STF concede liminares em ações contra leis que proíbem linguagem neutra
Na sua decisão, o ministro Alexandre de Moraes destacou que a competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação é privativa da União
Publicado 21/05/2024 18:00 | Editado 21/05/2024 18:02
Em uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, foram concedidas duas liminares em um conjunto de 20 ações movidas pela Aliança Nacional LGBTI+ e a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) contra legislações que proíbem o uso da linguagem neutra no Brasil. Segundo as entidades, estas medidas representam um avanço significativo na luta pelos direitos da comunidade LGBTI+, que vê na linguagem neutra uma ferramenta essencial para a inclusão e reconhecimento das identidades de gênero não-binárias.
Na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1155, Moraes deferiu o pedido liminar, suspendendo os efeitos da Lei 2.342/2022 do município de Ibirité, em Minas Gerais. Esta lei proibia o uso de linguagem neutra em instituições de ensino e documentos oficiais. A decisão pode ser acessada aqui.
A segunda liminar foi concedida na ADPF 1150, suspendendo a lei de Águas Lindas, em Goiás, que igualmente impedia a utilização da linguagem neutra em escolas e documentos públicos.
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Ainda aguardam decisão no STF outras 17 ações que contestam legislações similares em diversos municípios e estados do país. As ações estão distribuídas entre diferentes ministros.
Contexto da Ação
A Lei 2.342/2022 foi criada pela Câmara Municipal de Ibirité com o intuito suposto de garantir que a língua portuguesa seja ensinada exclusivamente conforme a norma culta, baseada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) e no Acordo Ortográfico de 1990. O texto proíbe especificamente o ensino e a aplicação da linguagem neutra, também conhecida como dialeto não binário, em todas as atividades pedagógicas e administrativas relacionadas à educação no município.
As entidades requerentes alegaram que a lei municipal é inconstitucional tanto formalmente quanto materialmente. Formalmente, argumentaram que a lei usurpa a competência exclusiva da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, conforme o artigo 22, XXIV, da Constituição Federal. Materialmente, defenderam que a proibição imposta pela lei configura censura e viola os direitos fundamentais à liberdade de expressão, de ensino e de aprendizado, além de ser desproporcional e discriminatória.
Decisão
Na sua decisão, o ministro Alexandre de Moraes destacou que a competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação é privativa da União e que qualquer regulamentação local deve ser meramente suplementar e em conformidade com as normas gerais estabelecidas pela legislação federal. O ministro ressaltou que a proibição da linguagem neutra nas instituições de ensino interfere diretamente no currículo pedagógico, o que extrapola a competência legislativa dos municípios.
Além disso, Moraes pontuou que a lei em questão poderia resultar em graves violações aos direitos fundamentais, afetando negativamente a liberdade de expressão e a pluralidade de ideias e concepções pedagógicas, pilares essenciais do sistema educacional brasileiro conforme estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996).
Suspensão Cautelar
Ao conceder a medida cautelar, Alexandre de Moraes reconheceu a presença dos requisitos de fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e periculum in mora (perigo na demora), necessários para a suspensão de normas em ações de controle concentrado de constitucionalidade. A decisão visa evitar lesões irreparáveis aos direitos fundamentais dos envolvidos enquanto a questão não é definitivamente julgada pelo plenário do STF.
Com a suspensão cautelar, a Lei 2.342/2022 fica temporariamente sem efeito até que o mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.155 seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão final do STF será crucial para definir os limites da competência legislativa dos municípios em relação à regulamentação educacional e a promoção de direitos fundamentais no Brasil.
A decisão foi bem recebida por organizações defensoras dos direitos LGBTI+, que consideram a medida um avanço significativo na luta contra a discriminação e a favor da inclusão e diversidade no ambiente escolar. Por outro lado, defensores da lei argumentam que a norma visava proteger a integridade da língua portuguesa e manter a qualidade do ensino, embora as localidades sejam governadas por gestores que fazem oposição sistemática a demandas de entidades LGBT+.