MCTI executa R$ 10 bi do Fundo de Desenvolvimento Científico
Em entrevista ao “Vermelho”, Luis Fernandes, secretário-executivo do MCTI, diz que “o ano de 2023 foi de grande realização e muita execução”
Publicado 29/12/2023 10:00 | Editado 31/12/2023 11:21
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) concluiu o primeiro ano sob o governo Lula com dois grandes feitos: a recomposição integral do orçamento do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a execução de 100% desses recursos. A eficiência levou a pasta a bater diversos recordes, atuando sempre em diálogo com a comunidade científica.
“O ano de 2023 foi de grande realização e muita execução”, resume, em entrevista ao Portal Vermelho, Luis Fernandes, secretário-executivo da pasta. “A partir das funções que exercemos no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, pudemos contribuir para o início da estruturação de um projeto nacional de desenvolvimento.”
Sob o comando da ministra Luciana Santos, presidenta nacional do PCdoB, o MCTI projeta um cenário ainda melhor para 2024. O orçamento do FNDCT deve crescer ao menos 20%. Segundo o secretário-executivo, “a lei orçamentária que está em discussão no Congresso já garante um orçamento mínimo de R$ 12 bilhões em 2024 – e há o compromisso do governo Lula de não fazer contingenciamento desses recursos”. Confira abaixo os principais trechos do depoimento de Luis Fernandes.
O legado de Bolsonaro
Já nas diretrizes do programa do programa de governo da chapa Lula/Alckmin, apontamos o principal desafio na Ciência, Tecnologia e Inovação: superar o colapso do sistema federal de fomento – a marca dos quatro anos de desgoverno de Bolsonaro. O FNDCT é nosso principal instrumento de fomento público do desenvolvimento científico e tecnológico. No primeiro e no segundo governo Lula, tínhamos recomposto e revitalizado o FNDCT, com a criação dos chamados fundos setoriais.
Com o teto de gasto no governo Temer e sua aplicação até o governo Bolsonaro, o contingenciamento voltou com força, chegando a um patamar próximo de 90%. Os poucos recursos disponíveis eram dispersos em ações fragmentadas e tópicas, sem conexão entre si, gerando pouco impacto para o desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico. Hoje, concentramos os investimentos em dez programas. No governo anterior, eram 250 termos de referência – e para recursos contingenciados.
Chegaram a pulverizar recursos inexistentes, comprometendo R$ 10 bilhões diante de uma disponibilidade de investimentos de apenas R$ 3,5 bilhões. Com Bolsonaro, houve uma forte retração nas demais agências de fomento público e apoio à ciência, tecnologia e pós-graduação nacional – que são o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
A recomposição do FNDCT
O governo Lula, uma vez empossado, tomou a decisão de deixar caducar a medida provisória (da gestão Bolsonaro) que contingenciava até 2026 os recursos do FNDCT. A MP caducou em fevereiro e, então, o governo encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei, que foi aprovado em abril, recompondo integralmente o orçamento do FNDCT. O total de recursos alocados foi de R$ 10 bilhões para o ano de 2023.
Vale notar que levamos seis anos para liberar o Fundo entre o primeiro e o segundo governo Lula – só conseguimos em 2010. Desta vez, recompusemos os recursos do FNDCT nos primeiros meses do governo Lula 3. Isso sinaliza um forte compromisso do coração do governo em incorporar ciência, tecnologia e inovação ao cerne da política de neoindustrialização nacional.
Também foi aprovada, via medida provisória, a consolidação da Taxa Referencial (TR) para captação de créditos da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). É uma taxa muito competitiva e favorável para apoiar a inovação nas empresas. A TR anual, hoje, é de 1,8%. A Selic (taxa básica de juros) era de 13,75% quando começou o governo e, mesmo caindo, está agora em 11,75%. Estou bem otimista com as perspectivas que se abrem para a reindustrialização e o desenvolvimento nacional, nas condições atuais.
Execução de 100%
Essas medidas nos permitiram executar integralmente, em oito meses, os recursos do FNDCT. Com a execução de 100%, batemos vários recordes. É um desempenho espetacular, e o cenário é muito promissor. Temos no horizonte um crescimento progressivo não só da arrecadação – mas também da capacidade de execução do Fundo, com liberação integral de recursos. É a recuperação do fomento público federal.
