Homicídios aumentam 700% no Equador após ascensão da direita no país
Taxa saltou de cinco para 40 mortes a cada 100 mil habitantes, de 2017 a 2023. Noboa declara guerra sem orçamento suficiente e deixa país à mercê do crime organizado
Publicado 11/01/2024 10:35 | Editado 11/01/2024 11:59
O Equador vivencia mais uma semana de violência e insegurança em meio a ataques promovidos pelo crime organizado. Considerado um dos países mais seguros da América Latina em 2017, o país andino viu sua taxa de homicídio crescer 700% desde a ascensão da direita.
Ao final de 2017, último ano da Presidência de Rafael Correa, líder da Revolução Cidadã, a taxa de homicídio era de cinco a cada 100 mil habitantes. Em 2022, o índice disparou para 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes e, por fim, o ano de 2023 consagrou a falência da direita equatoriana com um novo pico: 40 homicídios a cada 100 mil habitantes.
No ano passado, no bairro Nueva Prosperina, ao sul de Guayaquil, província mais afetada pela atual crise de segurança pública do país, a taxa alcançou impressionantes 114 mortes violentas a cada 100 mil habitantes. Um dos maiores índices do mundo.
Segundo dados da Polícia Nacional, ocorreram cerca de 7.592 mortes violentas em 2023, número maior do que as 4.426 mortes registadas em 2022. No Equador, uma pessoa morre a cada 69 minutos em contexto de violência criminal.
Nos últimos dois dias, o país tem sido palco de uma série de episódios de violência, incluindo fugas de líderes de facções do sistema prisional, sequestros de policiais, estudantes e, inclusive, um brasileiro, assassinatos, queimas de veículos nas ruas e paralisação dos serviços públicos, como saúde e educação.
??? Le chaos continue en Équateur. Police et armée sont mobilisées dans tout le pays. Des fusillades éclatent partout, certains criminels aperçus avec des lance-roquettes.
— Christian Rodriguez (@ChrisRodrigAl) January 9, 2024
Les bus ne circulent plus, la population essaie de rentrer chez elle par tous les moyens. Solidarité ! pic.twitter.com/S15q52Iitx
Nesta terça (9), autoridades locais contabilizaram 10 mortes relacionadas a escalada do conflito, além de seis sequestros e mais de 300 prisões de suspeitos de integrarem grupos armados.
A recente escalada da violência está diretamente ligada ao tensionamento inconsequente das declarações do atual governo Noboa, que, mesmo sem o orçamento necessário, prometeu desmantelar grupos criminosos, mas também com o desmonte de políticas públicas por parte dos governos anteriores, de Lenin Moreno (2017-2021) e Guillermo Lasso (2021-2023).
Desde então, o país passou por uma onda neoliberal que assola as famílias equatorianas e que provocou um aumento da desigualdade e da pobreza. Esta dinâmica socioeconômica é responsável por criar as condições para o recrutamento de jovens por parte do crime.
O país possui 18,631 milhões de habitantes, dos quais 12,97 milhões (69,62%) estavam em idade para trabalhar em 2023, segundo Instituto Nacional de Estatística e Censos (INEC). Apesar da taxa de desemprego ser relativamente baixa, cerca de 3,8%, o INEC revelou que apenas 4,52 milhões (34,9%) de equatorianos com idade para tralhar tinham um “emprego adequado”.
Outros 7,9 milhões estavam em condições de subemprego (2,59 milhões ou 20%), emprego não remunerado (1,46 milhões ou 11,3%) e emprego não pleno (3,85 milhões ou 29,7%)
Empossado em novembro, Daniel Noboa enfrenta a primeira crise na Presidência, depois de uma campanha eleitoral marcada pelo assassinato do presidenciável Fernando Villavicencio (investigações apontam que o então candidato foi assassinado por uma organização criminosa).
Nesta terça, Noboa decretou estado de emergência e a existência de um “conflito armado interno” no país, declarando guerra aos grupos sicários local.
“Estamos em um estado de guerra e não podemos ceder diante destes grupos terroristas”, afirmou Noboa em entrevista a Radio Canela.
As medidas autorizam as Forças Armadas “executar operações militares para neutralizar” as ações dos 22 grupos que atuam no sistema prisional do país.
Os decretos presidenciais assinados classificam estes grupos como terroristas. Facções, como Los Choneros, Los Lobos, Los Largartos se aproveitam da posição geográfica estratégica do país – o Equador se localiza entre a Colômbia e o Peru, os dois maiores produtores de cocaína do mundo – para fazer negócios com cartéis poderosos do México, tais como o cartel de Sinaloa e Jalisco Nueva Generación.
Alguns destes grupo chegam a contar com 20 mil integrantes. É o caso dos Los Choneros, considerada a mais perigosa facção equatoriana. Até este sábado (6), o grupo, nascido nos anos 1990, na cidade de Chone (a 300 km da capita, Quito), era comandado de dentro do sistema prisional por Adolfo Macías, conhecido como Fito.
Neste domingo (7), no entanto, autoridades anunciaram que Fito havia fugido da prisão. De acordo com ex-ministro do Interior e correligionário de Rafael Correa, José Serrano, afirmou que “a cela em que Fito estava ‘hospedado’ foi encontrada impecavelmente ‘limpa”.
