Ação de Israel em Gaza é “ilegal e imoral”, diz ministro Mauro Vieira
Ministro das Relações Exteriores esteve em Ramala, sede da Autoridade Nacional Palestina, para receber pelo presidente Lula outorga de membro da Fundação Yasser Arafat
Publicado 18/03/2024 14:45 | Editado 19/03/2024 13:58
No último domingo (17), o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, esteve em Ramala, capital administrativa da Autoridade Nacional Palestina, na Cisjordânia. Ele recebeu em nome do presidente Lula a outorga de Membro Honorário do Conselho dos Curadores da Fundação Yasser Arafat. Na ocasião, classificou a ação de Israel em Gaza como “ilegal e imoral” e disse que “a credibilidade do atual sistema de governança internacional está sob os escombros” do território palestino.
Durante a passagem, Vieira se reuniu com o primeiro-ministro Mohammed Shtayyeh e o presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, reiterando a necessidade de uma “paz duradoura para o Oriente Médio, com dois Estados, Palestina e Israel, convivendo lado a lado, em paz e segurança.”
A viagem do ministro ainda conta com passagens pela Jordânia, Libano e Arábia Saudita.
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No discurso feito aos palestinos na Mukata’a, sede do Governo Palestino, lembrou do líder corajoso que foi Arafat, que dedicou a sua vida aos palestinos e chegou a receber o Prêmio Nobel da Paz.
Apesar da homenagem que conferiu a Lula o título, celebrando os laços de amizade entre Brasil e Palestina, Vieira não se furtou em reforçar o posicionamento do país quanto ao conflito no Oriente Médio. O chanceler colocou que o momento é “de pesar e tristeza devido à guerra em Gaza” […] “pelas inaceitáveis perdas da população civil e pela destruição.”
E continuou: “Deixe-me dizer isso em alto e bom som. É ilegal e imoral privar as pessoas de comida e água. É ilegal e imoral atacar comboios humanitários e pessoas que procuram ajuda. É ilegal e imoral impedir que doentes e feridos tenham acesso a suprimentos médicos essenciais. É ilegal e imoral destruir hospitais, locais religiosos e sagrados, cemitérios e abrigos.”
Ele lembrou que o presidente Lula condenou os ataques contra israelitas em 7 de Outubro, exigiu a libertação imediata de todos os reféns e salientou que a resposta de Israel foi desproporcional, pois o “número de vítimas mortais já ultrapassou 31 mil e o número de pessoas deslocadas à força corresponde a mais de 80 por cento da população”.
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Nesse contexto, indicou que tem faltado credibilidade ao atual sistema de governança internacional. Mas posicionou o Brasil como apoiador do processo na Corte Internacional de Justiça que indicou a Israel tomar todas as medidas para prevenir os atos considerados genocídio, “a fim de evitar danos irreparáveis”, além de pedir a retomada da ajuda humanitária à Agência das Nações Unidas para Refugiados da Palestina (UNRWA).
Por fim, indicou que o presidente Lula trabalha pessoalmente junto a outros chefes de Estado pelo cessar-fogo e pela libertação dos reféns remanescentes, e reiterou o apoio do Brasil pela solução de dois Estado.
Confira o discurso do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, na íntegra:
Sua Excelência o Primeiro Ministro do Estado da Palestina, Mohammed Shtayyeh;
Sua Excelência o Presidente do Conselho Nacional da Palestina, Rawi Fattouh;
Presidente do Conselho dos Curadores da Fundação Yasser Arafat, Musa Hadid;
Prezados Ministros,
Autoridades Palestinas,
Diretor Geral da Fundação Yasser Arafat, Embaixador Ahmed Soboh;
Ilustres convidados,
Senhoras e senhores,
É com grande satisfação que retorno à Mukata depois de duas décadas. Em 2003, tive a honra de visitar o Presidente Yasser Arafat para entregar-lhe uma carta-convite assinada pelo Presidente Lula da Silva para participar da Cúpula América do Sul-Países Árabes, realizada em Brasília, em maio de 2005.
O próprio Presidente Lula esteve na Mukata em 2010, durante a primeira visita de Estado de um presidente brasileiro à Palestina. Mais tarde naquele ano, o Brasil reconheceria o Estado da Palestina, abrindo caminho para que outros países da América do Sul fizessem o mesmo.
É um grande privilégio para mim voltar aqui 21 anos depois para representar novamente o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste momento na cerimônia de outorga do título de Membro Honorário do Conselho dos Curadores da Fundação Yasser Arafat.
