Uso de cloroquina contra Covid pode ter levado a 17 mil mortes, diz estudo

Pesquisa envolvendo seis países aponta, ainda, que o uso do medicamento pode ser associado a um aumento de 11% na taxa de mortalidade de pacientes hospitalizados

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Estudo feito por pesquisadores da França e do Canadá estima que o uso de hidroxicloroquina para tratar de pacientes hospitalizados com Covid-19, na primeira onda da doença, pode estar relacionado à morte de 17 mil mortes em seis países — Bélgica, França, Itália, Espanha, Estados Unidos e Turquia. A maioria, 7,5 mil, somente nos EUA. “O que a gente tem a perder? Tomem”, disse o então presidente do país, Donald Trump, durante a pandemia, em referência ao medicamento. 

Os cientistas estimaram, ainda, que o uso do medicamento pode ser associado a um aumento de 11% na taxa de mortalidade de pacientes hospitalizados. Os dados foram publicados, com ressalvas, no periódico científico Biomedicine & Pharmacotherapy

Mesmo com tais ressalvas, diz o estudo, “esses números provavelmente representam apenas a ponta do iceberg, subestimando amplamente o número de mortes relacionadas à HCQ (hidroxicloroquina) em todo o mundo”. 

Segundo os autores, apesar das limitações do estudo e de suas imprecisões, ele ilustra o perigo de, no manejo de futuras emergências, mudar a recomendação de um medicamento com base em evidências fracas. 

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A prescrição off-label — ou seja, fora do uso recomendado — “pode ser apropriada quando os médicos julgam ter evidências suficientes para sugerir o benefício da medicação. Entretanto, a primeira série que relatou o efeito da HCQ mostrou eficácia limitada ou nenhuma eficácia na redução da mortalidade”, apontam.

A substância é indicada para o tratamento de doenças como malária, lúpus e artrite, mas em meio ao aumento dos casos de Covid-19, ganhou força em diversos países, sobretudo em segmentos sociais com posições nagacionistas e de extrema-direita, a tese, até hoje não comprovada, de que a cloroquina serviria para enfrentar a doença. 

Bolsonaro e a cloroquina

No Brasil, Jair Bolsonaro e seus apoiadores, assim como Trump, defendiam o uso do medicamento, estimulando médicos e pacientes a aderirem ao falso tratamento. Em meio ao lobby em defesa da cloroquina — cujos interesses até hoje não estão claros —, Bolsonaro determinou que o laboratório do Exército produzisse milhões de comprimidos para distribuição. 

Somente em três semanas após a determinação da produção pelo então presidente, foram feitos mais de 1,25 milhão de comprimidos — aumento de 900% em relação ao que era produzido pelo laboratório do Exército em um ano inteiro. O fármaco era um dos itens do chamado “tratamento precoce” via “kit Covid”, defendido irresponsavelmente pelo governo anterior como saída para a pandemia sem que houvesse comprovação científica. 

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Ao longo da pandemia, foram muitos os momentos em que Bolsonaro saiu em defesa da medicação. “Quem for de direita toma cloroquina, quem for de esquerda toma tubaína”. A patética frase foi uma das pérolas ditas pelo presidente, em maio de 2020. Naquele momento, cientistas já descartavam a eficácia do uso da cloroquina para a Covid-19. 

“Não há controvérsia em torno da cloroquina pelos cientistas, como às vezes se dá a impressão. Todas as entidades de saúde indicam seu banimento. Estudos apontam para sua ineficácia em casos leves ou graves de covid-19 desde o primeiro semestre de 2020″, disse, na época, à BBC News Brasil a médica Karina Calife, professora do Departamento de Saúde Coletiva da Santa Casa de São Paulo. 

Com agências

(PL)

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