Para o ano que vem, a projeção de arrecadação a mais é de 20% – e podemos projetar crescimentos da mesma ordem para 2025 e 2026. A lei orçamentária que está em discussão no Congresso já garante um orçamento mínimo de R$ 12 bilhões em 2024 – e há o compromisso do governo Lula de não fazer contingenciamento dos recursos do FNDCT. Além disso, o retorno dos empréstimos – das operações de crédito efetuadas pela Finep – já se transformou na principal fonte de arrecadação do Fundo.
Estamos assistindo hoje às consequências positivas para o País do compromisso do governo Lula em garantir o não contingenciamento de recursos do FNDCT. O ano de 2023 foi de grande realização e muita execução. A partir das funções que exercemos no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, pudemos contribuir para o início da reconstrução do Brasil e da estruturação de um projeto nacional de desenvolvimento.
Planejamento
O MCTI tem quatro eixos: recuperação, expansão e integração do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação; apoio à reindustrialização em novas bases tecnológicas e à inovação nas empresas; apoio a projetos para resguardar a soberania nacional em áreas estratégicas; e ciência, tecnologia e inovação voltadas ao desenvolvimento social.
Com base nessas diretrizes, fizemos uma espécie de revolução na governança do FNDCT, para garantir que seus recursos sejam complementares às linhas orçamentárias de apoio à ciência, à tecnologia e à pós-graduação. Essas linhas, operadas pelo ministério ou pelas agências de fomento, não devem se confundir. Assim, os recursos do Fundo podem ser focados em dez grandes programas estruturantes e mobilizadores, que já têm planos de investimento plurianuais.
São programas orientados por desafios relacionadas ao desenvolvimento nacional, como a reindustrialização, a inovação, a autonomia tecnológica e projetos de infraestrutura avançados, de grande complexidade. Alguns se voltam mais para a parte social, como segurança alimentar e erradicação da fome. Há programa para preservação de acervos científicos, históricos e culturais de museus; programa de capacitação e interiorização; programa de repatriação de talentos; um programa de apoio à formulação e à execução de políticas públicas baseadas em ciência, para superar o negacionismo.
Reindustrialização
A nova política industrial, no esforço da chamada “neoindustrialização”, tem seis áreas assentadas sobre novas bases tecnológicas, como defesa, saúde, transição energética e transformação digital. Alinhamos por completo os recursos do programa Mais Inovação, do FNDCT, a essas prioridades, que receberam R$ 41 bilhões, via crédito ou via subvenção econômica.
Acabamos de lançar novos editais do Pró-Infra, no valor de R$ 1,2 bilhão, visando recuperar a infraestrutura das instituições de ciência e tecnologia, como universidades e institutos. Também alinhamos os investimentos de expansão do parque laboratorial do País às seis áreas da reindustrialização. Os editais serão anuais, o que permite o planejamento do desenvolvimento institucional das nossas universidades e dos nossos institutos de ciência e tecnologia.
Muitos investimentos – não só em infraestrutura – são tão importantes que foram incorporados ao Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o que mostra a visão do presidente Lula. A ciência, a tecnologia e a inovação estão sendo transformadas, efetivamente, em pilares do desenvolvimento nacional e da reconstrução do Brasil.
Relação com a comunidade científica
Tem sido um diálogo muito fluido. No primeiro e no segundo governo Lula – aos quais servi também como secretário-executivo do ministério e, depois, como presidente da Finep –, eu sentia muito menos convergência entre os atores do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação na definição das prioridades estratégicas. Muitas vezes, o setor empresarial e o setor acadêmico disputavam recursos nas instâncias de governança do Fundo.
Nesta nova gestão, tenho verificado uma grande confluência em relação à visão estratégica de que não devemos pulverizar recursos, mas, sim, ter foco em torno de grandes programas mobilizadores e estruturantes. Nos fóruns de formulação e deliberação do sistema, esse discurso é comum. A aprovação dos dez programas e de seus termos de referência foi consensual – foi tudo aprovado por unanimidade.