De acordo com Serrano, “houve tempo para ‘embalar’ todos os pertences do criminoso, incluindo relógios, armas, uísque, celulares, laptop. Ele levou tudo, porque ele disse que não voltaria”.
A fuga coincide com o recente anúncio de que o governo Noboa implementaria o Plano Fénix, uma promessa de campanha que prevê a construção de presídios de segurança máxima, que incluem prisões em alto mar, além da implantação de um novo sistema de inteligência mais efetivo para combater a criminalidade.
O anúncio ocorreu em dezembro, poucos dias depois do assassinato de quatro menores de idade em Guasmo, um bairro ao sul de Guayaquil, comover a sociedade equatoriano. D de acordo com a polícia, sicários adentraram a casa de uma família por equívoco, tirando a vida das crianças que tinham entre 5 meses e 7 anos.
Pouco depois, o sequestro do ex-cônsul honorário do Reino Unido em Guayaquil, Colin Armstrong, e sua esposa colombiana, Katherine Paola Santos, também deixou o país estarrecido. Ambos foram libertados.
Plano Fénix: um delírio eleitoral ou um plano de segurança real em sigilo?
Os crimes motivaram a imprensa equatoriana pressionar Daniel Noboa por mais detalhes quanto ao seu precioso plano de segurança. Declarada como prioridade número um, o “plan Fénix” não constava do plano de governo apresentado pelo então candidato ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE), mas foi tema de peças publicitárias as voltas com o sensacionalismo e o populismo irresponsável.
El Nuevo Ecuador es un país seguro ✊?
— Daniel Noboa Azin (@DanielNoboaOk) October 7, 2023
No vamos a volver al pasado, porque #SinCorrupcion y #SinSobrePrecio estamos seguros que #AlcanzaLaPlata pic.twitter.com/HETjjlTYvo
Em uma delas, Noboa passa cerca de um minuto prometendo equipamentos novos as forças policiais, como “uniformes de alta resistência balística, coletes com painel de cerâmica e capacetes integrais com proteção nível 4, pistolas de precisão, rifles de última geração e equipamentos de visão noturna para proteger durante as 24 horas”.
Noboa ainda promete “uma central de inteligência que permite prover informação vital para prevenir delitos, responder emergências e garantir a segurança dos bairros”, além de “drones para ter vigilância área com reconhecimento facial, patrulhas blindadas e um sistema de mapeamento satelital para uma resposta imediata”.
No entanto, em campanha para aprovar uma reforma tributária no Legislativo do país (e assim adquirir mais pujança fiscal), a ministra do Interior, Mónica Palencia, afirmou que a aquisição de 50 mil coletes antibalísticos estava ameaçada por falta de orçamento.
Palencia chegou a defender a aplicação do plano de recuperação da paz desde o primeiro dia do novo mandato, mas, algum tempo depois, disse que não pode cumprir com o prometido porque dos mais de 50 mil coletes oferecidos, o governo do ex-presidente Guillermo Lasso pagou apenas 17 mil coletes.
“Destes projetos, que contavam com o aval dos ministérios da Finanças e do Planejamento, o dinheiro deveria estar alí e não está. Os fornecedores deveriam estar pagos, mas não estão. Temos sérios problemas de pagamento para fornecedores”.
Em outra entrevista coletiva, a ministra afirmou aos repórteres que “não há dinheiro para muitas coisas. Me envolvo em todas as reuniões para ver de onde tiro dinheiro”.
Além da falta de verba, o governo Noboa não dá mais detalhes sobre o plano. Alegando sigilo para que informações importantes não vazem e comprometam as supostas medidas, o Plano Fénix já está sendo considerado uma das maiores incógnitas do novo governo.
Recentemente, o presidente equatoriano rechaçou as críticas sobre a falta de informação entorno do tema. “Não é que se tem pouca informação sobre o Plano Fénix, as demos ao longo da campanha”, disse Noboa.
O presidente afirmou que durante a campanha falou sobre a implementação de prisões de segurança máxima, a militarização dos portos, a intensificação das operações fronteiriças; “Todos esses eram elementos do Plano Fênix.”
Em 18 de dezembro, Noboa chegou afirmar que a segurança é um dos grandes desafios que o país enfrenta e especificou que o Plano Fénix se basearia em cinco linhas: formação de pessoal; equipamento; Inteligência; Cooperação internacional; e cooperação entre a Polícia Nacional e as Forças Armadas.
No seu discurso na cerimónia de posse do Alto Comando Militar das Forças Armadas, o presidente expressou linhas claras sobre o seu projeto de segurança: “Tenham a certeza de que não vou ceder ante ameaças e nem negociar com criminosos”.
Por ora, o que se pode concluir é que o governo recém-empossado, durante a campanha eleitoral surfou na onda da segurança pública, tema potencializado com o assassinato do candidato Villavicencio, mas ao assumir o governo não tinha respostas suficiente para lidar com o problema.
Mais que isso, uma vez eleito, declarou guerra as organizações narcoterroristas, colocando toda a população em meio a fúria dos grupos narcotraficantes, sem ao menos contar com verba, por exemplo, para comprar 50 mil coletes antibalísticos.