo da bandeira. O modo subversivo como o show expressou as cores se tornaram uma provocação irresistível. “Foi como um pavio de pólvora. As redes já estavam tomadas. Decidimos abraçar isso.”
Refletindo sobre o atual cenário político, Matias compara o período da pandemia com o bolsonarismo, classificando ambos como momentos de divisão e doença social. “O bolsonarismo quase causou uma ruptura democrática. Imagina se o golpe tivesse dado certo, provavelmente seríamos proibidos de realizar a Parada”, alerta. Para ele, a volta da pandemia também representou um ponto de viragem para o movimento LGBT+ e a Parada.
“Depois da pandemia, voltamos mais fortes. Tivemos duas pandemias no Brasil: a doença e o bolsonarismo. Eles causaram uma sociedade dividida e doente. Vimos como ficamos no fio da navalha.”
Celebração política
Matias destacou a importância do tom político do evento. “Se você vir as pessoas que deram depoimentos para a televisão, quase todas elas estavam muito conscientes de que estavam em uma festa e que era um ato político. Não há mais discussão que isso é um problema. A própria comunidade entende que é legal termos esse jeito peculiar de fazer manifestação, e que um não anula o outro, eles se completam.”
A Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo continua a ser um evento de celebração e resistência. “Não há impasse algum entre festa e manifestação política. Elas se completam. Ao festejar nossa existência, estamos fazendo uma manifestação política com nossos corpos, ‘corpas’ e identidades”, conclui Matias.
O evento, além de ser uma grande festa, é um ato político fundamental para a visibilidade e o avanço das pautas LGBT+. “A Parada é um meio, não um fim. O que vai reverberar depois é o que vamos conseguir enquanto sociedade organizada”, finaliza.
Negligência do Legislativo
Ele destaca a importância da conscientização e da resistência em tempos de retrocessos legislativos. “Sempre educamos sobre estado laico, homofobia, quando ninguém falava disso, entre outros temas. Este ano fomos mais incisivos, destacando a negligência e o retrocesso no Legislativo”, comenta Matias.
Ele critica a censura de algumas emissoras de televisão, como a Globo, que omitiram a parte crítica do tema da Parada por considerarem o conteúdo “político demais”. “Este ano, fomos muito políticos ao apontar diretamente para o retrocesso e a negligência no Legislativo”, afirmou Matias. “Isso pra mim é censura. A TV de hoje nem mencionou a primeira parte do tema”, desabafa.
A escolha do tema surgiu após extensas discussões dentro da Associação e com representantes de diversas paradas pelo Brasil, num esforço para unificar temas pelo país. Matias ressalta a unanimidade com que a pauta foi aceita, refletindo um entendimento coletivo sobre a necessidade de combater o retrocesso legislativo. “Todas as nossas conquistas, desde a criminalização da homofobia até a retificação de nome e a doação de sangue, passaram pela Parada”, lembra.
Matias também fala sobre a importância do Supremo Tribunal Federal (STF) na garantia dos direitos da comunidade LGBT+. “Projetos como a união estável para casais do mesmo sexo, inicialmente propostos por figuras como Marta Suplicy, só foram reconhecidos muitos anos depois pelo STF. O STF tem o papel de reparar os erros do Legislativo quando ele falha em garantir direitos iguais.”
Voto crítico e representativo
A Parada também buscou conscientizar sobre a importância do voto crítico e representativo. “Não é só votar gay porque sou gay, mas votar em pessoas que realmente representam nossas pautas”, enfatiza. Ele citou políticos trans e negro na Câmara Municipal de São Paulo, que negam as pautas LGBT+ e a desigualdade racial, apoiando políticos bolsonaristas.
“Todo ano com eleição, vamos falar sobre a importância de votar conscientemente. Não só a população LGBT+, mas toda a população”, afirma Matias. Ele enfatiza que o voto deve ser crítico e consciente, não apenas baseado na identidade sexual. “Se eu não tiver pessoas iguais a mim, a minha pauta não terá ressonância nesses lugares de decisão.”
“Nosso movimento sempre enfrentou o desafio de mobilizar as pessoas para votarem em candidatos comprometidos com nossas pautas. Tivemos avanços significativos nas últimas eleições”, afirma Matias. Ele lembra que desde 2010, a Parada tem adotado o discurso político, o que reverberou positivamente, aumentando a presença de representantes LGBT+ e aliados nos espaços legislativos.
Pela primeira vez, o Congresso Nacional elegeu duas pessoas transexuais, Erika Hilton e Duda Salabert. Além disso, temos uma deputada estadual abertamente bissexual e o senador Fabiano Contarato, que é abertamente gay. “Isso é um avanço. Ainda está longe do ideal, especialmente quando comparado à força da bancada evangélica, mas é um progresso significativo”, comenta ele.
Matias destaca a necessidade de maior organização e representatividade dentro dos conselhos e legislativos. “Não ocupamos os conselhos como deveríamos. É nesses espaços que muitas políticas públicas são decididas. Se não estivermos lá, quem vai defender nossas pautas?”, questiona. Ele questiona a última eleição para conselhos tutelares, em que bolsonaristas se organizaram nas igrejas para dominar o resultado.
Ele destaca a disparidade de poder entre os grupos conservadores e a comunidade LGBT+. “Esses grupos têm uma máquina poderosa: suas igrejas. Elas mobilizam milhares de pessoas com verdades absolutas, que na verdade são manobras políticas para eleger seus candidatos.”
No entanto, ele reconhece que o caminho é árduo e repleto de desafios. “Enquanto não tivermos uma quantidade significativa de aliados e representantes LGBT+ eleitos, será difícil enfrentar as manobras políticas dentro das casas legislativas.”
A necessidade de organização e união dentro do movimento foi um ponto central nas falas de Matias. “Infelizmente, muitas vezes somos inimigos de nós mesmos. Não conseguimos ter a conexão e a coesão que os grupos conservadores têm. Quando eles têm uma pauta a derrubar, se unem. Nós, ao contrário, frequentemente nos dividimos.”
Em suas palavras, o engajamento não deve se limitar aos dias da Parada. “Se não nos mobilizarmos desde agora até a próxima eleição, continuaremos a ser massacrados nas casas legislativas. Nada sobre nós deve ser decidido sem nós. Caso contrário, será sempre contra nós.”