Jornalistas palestinos são os olhos do mundo sobre massacre em Gaza

Sob risco de morte, eles furam bloqueio da imprensa dominante e mostram o genocídio cometido pelo governo de Israel com a cumplicidade dos Estados Unidos.

Funeral do jornalista Jaber Abu Hadrous, em Gaza Crédito: Via Palestinian Journalists Syndicate (PJS)

Suas armas de longo alcance são câmeras de vídeo, máquinas fotográficas, telefones celulares, microfones, palavras e o olhar apurado e sensível, que registram em tempo real o genocídio cometido pelo sionismo israelense e seus cúmplices contra o povo palestino. Com essas armas poderosas, os jornalistas palestinos enfrentam bombas, tanques e mísseis e conseguem mostrar ao mundo o massacre em curso em sua pátria.

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Eles estão em canais de televisão, agências de notícias, blogs, emissoras de rádio, plataformas de transmissão e principalmente nas redes sociais – a maioria como free-lancer. E, por esses meios, mostram a brutalidade sem filtros, em toda a sua crueza e crueldade. Desprovidos dos recursos tecnológicos e do suporte editorial dos grandes veículos de comunicação ocidentais – majoritariamente consorciados com o sionismo –, eles furam o bloqueio e a censura da imprensa dominante com o mais valioso instrumento de trabalho de que dispõem: os fatos. E coragem. Porque, na cobertura jornalística dessa selvageria, os repórteres – e suas famílias – se tornaram alvos dos ataques, na tentativa sionista de silenciar a verdade.

Apesar do risco, eles registram in loco a carnificina cometida pelo estado terrorista israelense com o patrocínio do governo dos Estados Unidos da América e a subserviência de outros poderosos governos. O ritmo do morticínio é tão avassalador que esses trabalhadores da notícia mal têm tempo para respirar durante seu ofício, muito menos editar o material que produzem, e assim nos trazem o horror em estado bruto.

Sem esse trabalho imprescindível dos jornalistas em Gaza e outros territórios ocupados, o mundo não tomaria conhecimento da extensão da matança e, portanto, perderia em boa medida a capacidade de indignação que tem levado multidões às ruas pelo cessar-fogo, pelo direito de o povo palestino ter suas terras e sua liberdade. Pelo direito de viver. Esse trabalho jornalístico feito nas piores condições é indispensável para desmascarar as mentiras sionistas e revelar as humilhações que o terrorismo israelense impõe à população palestina.

Os jornalistas na Faixa de Gaza estão pagando preço elevado por reportar o massacre. Entre 7 de outubro de 2023 e 14 de janeiro deste ano, 112 desses profissionais de comunicação – pelo menos 14 mulheres –, alguns de outras nacionalidades, haviam sido assassinados em ataques israelenses, além das dezenas que ficaram feridos ou foram sequestrados ou estão desaparecidos, conforme dados do Sindicato dos Jornalistas Palestinos. Embora os números sejam imprecisos, as entidades de classe, incluindo a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), alertam que pode haver mais vítimas ainda não identificadas.

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Os mais de 100 dias de horror em Gaza são o período mais mortal para jornalistas que cobrem conflitos desde que o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), com sede em Nova Iorque, iniciou esse tipo de registro, em 1992. Alguns recebem ameaças de autoridades ou de integrantes do Exército sionista diretamente em seus celulares ou por recados de terceiros.

Vários deles – assim como incontáveis outros cidadãos palestinos – perderam a família inteira nos bombardeios, sem falar da perda de vizinhos, amigos e colegas de ofício. Perderam suas casas e equipamentos de trabalho. Estão com a saúde física e mental abalada. O que eles mais falam em seus relatos é que faltam palavras para descrever o horror que estão presenciando. Há poucos dias, um deles publicou: “A alma está cansada. Começamos a desejar a morte todos os dias a permanecer neste estado…”.

E, mesmo assim, persistem. Às vezes com emoção contida, noutras com sentimentos à flor da pele, e determinação poucas vezes vistas nas coberturas de guerra, eles nos “transportam” para o local das atrocidades, aumentando a nossa revolta com o apartheid sionista. Eles nos tornaram testemunhas oculares dos crimes de guerra cometidos pelo sanguinário Netanyahu; o trabalho dos jornalistas na Faixa de Gaza nos coloca na cena do crime. É como se estivéssemos ali não apenas testemunhando o extermínio, mas sendo massacrados junto com aquele povo. Eles dão à imprensa dominante uma lição de reportagem.

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Além de matar jornalistas, a tentativa israelense de calar a imprensa palestina provocou a destruição de prédios e equipamentos de 73 instituições de mídia, até o centésimo dia do massacre, afetando rádios, torres de televisão, agências de notícias, canais por satélite, jornais impressos e empresas prestadoras de serviços de comunicação.

A labuta sofrida e incessante desses heróis anti-establishment permite-nos acompanhar – muitas vezes ao vivo – os ataques a residências, hospitais, ambulâncias, escolas, universidades, praças. É pelas lentes desses homens e mulheres da notícia que vemos bairros inteiros devastados, prédios históricos demolidos, mesquitas derrubadas, telecomunicações cortadas, serviços públicos arruinados. Eles nos mostram multidões arrancadas de suas casas, jogadas ao relento, deslocadas, desassistidas, com fome, sede, frio, doenças e ferimentos.

