Futebol masculino no Brasil é misógino e despreza a luta feminista
Na semana do 8M, Cuca foi anunciado como novo treinador do Athlético, enquanto Robinho, condenado por estupro, foi recebido no CT do Santos. Neymar ajudou Daniel Alves.
Publicado 08/03/2024 10:23 | Editado 08/03/2024 10:39
Em meio as celebrações deste 8 de março, dia Internacional das Mulheres, o futebol masculino brasileiro dá péssimo exemplo e abraça casos de misoginia. Casos como dos ex-atletas Robinho e Daniel Alves, ambos acusados e condenados por estupro, além de Cuca e Neymar, expõem o comportamento machista normalizado dos atletas e cartolas do país.
Na última terça (5), o Athletico do Paraná deu início a era Cuca no comando técnico do futebol masculino. A contratação por parte da diretoria do presidente Mario Celso Petraglia, um dos maiores reacionários no esporte, ocorre após Cuca ser escorraçado do Corinthians, em abril de 2023, por causa de seu envolvimento num caso de estupro de uma menor de idade, ocorrido em 1987, na Suíça.
O caso aconteceu durante uma excursão do Grêmio pela Europa. Ao saberem que o time brasileiro estava hospedado na cidade suíça, a menina Sandra Pfäffli, de 13 anos, e mais dois amigos bateram na porta do quarto do hotel em que estavam quatro jogadores do tricolor gaúcho, Cuca, Henrique Etges, Eduardo Hamester e Fernando Castoldo.
Em depoimentos na época, os dois garotos alegaram que os gremistas seguraram a jovem no local. Cerca de 30 minutos depois, ela apareceu na recepção alegando ter sido estuprada.
De lá para cá, o caso foi sendo esquecido pela população, muito por causa da falta de presença feminina nas redações esportivas da imprensa brasileira e Cuca passou de jogador de futebol a técnico sem ter que dar muitas explicações sobre seu processo na Suíça. O treinador conquistou uma série de títulos importantes, entre eles uma Libertadores (2013) e um Brasileirão (2016).
As negociações entre Cuca e a diretoria de Petraglia, apesar dos protestos de torcedores do clube, avançaram e nesta terça, em plena semana em que se comemora o dia Internacional da Mulher, o treinador se tornou o nome para comandar o Furacão no ano do centenário do clube.
O descaso da diretoria do Athlético após a mobilização da sociedade não é uma parte isolada dentro do futebol brasileiro. Uma semana antes, na última terça (27) de fevereiro, o ex-atacante Robinho, condenado pela Justiça italiana a nove anos de prisão pelo estupro coletivo de uma mulher albanesa em Milão, em 2013, foi convidado a participar de um churrasco no CT Rei Pelé, do Santos.
A confraternização reuniu jogadores, integrantes da comissão técnica e diretoria. O ex-atacante permaneceu no local por cerca de 40 minutos e tirou fotos com os presentes.
Ao jornalista Maurício Noriega, o presidente do Santos, Marcelo Teixeira normalizou foto e a visita do ex-jogador.
“O Robinho tem uma lida história com o Santos Futebol Clube. Se tivessemos o convidado para o churrasco, teríamos assumido a responsabilidade. Ele foi para o CT com seu filho para exames médicos e foi levado a cumprimentar algumas pessoas. O Pedrinho deve ter tirado essa foto, eu não vejo nenhum prejuízo à imagem do clube que deve separar um ídolo esportivo de sua vida pessoal”, respondeu.
Pedrinho, o jogador que convidou Robinho a participar do churrasco, chegou a ser dispensado do São Paulo, em 2023, após acusações de agredir a namorada. Uma reaproximação retirou o pedido das medidas protetivas e a diretoria santista aproveitou os baixos custos de contratação para contar com o jogador nesta temporada.
Robinho deve ter a sua condenação por estupro homologada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), após a PGR (Procuradoria Geral da República) defender que o atleta cumpra a pena decidida pela Justiça italiana.
Caso confirmada a sentença, o ex-atacante do Santos e da Seleção Brasileira deve ser alvo de uma ordem de prisão autorizada pelos ministros da Corte.
Os dois casos revelam, no mínimo, uma insensibilidade da cartolagem dos clubes ao lidar com tais situações e a falta de conhecimento da luta feminina. Petraglia e Teixeira, e até mesmo os dirigentes da CBF (Comissão Brasileira de Futebol), deveriam atuar para que casos de misoginia e machismo no esporte brasileiro fossem discutidos para que futuros casos sejam rechaçados.
Como disse a jornalista Milly Lacombe, do UOL, sobre Cuca: “Quem deveria agir para que houvesse alguma reparação? A CBF deveria orientar Cuca a ir se educar. A CBF deveria obrigar os clubes a fazerem cursos. A CBF deveria ela mesma realizar cursos para seus funcionários. O Athletico deveria dizer: adoraríamos recebê-lo, Cuca, mas pediríamos para que você, enquanto for nosso treinador, se inscrevesse em programas sociais que eduquem sobre machismo e misoginia, que revertesse uma parte de seu salário para ajuda à lei Maria da Penha, que se implicasse nessa luta porque temos milhões de torcedoras e não queremos que elas se sintam ofendidas com a sua contratação. É pedir muito que clubes, CBF e dirigentes ajam com essa migalha de dignidade?”
Neymar envia R$ 800 mil a Daniel Alves para reduzir pena
Enraizado no futebol brasileiro como uma praga, o descaso com a luta feminista está estampado no rosto do maior astro da atualidade no país. O atacante Neymar, referência técnica da última década da Seleção, cedeu advogado e enviou R$ 800 mil para reduzir pena de Daniel Alves, ex-jogador condenado pela Justiça espanhola a 4 anos de prisão pelo estupro de uma jovem, em uma balada de Barcelona.
O caso é revelador, e mostra como a boleiragem atingiu um nível de escatológico de aversão a mulher.
Daniel Alves passou 13 meses na cadeia antes de ter a sua condenação confirmada. Preso preventivamente, o ex-lateral direito do Barça mudou sua versão sobre os fatos por cinco vezes, não deixando dúvidas para a juíza Isabel Delgado, que ainda ordenou que o brasileiro tenha liberdade supervisionada por outros cinco anos.
A materialidade dos fatos, no entanto, não sensibilizou o ex-companheiro de Barcelona, Neymar, que ao se inteirar sobre a situação jurídica do amigo, foi ao seu socorro.
Segundo a sentença, o tribunal aplicou ao ex-jogador uma circunstância atenuante de reparação do dano ao considerar que “antes do julgamento, a defesa depositou na conta do tribunal a quantia de 150 mil euros (R$ 801,2 mil) para ser entregue à vítima independentemente do resultado do julgamento, e esse fato expressa, segundo o tribunal, ‘uma vontade reparadora'”.
Os 150 mil euros pagos por Daniel Alves ao tribunal foram doados pela família de Neymar, segundo informações do jornal O Globo. Ao g1, a assessoria de Neymar disse que não se manifestaria. Neymar ajuda Daniel Alves financeiramente e juridicamente desde janeiro deste ano. O ex-jogador está sem acesso aos seus bens desde que foi preso, em janeiro de 2023.
Segundo o jornal catalão “La Vanguardia”, além da redução do tempo de condenação, o atenuante abre a possibilidade para que Daniel Alves possa sair da prisão mediante permissões quando tiver cumprido um quarto da sentença, ou seja, um ano, um mês e quinze dias.