Escolas com mais alunos negros têm piores infraestruturas, diz estudo
Carol Canegal, do Observatório da Branquitude, afirma que “estudo pode ser interpretado como uma espécie de metonímia do quadro de desigualdades no país”
Publicado 17/04/2024 18:59 | Editado 19/04/2024 11:02
O Observatório da Branquitude lançou o estudo “A cor da infraestrutura escolar: diferenças entre escolas brancas e negras” que traz como resultado a seguinte constatação: as infraestruturas de escolas públicas com maioria de alunos negros são piores do que nas escolas em que a maioria de alunos são brancos.
O levantamento, que utiliza dados do Censo Escolar 2021, mostra que há bibliotecas em 55,29% das escolas de maioria de branca, laboratórios de informática em 74,69%, quadras de esportes em 80,33% e rede de esgoto em 72,28%.
Por outro lado, nas escolas negras há somente bibliotecas em 50,20%, laboratórios de informática em 53,10%, quadras de esportes em 51,79% e rede de esgoto em 56,56%.
Ao se olhar o todo, 69% das escolas da educação básica com melhor infraestrutura no Brasil são majoritariamente brancas, aponta o material.
Para comparação foi considerado “escolas predominantemente brancas, com 60% ou mais de alunos autodeclarados brancos (relacionadas um total de 12.376); e escolas predominantemente negras, com 60% ou mais de alunos autodeclarados negros (21.992 escolas)”.
Ao Portal Vermelho, a coordenadora de pesquisa do Observatório da Branquitude, Carol Canegal, entende que o “estudo pode ser interpretado como uma espécie de metonímia do quadro de desigualdades no país, sobretudo porque revela uma combinação nefasta entre variáveis como cor e raça, nível socioeconômico e localização geográfica a partir de um olhar sobre aspectos de infraestrutura das escolas de educação básica”.
Conforme explica, “a persistência desse arranjo de assimetrias segue em atividade entre nós e perpetua, em ambiente democrático, o favorecimento a certos grupos, em especial grupos brancos, de maior renda, localizados em regiões como Sudeste e Sul, em detrimento de grupos não brancos, pobres e situados nas regiões Norte e Nordeste”, completa.
Índice socioeconômico
A abordagem ainda avalia o índice socioeconômico (INSE), com indicador de 1 a 7, com o maior valor como indicativo de melhores condições da família, ao cruzar informações sobre bens e escolaridade dos familiares dos alunos.
Neste quesito, nas escolas negras, conforme o Observatório, 75% dos alunos estão nos níveis 3 e 4: “Nestes níveis, os estudantes relatam ter em casa uma televisão, um banheiro, wi-fi. No nível 4, os alunos responderam possuir em casa dois ou mais celulares. Em ambos os níveis, a escolaridade da mãe/responsável varia entre o 5º ano do ensino fundamental completo e o ensino médio completo”, coloca o estudo.
Já nas escolas brancas 88% dos estudantes estão nos níveis 5 e 6: “Nestes níveis os alunos relatam ter em casa um carro, uma ou duas televisões, um ou dois banheiros, wi-fi, entre outros bens. Nos níveis V e VI, a escolaridade da mãe/responsável varia entre o ensino médio e o ensino superior completo.”
Como traz os resultados, em escolas negras os alunos estão em níveis socioeconômicos inferiores. A esta constatação estão atreladas diferenças regionais e econômicas, no entanto não deixa de conter um elemento duplamente perverso: alunos mais carentes têm infraestrutura pior nas escolas.
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Com isso, a escola não representa aos estudantes um ambiente acolhedor, de oportunidade, de suprimento do que às vezes não possuem no ambiente familiar, ou seja, o Estado tem falhado nesta função.
Sobre estas dificuldades enfrentadas no dia a dia da educação básica, Canegal aponta que “certamente podem se materializar de várias maneiras de modo a impactar negativamente tanto trajetórias escolares, quanto trajetórias de vida”.
A coordenadora lembra que o Brasil experimentou avanços significativos no que concerne à ampliação do acesso à educação desde os anos 1980, quando se iniciou o processo de massificação da educação escolar entre nós. Antes restrita à maior parte das pessoas negras e demais grupos racializados, a oportunidade de acessar a escola se tornou pública há pouco mais de 40 anos no Brasil.
“Porém, ainda que tenhamos experimentado melhorias, permanece o desafio não mais exatamente do acesso à escola, atualmente universalizado, mas o desafio da permanência dos estudantes no jogo escolar. Para tanto, compreender os cenários dentro e fora da escola se faz importante para interferir intencionalmente na produção e reprodução dessas desigualdades”, elucida.
Correção de assimetrias
Na conclusão do estudo é indicado: “A correção de assimetrias pela via de políticas públicas assertivas segue como um caminho fundamental para a distribuição equitativa do direito à educação e, por conseguinte, para a produção de escolas com equipamentos e serviços adequados também para negros, demais povos racializados e brancos.”
A partir deste indicativo, o Observatório enxerga que, de acordo com Canegal, “o recado mais geral da pesquisa é o de que a variável cor/raça importa”.
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Segundo entende, é necessário pensar e atuar em prol da igualdade de oportunidades de maneira intencional na educação básica, juntamente com as demais variáveis importantes no contexto brasileiro, como renda e território, entre outras. Por isso é fundamental eleger a raça como marcador crucial para o desenho e formulação de políticas públicas educacionais e também para as demais funções de governo e Estado, sabendo que a educação, por ela mesma, não dá conta de nossas mazelas históricas.
“Conferir centralidade à raça sem dispensar outros marcadores da diferença abarca o potencial de rompimento de ciclos de produção e reprodução de assimetrias que, no limite, atuam contra a escolarização de tantas e tantos estudantes a despeito dos esforços e da dedicação dos profissionais da educação para mantê-los no jogo escolar”, completa.