Direita e ultradireita obtêm vitória nas eleições parlamentares em Portugal

Embora o resultado seja equilibrado, a direita tem maioria parlamentar, e deve formar o governo. A ultradireita do Chega cresceu bem mais que o previsto, saltando de 12 para 48 deputados.

Chega quer “limpar Portugal”, mas tem deputados com problemas na Justiça. André Ventura, presidente do partido de ultradireita é eleito como cabeça-de-lista do círculo de Lisboa.

As eleições legislativas em Portugal, ocorridas neste domingo (10), proporcionaram um cenário de disputa acirrada entre as forças políticas do país. A Aliança Democrática (AD), representante da direita tradicional, e o Partido Socialista (PS), líder da esquerda, travaram uma batalha voto a voto pela maioria dos votos e das vagas na Assembleia da República. A vitória da AD e a maioria parlamentar da direita tornam improvável a formação de um governo socialista, o que representaria uma guinada nos rumos do país, nos próximos anos.

Uma nova configuração política emergiu desta eleição, abalando o bipartidarismo que dominou a cena desde 1987. Apesar do crescimento do partido de extrema direita Chega, as duas maiores forças políticas, o PS e a AD, permanecem em uma posição de poder considerável. O partido que começou com um deputado e elegeu doze na última eleição, agora vai a 48 parlamentares reacionários no Congresso português. Nunca houve na democracia uma terceira força política em Portugal desta dimensão.

Somados os resultados do PS e da AD, essas forças políticas garantem dois terços dos deputados do Parlamento, condição que lhes permite celebrar pactos de regime e até mesmo revisar a Constituição. Com 156 deputados, mais do que os dois terços necessários dos 230 deputados do Parlamento, PS e AD têm a capacidade de conduzir importantes processos legislativos sem depender das vontades dos demais partidos.

Um dos principais processos legislativos que podem ser retomados é a revisão constitucional, que caiu por terra com a dissolução do Parlamento. Segundo a Constituição portuguesa, é necessário uma maioria de dois terços dos deputados para confirmar decretos presidenciais em áreas como relações externas, propriedade dos meios de produção e regulamentação dos atos eleitorais. Além disso, essa maioria é necessária para confirmar decretos ou acordos internacionais considerados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional.

Votação pulverizada

A frente conservadora, liderada por Luís Montenegro da AD, conquistou 29,5% dos votos, assegurando 77 deputados e com previsão de superar os 80 parlamentares eleitos para a próxima legislatura. Este resultado indica a possibilidade de Montenegro assumir como novo primeiro-ministro, liderando um governo de coalizão composto pela AD, pelo Centro Democrático Social (CDS) e pelo Partido Popular Monárquico (PPM).

Por outro lado, o Partido Socialista (PS), liderado por Pedro Nuno Santos, obteve 28,7% dos votos, garantindo 75 cadeiras na Assembleia, com expectativa de se aproximar da marca de 80 vagas. Este resultado marca o fim da hegemonia mantida pelo PS durante os oito anos do mandato de António Costa, interrompido em 2023 por denúncias de corrupção em licitações.

Apesar da proximidade dos resultados, ainda não está definido o quadro político. A possibilidade de um partido obter a maioria dos votos enquanto outro conquista a maioria das vagas na Assembleia não está descartada, dada a situação de equilíbrio.

A terceira força política mais votada foi o partido de extrema direita Chega, que alcançou 18,1% dos votos e elegeu 46 parlamentares, com expectativa de chegar a aproximadamente 50 até o final da apuração. Esse resultado coloca o Chega em posição de negociar com a AD, tornando-se uma peça-chave para a formação de maioria parlamentar.

Diante desse cenário, o líder do Chega, André Ventura, já sinalizou a disposição para uma aliança com a AD, destacando a importância de uma união para garantir uma maioria estável no parlamento.

No entanto, a formação dessa maioria dependerá de negociações que terão início nesta segunda-feira (11). Diversos acordos podem ser discutidos, inclusive uma possível coligação entre a AD e o PS, algo inédito dadas as rivalidades históricas entre os dois setores políticos.

