Governo reage para impedir quebradeira de empresas aéreas
Desde a pandemia, empresas como Gol e Azul sofrem com endividamento. Governo estuda mudanças no preço do querosene, redução de ações judiciais contra empresas e novas formas de financiamento.
Publicado 22/01/2024 18:07 | Editado 22/01/2024 19:22
As empresas aéreas ainda sofrem com os impactos da pandemia, tanto pela perda de demanda, quanto pela desestruturação da cadeia produtiva da indústria de aeronaves. No Brasil, o caso mais grave é da Gol Linhas Aéreas, mas a Azul também tem perdido valor acionário. Há discussões no governo para uma eventual ajuda as empresas, assim como um programa para redução do preço das passagens, o que aumentaria a demanda.
Enquanto países com indústrias de aviação consolidadas destinaram recursos para salvar suas companhias aéreas, o Brasil, apesar de suas dimensões continentais, não adotou medidas semelhantes no governo Bolsonaro.
A Gol Linhas Aéreas, que enfrenta uma crise financeira e estuda a recuperação judicial nos Estados Unidos por meio do Chapter 11, pode influenciar a tramitação de um possível socorro ao setor aéreo no Congresso Nacional. A empresa, que enfrenta negociações difíceis com credores e acumula cerca de R$ 20 bilhões em dívidas, tem estimulado o debate no governo e no Congresso da possibilidade de ajuda por meio do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) como garantia para créditos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O fundo é formado com recursos pagos pela outorga de aeroportos concedidos ao setor privado.
Enquanto Latam e Azul ampliaram seus voos para 2024, a Gol promoveu um corte de 8,45% —mais de 4.500 voos em seu planejamento de operações para o primeiro trimestre deste ano. A situação preocupa os consumidores, especialmente aqueles que compraram ou planejam comprar passagens da empresa. Especialistas dizem que os consumidores não devem temer a entrada da Gol em recuperação judicial, pois ela vai continuar operando.
A Gol, assim como qualquer companhia em recuperação judicial, tem o interesse de manter suas operações e serviços, para que a reestruturação seja bem sucedida. Empresas aéreas como Avianca, Varig, Vasp e a Latam já passaram por processos de recuperação judicial. No caso da Latam em 2020, a empresa conseguiu se reestruturar com sucesso após entrar em recuperação nos EUA.
A crise na Gol é agravada pela perda de R$ 293 milhões em valor de mercado na B3 em apenas dois dias, e a empresa enfrenta dificuldades em honrar compromissos financeiros, especialmente com as empresas de leasing que fornecem aeronaves em formato de arrendamento. As ações da Gol e da Azul na B3 despencaram 24,75% e 21,61%, respectivamente, neste ano, anulando parte dos ganhos do ano passado.
O Projeto de Lei (PL) 3221/23, que está em discussão na Câmara dos Deputados, prevê o uso do FNAC como lastro de garantias prestadas pela União em operações de crédito. Apensado ao PL 5442/2020, oriundo do Senado, o substitutivo foi aprovado em regime de urgência em dezembro na Câmara. Entretanto, o tempo pode ser um desafio para a Gol, já que o texto precisa retornar ao Senado antes de ser sancionado.
O PL 3221/23 visa utilizar o FNAC como garantia para viabilizar crédito do BNDES às empresas aéreas, que enfrentam passivos elevados e patrimônio líquido negativo. O BNDES não costuma emprestar recursos para capital de giro, mas técnicos do BNDES indicaram que a aprovação desse uso do FNAC poderia destravar uma linha de crédito para o setor, contribuindo para a superação da crise.
Voa Brasil
As companhias já iniciaram o ano pressionadas a reduzir os preços das passagens. O desejo de viagens mais baratas vem por parte do consumidor e do governo Lula, que assumiu o posto no ano passado resgatando o bordão de que nas suas gestões o pobre viajava de avião. O governo está tentando trabalhar em relação a isso, colocando programas como Voa Brasil, que oferece passagens de até R$ 200 para aposentados com renda até dois salários-mínimos e estudantes do Prouni.
Com isso, o presidente Lula pretende se reunir com executivos das principais companhias aéreas do país para discutir medidas que possam baratear os preços das passagens. Entre as iniciativas propostas, estão mudanças na fórmula de precificação do querosene de aviação, redução de ações judiciais contra as empresas e novas formas de financiamento.
O cenário atual das empresas aéreas é marcado pela volatilidade cambial e pelos preços do petróleo, com parte dos passivos e custos dolarizados e faturamento em real. A Gol, em particular, enfrenta limitações para expandir sua frota devido a problemas enfrentados pela Boeing, sua fornecedora de aeronaves.
O preço do combustível de aviação representa cerca de um terço dos custos operacionais do setor. Em outra frente, a intenção é atuar com o Poder Judiciário em uma estratégia para reduzir a avalanche de processos movidos nos tribunais contra as companhias aéreas por questões como atrasos e cancelamentos de voos, mesmo quando isso ocorre por motivos alheios à responsabilidade das empresas, como fatores meteorológicos.
A reunião prevista entre o presidente Lula e os executivos das companhias aéreas após o Carnaval visa discutir essas medidas, segundo o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho.
Demanda aquecida
Enquanto a Gol enfrenta desafios em meio à sua crise financeira, especialistas destacam que a entrada da empresa em recuperação judicial não necessariamente seria má notícia, citando o exemplo da Latam, que se beneficiou do Chapter 11 para reestruturar com sucesso sua dívida com os credores.
Em junho do ano passado, o presidente da Airbus, Guillaume Faury, afirmou que, em maio, a empresa chegou a ter 20 aviões prontos aguardando apenas os motores para poderem ser entregues aos clientes. Empresas que produziam peças usadas nos motores fecharam e eram companhias muito especializadas, cuja cadeia tem demorado para se reestruturar.
Fornecedora da Azul, a Embraer reconheceu, em novembro, que, por causa da demora para receber motores, não estava conseguindo entregar os jatos como havia planejado, o que afetaria suas margens em 2023.
Sem receber os aviões, as aéreas não conseguem expandir a capacidade e, consequentemente, elevar suas receitas. Uma oferta maior de voos permitiria que elas diluíssem seus custos e ampliassem as margens. Isso seria importante sobretudo neste momento, em que empresas estão gerando caixa apenas para cobrir os custos da operação.
A demanda por parte do setor corporativo mais forte hoje, do que a registrada pré-pandemia (2019), segundo os dados divulgados pela Gol, indica melhora para as empresas. O setor ainda tem muito a entregar no longo prazo, pois o Brasil é um país que voa muito pouco por habitante.