Isso contrasta fortemente com o que ocorreu no governo anterior. Havia forte embate nas estruturas de governança e deliberação sobre investimentos. Muitas vezes, a área acadêmica e também a empresarial faziam declarações de voto contrário (à proposição do governo Bolsonaro) e críticas à falta de discussão e amadurecimento das decisões. Basta ler as atas das reuniões do conselho Diretor do FNDCT e ver que havia uma política do atropelo por parte do governo.
Desconcentração de recursos
Já avançamos muito nisso em relação a momentos anteriores, mas é um desafio que continua presente. Desde o primeiro governo Lula, um dos critérios para o Pro-Infra é que 30% dos investimentos sejam destinados às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, para fomentar a desconcentração do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação.
Os editais do Pro-Infra que acabamos de lançar incluem essa garantia de 30%, mas estamos indo além. Vamos lançar editais específicos do Pro-Infra dirigidos para essas regiões em que propomos parcerias com os governos estaduais, por meio de suas fundações de amparo à pesquisa, para alavancar ainda mais a infraestrutura de pesquisa científica e tecnológica. Na região Norte, vamos quadruplicar cada real investido pelos governos estaduais. Nas regiões Centro-Oeste e Nordeste, vamos triplicar.
No âmbito da reindustrialização, operamos programas descentralizados de subvenção econômica para apoiar mais fortemente a inovação empresarial nessas três regiões. Há um elemento de forte preocupação em promover a desconcentração do sistema como parte do esforço de promoção de um novo projeto de desenvolvimento nacional. Como os avanços foram insuficientes, esse desafio continua na ordem do dia.
Inovação
Na segunda metade do século 20, nosso esforço de industrialização foi regido pela política de substituição de importações. Com o mercado doméstico protegido, houve uma opção por atrair investimentos estrangeiros, de empresas transnacionais, para dinamizar áreas de fronteira do nosso desenvolvimento industrial. A premissa era a de que a nossa inovação tecnológica se daria através da importação e aplicação dos pacotes tecnológicos desenvolvidos por essas empresas em suas matrizes. Esse modelo – que embutia o elemento de forte dependência tecnológica e baixa inovação autônoma nacional – gerou um tecido empresarial com baixa propensão à inovação. Houve uma desconexão entre a política industrial e a política científica e tecnológica.
No início do século, feito o diagnóstico, o governo Lula promoveu esforços para fazer convergir essas duas políticas. A inovação seria justamente o mecanismo de convergência – tanto que a Lei de Inovação é de 2004. O governo lançou uma sucessão de políticas industriais com essa orientação. Apesar disso, a desindustrialização do País continuou se intensificando. Uma das lições desse insucesso relativo das políticas industriais do governo Lula é que essas políticas estavam subordinadas a uma ótica de financeirização. A política macroeconômica ainda era fortemente dominada por circuitos de acumulação financeira, o que gerava incentivos contraditórios.
Dou um exemplo prático: a Lei de Inovação, que criou o mecanismo de subvenção econômica. Por definição, esse mecanismo tem uma lógica de compartilhamento de risco entre Poder Público e empresas. Com a geração de superávit primário para remunerar a aplicação financeira via títulos da dívida pública, a Receita Federal entendia que subvenção econômica era renda das empresas. O mesmo Estado nacional que fomentava a inovação, através da subvenção, onerava e taxava o risco dessa inovação como renda das empresas. Era uma contradição que minava o impacto efetivo dos instrumentos de apoio à inovação. Além disso, as condicionalidades eram muito frouxas em relação ao que era cobrado das empresas em termos de investimentos em inovação e desenvolvimento tecnológico.
Neste terceiro governo Lula, há uma maior coesão entre todas as áreas do governo em torno da política de neoindustrialização. Há um alinhamento muito forte da Fazenda, do Planejamento, do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), do MCTI, das agências de fomento, da Finep e dos bancos públicos. Estamos aprendendo com as lições do insucesso das versões de política industrial que nós implementamos – e estão criadas as condições para uma efetividade muito maior agora.
Assista a integra da entrevista.