STF proíbe desqualificação moral de vítimas de crimes sexuais

Decisão unânime impede uso da vida sexual pregressa de mulheres como argumento em processos e rejeita a tese de legítima defesa da honra para justificar violência.

Durante votação a ministra Cármen Lúcia, relatora do caso e única ministra do STF, afirmou que "frases cruéis e perversas" são usadas contra mulheres em depoimentos realizados pela Justiça | Foto: Nelson Jr./Secom/STF

Nesta quinta-feira (23), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, proibir a desqualificação moral de mulheres vítimas de crimes sexuais durante audiências judiciais e investigações policiais em todo o país. A decisão impede que a vida sexual pregressa das vítimas seja utilizada por policiais, advogados e juízes para desqualificá-las moralmente em depoimentos, audiências e decisões judiciais.

Os ministros também confirmaram que a tese de legítima defesa da honra, frequentemente utilizada pelos réus acusados de crimes sexuais, não poderá ser usada para justificar a violência e pedir absolvição.

Além disso, a decisão obriga os órgãos envolvidos na apuração e no julgamento dos casos a impedirem a desqualificação das vítimas, sob pena de responsabilização. A ação foi protocolada no final do ano passado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para garantir que as vítimas de crimes sexuais sejam tratadas com dignidade durante a tramitação dos processos.

A relatora do caso e única ministra do STF, Cármen Lúcia, afirmou que a proibição da desqualificação impede a revitimização das mulheres e favorece as denúncias de casos de estupro. “Perguntam na delegacia, ou os juízes toleram, uma coisa horrorosa, perversa e cruel de perguntar: você [mulher] fez por merecer, qual foi o seu comportamento, como era antes a sua vida, como se a circunstância de ser mulher ou de ter uma vida sexual fosse desqualificadora para o crime de estupro”, declarou a ministra.

O ministro Alexandre de Moraes ressaltou que o STF não vai mais tolerar casos de desqualificação de vítimas. “É lamentável que, terminando o primeiro quarto do século 21, nós ainda tenhamos esse machismo estrutural, inclusive em audiências perante o Poder Judiciário”, comentou Moraes.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, enfatizou que todos os crimes de violência contra a mulher envolvem o risco de revitimização. “O Supremo tem dado a contribuição possível para enfrentar uma sociedade patriarcal e de machismo estrutural, que se manifesta na linguagem, nas atitudes e nas diferenças de mercado”, completou Barroso.

A decisão foi motivada, em parte, pelo caso da modelo e influenciadora digital Mariana Ferrer, que em 2018 foi constrangida pelo advogado do acusado durante audiência na qual prestou depoimento como vítima de estupro. O episódio resultou na aprovação da Lei Mari Ferrer, que protege vítimas e testemunhas de constrangimentos. No ano passado, o juiz responsável pelo caso foi advertido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A posição da ministra Cármen Lúcia foi seguida pelos ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Luiz Fux e Gilmar Mendes.

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com agências

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