Este título tem um significado especial para o Presidente Lula, que sempre expressou o seu respeito e admiração pelo Presidente Yasser Arafat e pela sua luta pela autodeterminação do povo palestino.
O próprio Presidente Lula teve a oportunidade, há algumas semanas, em Brasília, por ocasião de jantar oficial na Embaixada da Palestina, de agradecer publicamente, na presença de embaixadores árabes no Brasil, à Fundação Yasser Arafat pela iniciativa de conferir a ele tal distinção.
Ele se sente muito honrado em ser recebido e fazer parte deste órgão, que conta, entre seus membros, com personalidades muito importantes da política e da sociedade palestinas. O líder da luta palestina pela paz através do diálogo e da diplomacia, Presidente Mahmoud Abbas, é ele próprio o presidente honorário do Conselho.
A Fundação Yasser Arafat personifica o longo esforço do Povo Palestino pela liberdade, pelo direito à autodeterminação e pelo legítimo reconhecimento internacional do seu Estado.
Esta Fundação presta uma justa homenagem, com a sua existência, ao líder histórico mais representativo do povo palestino e é uma organização importante na promoção da memória palestina. Arafat foi um líder corajoso e resoluto, que dedicou a sua vida aos palestinos.
Laureado com o Prêmio Nobel da Paz, juntamente com Ytzhak Rabin, ele deixou um legado de devoção, moderação e persistência, que hoje caracteriza a Autoridade Nacional Palestina, representada pelo Presidente Mahmoud Abbas.
Mais do que uma distinção pessoal, vemos a iniciativa da Fundação de conferir ao Presidente Lula o título de Membro Honorário do Conselho dos Curadores da Fundação Yasser Arafat como uma homenagem aos tradicionais laços de amizade e solidariedade que unem os povos do Brasil e da Palestina.
Este prêmio também evoca e celebra a rica e diversa herança étnica e cultural compartilhada pelo Brasil e pelo mundo árabe. Este legado engloba valores como solidariedade, tolerância e capacidade de conviver de forma respeitosa e harmoniosa com a multiplicidade que caracteriza as nossas sociedades.
Senhoras e senhores,
Infelizmente, reunimo-nos hoje para esta cerimónia em um momento de pesar e tristeza devido à guerra em Gaza. Permitam-me expressar a solidariedade do governo e do povo brasileiro com o povo palestino, especialmente em Gaza, pelas inaceitáveis perdas da população civil e pela destruição.
Deixe-me dizer isso em alto e bom som. É ilegal e imoral privar as pessoas de comida e água. É ilegal e imoral atacar comboios humanitários e pessoas que procuram ajuda. É ilegal e imoral impedir que doentes e feridos tenham acesso a suprimentos médicos essenciais. É ilegal e imoral destruir hospitais, locais religiosos e sagrados, cemitérios e abrigos.
O rasto de destruição e morte entre pessoas inocentes que hoje assistimos não será esquecido. O sentimento de desespero pela vida dos recém-nascidos prematuros apanhados no meio de uma operação num hospital não será apagado. A imagem de pessoas famintas e desesperadas por comida e água sob fogo cruzado não desaparecerá das nossas memórias. A visão de crianças esqueléticas de Gaza, morrendo de fome, nunca deixará de assombrar as nossas mentes durante as gerações vindouras.
O flagelo da guerra persegue-nos novamente, à medida que todos os limites da nossa humanidade partilhada já foram ultrapassados.
É por isso que o Presidente Lula fez um apelo, durante a 37ª Cúpula da União Africana, em Adis Abeba, para que resgatemos as nossas melhores tradições humanistas. Nessa perspectiva, condenou os ataques contra civis e militares israelitas em 7 de Outubro e exigiu a libertação imediata de todos os reféns. Ao mesmo tempo, rejeitou a resposta desproporcional de Israel, que já matou e deslocou milhares de pessoas na Palestina.
A voz forte do Presidente Lula, que pede o fim do conflito em Gaza, é a de profunda indignação e de alguém que procura sinceramente preservar e valorizar a importância suprema da vida humana.
Senhoras e senhores,
A credibilidade do atual sistema de governança internacional está sob os escombros de Gaza.
O número de vítimas mortais já ultrapassou 31 mil e o número de pessoas deslocadas à força corresponde a mais de 80 por cento da população. Os sistemas de saúde e saneamento foram praticamente destruídos, assim como os de abastecimento de água, medicamentos, energia e alimentos.
