Em documentário, as memórias de um militante do PCdoB. Assista!

Além dos ótimos depoimentos de Claudevan, o curta, de 20 minutos, desperta interesse por sua coleção de tudo que diz respeito ao PCdoB por mais de 20 anos

Cena do curta-metragem Um Militante de Base, que traz depoimento do militante comunista Claudevan Melo

É apenas no fim do curta-metragem Um Militante de Base, de Carlos Pronzato, que temos a apresentação de seu protagonista: “Claudevan Melo, migrante de Alagoas, radicado em São Paulo de 1970 a 2022. Metalúrgico, trabalhou em montadoras e concessionárias de automóveis”.

Como boa parte dos operários que aderiram ao PCdoB em São Paulo na década de 1970, Claudevan foi “recrutado” no chão da fábrica – mais especificamente, na planta da Ford que ficava no bairro do Ipiranga. “Eu entrei no Partido através da militância sindical”, conta ele no curta.  Quem o convidou a conhecer as ideias e fazer parte do PCdoB foi o também operário Luiz Balduino, que trabalhava em outra empresa do Ipiranga, a Linhas Correntes.

Eram tempos de ditadura militar e forte repressão aos comunistas. Por razões de segurança, a orientação era abordar brevemente os trabalhadores nas fábricas e, aos poucos, integrá-los aos “pontos” do PCdoB – em geral, a casa dos camaradas mais experientes. Os comunistas, ainda clandestinos, viam filmes, liam jornais e livros, debatiam a resistência.

Com a abertura “lenta, gradual e segura” do regime – cujo principal marco foi a Lei da Anistia, de 1979 –, o PCdoB entrou num período de semiclandestinidade. Exemplo claro dessa transição foi a volta de João Amazonas ao Brasil, após mais de dois anos de exílio na Europa. Milhares de filiados e simpatizantes do Partido foram às ruas de São Paulo para receber o líder comunista.

O PCdoB lançou, então, o jornal Tribuna da Luta Operária. Ser um “tribuneiro” – ou seja, vender exemplares da Tribuna nas fábricas, nas universidades, em qualquer local com concentração de pessoas – passou a ser um dos compromissos centrais da militância.

Além das reuniões, Claudevan já estava acostumado a distribuir panfletos e a fazer pixações em muros – tudo às escondidas. A adaptação aos novos tempos da ditadura foi rápida. Mesmo assim, ele foi preso cinco vezes – “para averiguação”, conforme a linguagem policial da época. A cada prisão, era agredido pelo delegado.

Uma de suas recordações remonta à luta pela legalização do PCdoB, no início dos anos 1980. Sua referência, nesse período, era o líder metalúrgico e deputado federal Aurélio Peres. “Nós íamos para as portas das fábricas às 5 horas da manhã”, lembra. “Tinha um caminhão, tinha o microfone, e ele falava com os operários.” A meta: alcançar mais filiações ao Partido.

Quando o PCdoB foi, enfim, legalizado, em 1985, as organizações de bases se multiplicaram. Claudevan foi um dos militantes que viabilizaram a sede do comitê distrital do Ipiranga. Tudo aquilo que era feito clandestinamente – exibir filmes políticos, estudar textos marxistas, debater a situação do Brasil – passou a ser realizado às claras.

A saga militante de Claudevan virou filme por acaso. O militante do PCdoB já tinha voltado para Alagoas quando Carlos Pronzato o visitou por conta de outro documentário. “Quando fui ver o acervo, vi uma caixa onde estava escrito ‘Che Guevara’. Foi o ponto de partida”, diz o cineasta.

Além dos ótimos depoimentos de Claudevan, o curta, de 20 minutos, desperta interesse por sua imensa coleção de tudo que diz respeito ao PCdoB por mais de 20 anos. São publicações, bandeiras, bottons, vídeos e áudios – invariavelmente em ótimo estado. Ao interesse pelo Partido, somou-se a admiração por Che.

Nos últimos minutos, saem os relatos, entram as reflexões pessoais. Claudevan diz, em tom crítico, que o tipo de militância que desenvolveu tem cada vez menos espaço. Reclama do foco em novas tecnologias, cobra mais conversas presenciais. Avalia que a participação do PCdoB em mandatos e governos prejudicou o trabalho de base.

São elementos a consideramos – e eu próprio lhe manifestei pessoalmente minhas concordâncias e divergências. “Tornei-me um pessimista convicto”, disse-me Claudevan.  Respondi com uma célebre citação: “Gramsci receitava pessimismo na análise e otimismo na ação”.

Há 12 anos, em entrevista ao Vermelho, Aurélio Peres afirmou que não se arrependia de nada em sua militância – contemporânea à Claudevan –, mas preferia não comparar passado e presente. “Foram tempos muitos difíceis, e não sinto saudades”, declarou o ex-deputado.

O documentário Um Militante de Base tem, acima de tudo, o mérito de valorizar um tipo de atuação quase anônima – e, no entanto, fundamental para levar adiante o ideal do socialismo, mesmo em condições extremamente adversas. O PCdoB acaba de completar 102 anos. Essa história secular foi construída por estudiosos, dirigentes, lideranças, parlamentares, governantes – mas também por centenas de milhares de militantes indispensáveis à luta. Não deixe de ver Um Militante de Base.

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