Mostram os milhares de assassinatos de crianças, jovens e mulheres, cujos corpos são deixados sob os escombros, ou lançados nas ruas ou enterrados em valas comuns, desrespeitados, vilipendiados. Mostram a desumanidade que não poupa sequer médicos, enfermeiros, funcionários das Nações Unidas e integrantes de organizações humanitárias como o Crescente Vermelho, a Cruz Vermelha e a Médicos sem Fronteiras. Escancaram a sanha nazifascista de eliminar poetas, escritores, professores, intelectuais, artistas.

Sem esse trabalho substancial de contrainformação, a narrativa sionista prevaleceria, privando-nos da história verdadeira: durante décadas, o governo israelense cercou, segregou, ocupou e converteu os territórios palestinos em gigantescos campos de concentração, tornando os moradores locais refugiados dentro de sua própria terra. E agora faz uma investida sangrenta com intuito de esmagar a resistência, exterminar parte dos habitantes, expulsar os que restarem, roubar os territórios e apagar a história milenar daquele povo. Ao matar jornalistas, o intento do governo israelense é matar essa verdade.

Não fosse a lida abnegada e destemida dos jornalistas que ali atuam, o mundo não teria provas dos crimes em série perpetrados por Netanyahu e seu cúmplice Joe Biden, na ânsia de aniquilar a Palestina.

Os comunicadores arriscam a vida para documentar a história trágica de sua gente, e se tornaram a principal fonte de informação diária para milhões de pessoas em todos os continentes. São as vozes de Gaza. Suas redes sociais, que fazem uma espécie de diário do genocídio, são acompanhadas diuturnamente por cidadãos angustiados, de coração partido, a cada movimento deles nos escombros que surgem dos bombardeios. O forte traço de humanidade em cada um deles contrasta com as imagens chocantes que produzem.

O mais conhecido desses repórteres é o jovem fotojornalista Motaz Azaiza, colaborador da Agência das Nações Unidas para Refugiados e voluntário da Sociedade do Crescente Vermelho. O perfil dele no Instagram, com alguns milhares de seguidores antes de 7 de outubro, ultrapassou 18 milhões em dezembro – mais que o perfil pessoal do presidente dos EUA. Para cidadãos de outros países, ele tornou-se a personificação da resistência do povo palestino, com sua voz terna e calma que faz desabafos frequentes sobre a exaustão que toma conta de si próprio e dos compatriotas durante esses meses de intenso e contínuo sofrimento, ao mesmo tempo que reforça a esperança de que um dia a sua pátria se verá livre da ocupação colonialista que perdura há mais de setenta anos.

Os ataques aéreos israelenses mataram pelo menos 15 familiares de Motaz, a maioria mulheres e crianças. Ele chegou a filmar os destroços da casa de sua família, no campo de refugiados de Deir al-Balah. Mas esse tormento, em vez de demovê-lo de escancarar a tragédia humanitária na Faixa de Gaza, fortaleceu sua determinação de apelar às autoridades internacionais para agirem e estancarem as barbaridades. Num desabafo comovente, ele declarou que “queria ter morrido antes de ver isso acontecer com o meu povo”.

Motaz vem pedindo proteção internacional, para si e para os colegas que assumiram involuntariamente o papel de documentaristas da limpeza étnica em curso e que compartem com ele a aspereza desse trabalho que jamais quiseram fazer.

Seu colega Wael Al-Dahdouh, experiente repórter e chefe local da rede de televisão Al-Jazeera, tido como herói pela categoria, sofre ameaças constantes dos militares da ocupação. Em outubro, ele perdera vários familiares num ataque israelense que teve como alvo uma casa para a qual haviam sido deslocados no meio da Faixa de Gaza. E no dia 8 de janeiro, seu filho mais velho, que também era repórter da emissora, foi martirizado com um colega dentro do veículo que os conduzia em Rafah. O próprio Wael foi ferido em um bombardeio de drone que matou um amigo fotógrafo quando cobriam a devastação na cidade de Khan Yunis. Sua situação de segurança e de saúde foi ficando tão crítica que, em 16 de janeiro, ele deixou Gaza rumo ao Qatar, para tratamento médico.

A humanidade tem uma dívida com os jornalistas e com o povo da Palestina. Nada do que fizermos será suficiente para minimizar o sofrimento que lhes é impingido pelo nazi-sionismo. Se o Exército de Israel tem completo desprezo pelos coletes e capacetes grafados “Press” (Imprensa) e pela recomendação da FIJ de que nenhuma notícia vale a vida de um jornalista, do nosso lado a luta internacionalista requer persistir para que esses crimes hediondos venham a ser julgados e que seus causadores sejam condenados não apenas pela História, mas pelos órgãos competentes, que até o momento se mostram incapazes de exercer sua atribuição. Caso queiram – ou possam – agir, terão disponível a ampla documentação fotojornalística produzida pelos repórteres que estão registrando fartamente a gravidade dos acontecimentos.

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