Após os ataques mortais de 7 de outubro, o Brasil, enquanto membro não-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, trabalhou incansavelmente para aprovar uma resolução pedindo um cessar-fogo imediato e o envio de ajuda humanitária à população de Gaza . O impasse decisório que não permitiu a aprovação do projeto proposto pelo Brasil teve custos. No dia da votação do projeto brasileiro, 18 de outubro de 2023, havia 3.400 mil palestinos mortos e 12 mil feridos. Hoje, há mais de 31 mil mortos e 73 mil feridos em Gaza, 70% dos quais são mulheres e crianças, e um elevado número de mais de 7 mil desaparecidos.
O Brasil apoiou publicamente o processo instaurado pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça visando avaliar se o governo de Israel está violando a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. Embora aceitando o pedido e reconhecendo a plausibilidade do caso que lhe foi submetido, a Corte emitiu, em 26 de janeiro, medidas cautelares exigindo que Israel tomasse todas as medidas ao seu alcance para prevenir todos os atos considerados genocídio, a fim de evitar danos irreparáveis. Estas medidas são de implementação imediata e obrigatória.
Diante disso, o Brasil saúda a decisão de muitos países de retomar a ajuda humanitária à Agência das Nações Unidas para Refugiados da Palestina (UNRWA). Essas contribuições estão em conformidade com as medidas provisórias do Corte Internacional de Justiça, que solicita a Israel que tome medidas imediatas e eficazes para permitir assistência humanitária urgente e serviços básicos.
Usar a fome e a sede como armas de guerra equivale a um castigo coletivo. Este é o momento em que a população palestina mais necessita do valioso trabalho da UNRWA.
Como membro do Comitê Consultivo da UNRWA, o Brasil continuará a contribuir para o trabalho da Agência, que beneficia mais de cinco milhões de refugiados palestinos. Em consonância com outros doadores tradicionais, o Brasil também continuará fazendo contribuições regulares à organização.
O Brasil também parabeniza as Nações Unidas por realizar uma investigação rápida e completa das denúncias contra 12 funcionários da UNRWA por suposta participação nos ataques de 7 de outubro, ao mesmo tempo em que enfatiza que tais acusações não podem comprometer o trabalho essencial da Agência.
Embora a comunidade internacional ainda não tenha chegado a um acordo sobre uma decisão para acabar com o horror humanitário em Gaza, o Brasil não desistirá do seu compromisso com a diplomacia e continuará a defender forte e inequivocamente o fim imediato desta violência abominável.
O Presidente Lula continua trabalhando pessoalmente com outros chefes de Estado e de Governo em busca de um cessar-fogo, da libertação dos reféns remanescentes, da proteção da população civil e do estabelecimento de um fluxo constante de ajuda humanitária para Gaza.
Senhoras e senhores,
Tal como enfatizei em audiência perante o Senado brasileiro na última quinta-feira, o conflito entre Israel e a Palestina não é algo novo. Pode ser considerado o último grande conflito colonial não resolvido, depois de quase 70 anos de discussões, guerras e acordos negociados, muitos dos quais nunca foram implementados.
É hora de se chegar a uma solução política justa e duradoura para este conflito prolongado. O povo palestiniano esperou muito tempo pela realização da sua justa aspiração à criação de um Estado.
Como afirmou o Presidente Lula em sessão extraordinária da Liga dos Estados Árabes no Cairo, há algumas semanas, não haverá paz até que haja um Estado Palestino, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas, que incluam a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, e com Jerusalém Oriental como sua capital.
A decisão sobre a existência de um Estado palestino independente foi tomada há 75 anos pelas Nações Unidas. 139 dos 193 membros da ONU já reconhecem a Palestina como um Estado. Portanto, não há razão para a Palestina não ser membro pleno das Nações Unidas.
Mantemo-nos firmes no apoio à admissão da Palestina nas Nações Unidas, como membro pleno.
Reiteramos também o apoio do Brasil a uma paz duradoura para o Oriente Médio, com dois Estados, Palestina e Israel, convivendo lado a lado, em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e reconhecidas internacionalmente.
Senhoras e senhores,
Permitam-me concluir desejando-lhes Ramadan Kareem, embora este não seja um momento de verdadeira felicidade. Fiquei emocionado ao ver fotos de famílias em Gaza celebrando os jantares Iftar com tão pouca comida, rodeadas de edifícios e casas destruídas, de luto pelos seus queridos parentes, mas com algumas luzes e decoração feita por crianças. Por mais tristes e preocupantes que sejam essas imagens, elas mostram a força e a resiliência do corajoso povo palestiniano. Essa força é sua melhor bênção.
Em nome do Presidente Lula, agradeço a todos.