A volta da “ameaça russa”

Mais: Base Militar de Guantánamo: Uma visão idílica / Turquia anuncia medidas comerciais contra Israel / HSBC saí da Argentina e concentra negócios na Ásia.

A atual campanha midiática russófoba faz lembrar, em certos aspectos, a toada da propaganda anticomunista dos tempos da União Soviética, onde Moscou estava em toda parte, com seu “ouro” (o famoso “ouro de Moscou”), os “agentes moscovitas”, etc. O jornal Folha de S. Paulo, na edição impressa de segunda-feira (8) trouxe como destaque principal, na editoria mundo, a revelação “bombástica”, em uma longa reportagem, sobre a presença de um espião russo no Brasil. “A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) descobriu um espião da Rússia em atuação no Brasil que se passava por integrante do corpo diplomático da embaixada de seu país em Brasília”, informa o jornal paulista. Nesta terça-feira (9) repete-se o destaque sobre o mesmo assunto, sendo que no site da Folha acrescenta-se um vídeo sobre o tema. Segundo a Folha, o suposto espião Serguei Alexandrovitch Chumilov, que deixou o Brasil há nove meses, “atuava para cooptar brasileiros como informantes”. Convido, quem puder, a ler com atenção os textos dos repórteres Fabio Serapião e Renato Machado e até mesmo a assistir o vídeo (disponível no youtube: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2024/04/08/index.shtml). A Folha informa que o “espião deixou rastros” de sua atividade, que não escaparam a uma perigosa pesquisa no google feita pela intrépida equipe do jornal, e daí vem uma lista de visitas e palestras (inclusive em um Centro Acadêmico) como exemplos do trabalho de “cooptação de informantes”.

A volta da “ameaça russa” II

Uma das atividades “suspeitas”, segundo o jornal paulista, foi a participação de Chumilov em um evento realizado em 2021 no Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), mas dois dirigentes ligados ao instituto “disseram desconhecer qualquer tentativa de cooptação do russo e argumentaram que nas estruturas do instituto ele não teria acesso a informações estratégicas e sensíveis”. Ao chegar ao fim da reportagem, o leitor constatará que não existe qualquer informação sobre quem foi cooptado, de que maneira o suposto espião descobriria informações sensíveis etc. Um grande vazio. Por outro lado, a reportagem pode proporcionar aos brasileiros uma enorme sensação de alívio, pois prova que a Abin está atenta aos interesses nacionais e certamente acompanha também com espírito vigilante as atividades de espionagem – encobertas por capas diplomáticas e ONGs – de agências como a CIA (EUA), o Mossad (Israel), o MI-6 (Grã-Bretanha). Se bem que é difícil imaginar que agentes dos EUA, de Israel ou do Reino Unido cooptem agentes através de pagamentos diretos ou vantagens indiretas como bolsas de estudos, seminários e viagens nababescas (inclusive para jornalistas amigos), patrocínios diversos etc. Se isso acontecesse, com certeza a Abin vazaria para a sempre atenta Folha de S. Paulo, pois a Abin e a Folha de S. Paulo são conhecidas defensoras da soberania nacional.

Base Militar de Guantánamo: Uma visão idílica

Por falar em viagens para jornalistas com tudo pago, seria interessante que a Folha de S. Paulo revelasse quem custeou a viagem da jornalista Fernanda Perrin para a base militar que os EUA mantêm no território cubano de Guantánamo. A Base de Guantánamo, onde comprovadamente ocorreram (e provavelmente continuam ocorrendo) torturas bárbaras e que até hoje abriga prisioneiros que não respondem judicialmente por qualquer crime, foi visitada por um grupo de jornalistas, entre eles a repórter da Folha. O título da reportagem já adianta o que seria o espírito do texto: “Em Guantánamo, não vi a vigilância distópica que imaginei”. A repórter declara sua surpresa por ter se deparado “com um homem relaxado, de bermuda, chinelos e óculos de sol em cima da cabeça, me explicando os procedimentos de segurança assim que cheguei à base. Ele fez um crachá especial para eu circular na área, falou algo sobre um atirador de elite e resumiu suas orientações assim: ‘Meus dois filhos moram aqui. Não tirem fotos que possam colocar eles em risco, por favor’”. Fofo, não?

Base Militar de Guantánamo: Uma visão idílica II

E a sessão de fofura não para aí. Depois de, sem querer, desrespeitar um dos esquemas de segurança da prisão, a repórter narra que “tensa, perguntei aos repórteres veteranos o que eu deveria fazer. De olhos arregalados, eles falaram que ninguém nunca havia feito isso. ‘Parabéns!’, me disseram, dando risada”. Ou seja, Guantánamo é uma grande festa, onde todos são amigáveis. O texto da Folha de S. Paulo faz esquecer completamente os 119 presos que foram torturados e que, segundo a monitora da ONU para direitos humanos, Fionnuala Ní Aoláin, sofrem até hoje as consequências das torturas, “A linha divisória entre o passado e o presente é muito estreita para esses homens. Em alguns, é inexistente: habitam corpos profundamente feridos por atos de tortura”, explicou a investigadora, ouvida pelo jornal inglês The Guardian, com reprodução pela Veja em 2023. A reportagem da Folha igualmente não menciona uma informação fundamental: que a base militar estadunidense ocupa ilegalmente o território de um país soberano, a República de Cuba, nação que exige de forma enfática a saída dos militares dos EUA de seu solo. Todo o texto é uma vergonhosa passada de pano, como se diz hoje em dia, para a famigerada base militar de Guantánamo. Mas, de fato, a Fernanda Perrin pode fazer propaganda à vontade, travestida de texto jornalístico, pois não tem com o que se preocupar. Se a base de Guantánamo fosse russa, aí sim, a Abin poderia supor que a repórter teria sido “cooptada” por um agente russo, para fazer propaganda de Moscou.

Turquia anuncia medidas comerciais contra Israel

A agência Reuters noticiou, nesta segunda-feira, reproduzindo um informe do Ministério do Comércio turco, que a Turquia restringirá as exportações de uma ampla gama de produtos para Israel, incluindo aço e combustível de aviação, até que um cessar-fogo seja declarado em Gaza, na primeira medida significativa de Ancara contra Israel. A contundente derrota do Partido do presidente Erdogan nas eleições municipais teve como uma das causas principais a crítica da população ao que seria um jogo duplo do governo turco: declarações fortes sobre o genocídio promovido por Israel contra o povo palestino enquanto ao mesmo tempo preservava as relações comerciais com o Estado sionista.

HSBC saí da Argentina e concentra negócios na Ásia

O HSBC, depois de prejuízos na casa dos bilhões de dólares, vendeu seus negócios na Argentina para o quinto maior banco local, o Grupo Financeiro Galicia, por US$ 550 milhões. O HSBC decidiu concentrar seus negócios na Ásia, enquanto vê seu império, outrora abrangente, encolher. Depois de sair do Brasil e da Turquia, o HSBC está deixando o Canadá, a França, Alemanha etc., enquanto expande investimentos na Índia, Singapura e China. Com informações da Reuters e Bloomberg.

Toda questão deve ser formulada dialeticamente; isto é, não devemos esquecer jamais que tudo muda, que cada coisa tem seu tempo e lugar e que, em consequência, devemos apresentar as questões também de acordo com as condições concretas.”

Stálin, Artigo: Sobre a questão agrária, 1906

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