PEC das Drogas é retrocesso e está na contramão do que é debatido no mundo

Países como Argentina, Colômbia, Equador, Peru e Chile possuem legislação que diferenciam usuário do traficante e tratam o problema como de saúde pública

Plenário do Senado (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

Aprovada no Senado e encaminhada à Câmara dos Deputados, a chamada PEC das Drogas está na contramão do que vem sendo debatido e regulamentado no mundo. Para se ter ideia, no continente sulamericano, somente Suriname e Guiana criminalizam o porte de droga para uso pessoal.

Países como Argentina, Colômbia, Equador, Peru e Chile possuem legislação que diferenciam usuário do traficante e tratam o problema como de saúde pública.

A professora da Universidade de Brasília (UnB) Andrea Gallassi, que é membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), lembra que o modelo de criminalização foi base da legislação de vários países desde a década de 1970.

“E, ao longo do século passado, já começaram a revisar esse modelo para deixar de considerar crime essa conduta, pensando que deveríamos propor outras medidas para tratar um problema que é majoritariamente de saúde, ou seja, pensar no tratamento fora da esfera criminal, com medidas que sejam administrativas e de trabalhos voluntários”, diz a pesquisadora.

Leia mais: STF volta a julgar se porte de drogas é crime

Para ela, a emenda à Constituição ignora evidências científicas e representa um “enorme retrocesso em termos de direitos humanos, saúde pública, justiça social e eficácia”.

Em debate no Senado, a professora disse que não há evidências que sustentem a afirmativa que nos países que descriminalizaram o uso aumentou o consumo de drogas.

Um dossiê nesse sentido foi entregue ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PDS-MG), autor da proposta. Nele consta um estudo sobre Portugal, que descriminalizou o uso em 2001 e, em 2012, o consumo de drogas ilícitas havia reduzido.

“Não houve redução do preço de drogas, que é um outro mito que se coloca, o de que vai diminuir o preço e que, portanto, as pessoas vão ter um livre acesso”, explica a professora.

A decisão no Senado seria uma reação ao Supremo Tribunal Federal (STF) que debate se o artigo da lei que criminaliza a posse e o porte de maconha para consumo próprio é inconstitucional.

Repercussão

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) diz que no mundo o debate sobre a política de drogas caminha para o lado oposto ao da PEC aprovada no Senado.

“A proposta proibicionista, feita sem debate, não diferencia traficante de usuário e acentua a desigualdade social. Enviará mais jovens negros e pobres para as prisões já abarrotadas, aumentará a corrupção e violência policial, não diminuirá o consumo e não resolverá a questão dos usuários adictos que precisam de acolhimento e tratamento”, observa a parlamentar que é médica.

Jandira diz que a política de drogas precisa avançar, não retroceder. “Precisamos nos inspirar nos exemplos bem-sucedidos de outros países, com resultados positivos para a segurança e a saúde públicas. Esse é o debate que precisa ser feito agora na Câmara dos Deputados”, defende.

“Qual o preço humanitário das sucessivas violências aos serviços básicos em nome de uma política de guerra às drogas? A PEC 45, que pode criminalizar a posse de entorpecentes e similares, vai na contramão de estudos internacionais que evidenciam que a criminalização do uso de drogas não reduz o consumo e pode aumentar a violência e sobrecarregar o sistema judicial e prisional”, considera o deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ).

“A proposta fala em diferenciar usuário de traficante, mas não explica como objetivamente fazê-lo. Ou essas pessoas são dependentes [químicos] ou não são. Se são dependentes, essas pessoas deveriam ter acesso ao tratamento. Deveríamos estar preocupados em resolver esse problema de forma ampla, debatendo a situação social, econômica, o acesso à educação, a cultura e ao lazer. Essas coisas é que podem resolver a questão do enfrentamento às drogas”, aponta o senador Humberto Costa (PT-PE).

Autor