Além disso, outras forças políticas também tiveram destaque nas eleições. A Iniciativa Liberal (IL) conquistou 5,1% dos votos, elegendo sete deputados. Por outro lado, partidos de esquerda, como o Bloco de Esquerda (BE) e a Coligação Democrática Unitária (CDU), enfrentaram sua pior votação em décadas, obtendo apenas 4,5% e 3,2% dos votos, respectivamente.

Vitoriosos e derrotados

Luís Montenegro lidera novamente a frente conservadora, embora com uma margem tão estreita que ainda pode ser revertida. Contudo, a perspectiva de um governo da AD parece iminente, com Montenegro como primeiro-ministro. A ausência de uma maioria de esquerda no Parlamento torna improvável uma “geringonça”, e embora Montenegro tenha rejeitado alianças com o Chega, é pouco provável uma moção de rejeição ao seu governo.

André Ventura tornou-se o líder de uma força considerável no Parlamento. Com 48 parlamentares, o Chega supera até mesmo o resultado histórico do PRD em 1985. O líder do Chega reitera o desejo de integrar o próximo governo, consolidando sua posição como figura de destaque na política portuguesa.

Apesar das dificuldades internas, Rui Rocha da Iniciativa Liberal manteve sua bancada de oito deputados, aumentou seu número de votos e consolidou sua posição como um parceiro importante para o PSD na formação de governo, particularmente em questões orçamentais.

Apesar de não ter aumentado sua representação parlamentar, o Bloco de Esquerda conseguiu crescer em termos percentuais e absolutos, mantendo-se como uma força relevante na política portuguesa. A liderança de Mariana Mortágua foi considerada vitoriosa para esse resultado.

O PS, liderado por Pedro Nuno Santos, sofre uma derrota eleitoral significativa, não alcançando a maioria parlamentar e ficando abaixo dos 30% dos votos. A vitória da AD e a maioria parlamentar da direita tornam improvável a formação de um governo socialista.

A coligação comunista, sob a liderança de Paulo Raimundo (PCP/PV) enfrenta mais uma derrota eleitoral, perdendo representação parlamentar e falhando em reverter a tendência de declínio eleitoral.

O PAN estagnou em termos de representação parlamentar e enfrentou críticas internas em relação à sua estratégia política ambígua, liderada por Inês Sousa Real. A falta de coesão interna e a incapacidade de formar uma bancada na Assembleia da República refletem uma performance decepcionante.

O presidente Marcelo Rebelo de Sousa enfrenta um cenário político incerto e desafiador, com a perspectiva de nomear um novo governo e enfrentar possíveis impasses no Parlamento. A necessidade de lidar com uma série de dilemas políticos pode colocar sua liderança à prova nos próximos anos.

As confusões geradas durante as eleições, devido à divergência na forma como os partidos foram registrados, destacam a necessidade de maior uniformidade e clareza no processo eleitoral para evitar distorções nos resultados. O Tribunal Constitucional sai com a imagem arranhada desses episódios.

Mercados tranquilos

As eleições, que prenunciam um período de incerteza política, não parecem ter abalado significativamente os mercados financeiros do país. Ações de empresas portuguesas e títulos de dívida pública registraram variações moderadas no dia seguinte às eleições, refletindo uma reação dos investidores em linha com suas expectativas.

Contrariando o padrão comum de fuga de investidores durante períodos de incerteza política, os mercados financeiros portugueses permaneceram estáveis. Uma das explicações para essa reação moderada reside no fato de que os resultados eleitorais estavam em linha com as expectativas, com a vitória da Aliança Democrática (AD) sem maioria absoluta.

Não houve grandes mudanças nas expectativas de crescimento econômico nem na perspectiva de adoção de medidas que impactem setores específicos da economia. No que diz respeito à dívida pública, os investidores mantêm a confiança de que tanto o PS quanto a AD mantêm um consenso em relação a uma política fiscal prudente. As agências de rating também compartilham dessa visão, esperando que a prudência orçamental seja mantida, mesmo diante de um parlamento fragmentado.

No geral, os mercados financeiros de Portugal demonstraram resiliência frente à incerteza política, mantendo-se estáveis e confiantes na capacidade do país de manter uma trajetória fiscal sólida e seguir em frente com seus planos de recuperação econômica.

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