Gaza chega ao Natal com 8 mil crianças assassinadas em 77 dias

A cidade palestina de Belém está de luto, com o Natal cancelado e sem turistas pela primeira vez na história. É impossível ignorar o massacre que ocorre há apenas 70 km dali.

Palestino vestido de Papai Noel com seu filho caminha pelo prédio al-Jawhara na cidade de Gaza, no bairro de al-Rimal, em 24 de dezembro de 2021.

Hoje é o 23.º dia desde o reinício da agressão israelense e dos bombardeios contra Faixa de Gaza, que encontra-se sitiada há 78 dias. A “trégua humanitária” temporária durou apenas uma semana. A campanha militar de Israel em Gaza já vem sendo considerada uma das mais destrutivas da história moderna da humanidade, em tão pouco tempo.

O advogado internacional Tayab Ali diz que se o Tribunal Penal Internacional (TPI) não processar Israel por crimes de guerra em Gaza, isso significará o fim do direito internacional. A plataforma online da Forensic Architecture coletou evidências visuais dos ataques israelenses ao Al-Shifa, o maior hospital de Gaza, e dos diferentes estágios de agressão que passou por parte de Israel. O sistema de saúde está deliberadamente sendo visado.

Em feriados como o Natal ou a Páscoa, os cristãos em Gaza não podiam ir a Belém. Para isso, eles tinham que solicitar antecipadamente às autoridades de ocupação israelenses uma cobiçada autorização para deixar a Faixa, e rezar para que ela fosse aceita. Este ano, não haverá árvore de Natal nem festividades tradicionais no local de nascimento de Jesus Cristo. Em vez disso, rezarão pelo fim do genocídio em Gaza.

Num balanço não definitivo, em que os números são baseados nos corpos que chegam aos hospitais, a agressão contra o povo em Gaza e na Cisjordânia matou 20.561 pessoas e feriu 58.450, desde 7 de outubro. Desses mortos confirmados 8 mil eram crianças, enquanto outras 4.700 continua desaparecidas entre os escombros. Morreram ainda 6.200 mulheres e 695 idosos. Pelo menos 201 mortos por bombardeios israelenses nas últimas 24 horas.

Hoje, após 4 adiamentos, o Conselho de Segurança da ONU adotou uma resolução vinculativa apelando a um fluxo de ajuda urgente, seguro, desimpedido, seguro e expandido e criar as condições para a cessação das hostilidades. O texto foi aprovado pela esmagadora maioria de 13 votos a favor e zero votos contra.

Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) saudou a resolução aprovada, embora várias outras organizações consideraram a resolução insuficiente para a quantidade de ajuda humanitária necessária: “Isto demonstra um raro sinal de acordo entre os membros do Conselho de Segurança durante este conflito. No entanto, a necessidade mais premente para o povo de Gaza é um cessar-fogo imediato. As consequências devastadoras da guerra até agora não podem ser ignoradas, incluindo a perda de mais de 20.000 vidas, principalmente mulheres e crianças, e mais de 53.000 feridos, o que agrava ainda mais a terrível situação.”

“O que estamos enfrentando é uma tentativa de destruição do nosso povo e o seu deslocamento para sempre das suas terras. Este é o objetivo de Israel, o seu verdadeiro objetivo: não há futuro para os palestinos na Palestina. Esta resolução constitui um passo na direção certa. Deve ser implementado e acompanhado de uma pressão massiva para um cessar-fogo imediato”, disse o representante da Palestina perante a ONU.

Depois de toda a barbárie testemunhada pelo mundo, o dia 23 foi marcado pela prisão pelas forças de ocupação de 2 jovens do campo de refugiados de Qalandia. Os israelenses atacaram, esta manhã, a cidade de Beita e a aldeia de Qaryut, a sul de Nablus, e a cidade de Tulkarem, além da cidade e do campo de Jenin. Um grande número de veículos militares, acompanhados por uma escavadora, invadiram a cidade e o campo, invadindo e destruindo casas e empresas privadas palestinas. Os colonos de “Rifafa”, estabelecidos em terras privadas Salfit, arrasaram grandes áreas, arrancando velhas oliveiras e roubando-as.

Os relatos são de “esquadrões da morte” com soldados israelenses entrando em casas e executando todos os homens lá dentro. Um massacre foi cometido pelas forças israelenses no bairro de Tuffah com mais de cem civis presos sob os escombros, durante horas.

Natal em Belém

Na cidade onde nasceu Jesus e que ilustra presépios pelo mundo todo, o planejamento era para uma das iluminações cerimoniais da árvore de Natal mais impressionantes dos últimos anos. Em vez disso, Belém não terá nenhuma árvore de Natal. A cidade palestina no topo de uma colina sagrada para cristãos de todo o mundo está de luto, devastada pelo custo humano da ofensiva de Israel em Gaza.

Hoje, os patriarcas e chefes das igrejas de Jerusalém emitiram uma declaração explicativa sobre a reunião que mantiveram com o presidente israelita, Isaac Herzog, há dois dias. Como indicado na declaração: A reunião não foi para troca de saudações, como se divulgou, mas o seu principal objetivo foi transmitir a posição da igreja global, exigindo o fim do derramamento de sangue em Gaza em nome dos cristãos do mundo, as barreiras impostas na Cisjordânia, especialmente àqueles que circundam à cidade de Belém durante o período festivo.

Nas fotos abaixo, a comparação do Natal na esplanada de Belém e na igreja da manjedoura, num Natal normal e em 2023.

Por respeito, as festividades em Belém foram canceladas – pela primeira vez na memória da cidade. “Não estamos comemorando”, disse Majed Ishaq, membro da comunidade cristã palestina da cidade, cuja extensa família de várias centenas de pessoas normalmente se reunia nesta época do ano para comer juntos, trocar presentes, jogar e se vestir de Papai Noel.

“Há uma dor enorme em nossos corações, então não podemos – não estamos prontos para ver uma árvore ou qualquer tipo de decoração”, disse Ishaq ao Financial Times. Ele trabalha para o governo da cidade e aguarda notícias de amigos presos no enclave sitiado. “Não sei se eles estão vivos ou não.”

Para os residentes de Belém, na Cisjordânia ocupada, a morte e a destruição a apenas 70 quilômetros de distância, fizeram com que as habituais festividades de Natal parecessem vazias e deslocadas, além de serem um lembrete de sua vulnerabilidade diante da fúria dos israelenses.

“Estamos em estado de guerra e todos pensamos no que está acontecendo em Gaza”, disse Munther Isaac, pastor de uma das igrejas da cidade. O reverendo Isaac tem apoiado membros de sua congregação que perderam parentes no bombardeio, visitando suas casas e falando sobre sua dor durante a missa.

Para refletir a sua realidade, este ano ele montou um tipo diferente de presépio na sua igreja: o mesmo modelo tradicional de um menino Jesus, rodeado por Maria e José, pastores e rebanho. Mas a manjedoura agora é feita de uma pilha de concreto e tijolos quebrados.  É “Jesus sob os escombros”, disse ele, explicando que a montagem ecoou as imagens de crianças presas sob edifícios desabados em Gaza, que os residentes de Belém veem diariamente nas notícias. 

Hoje, uma vigília, “Natividade Sob as Ruínas”, foi realizada na Praça da Manjedoura de Belém, que incluiu uma gruta bombardeada em referência a Gaza. Em seu discurso, a prefeita de Belém, Hanna Hanania: “Lembremos o sofrimento da Sagrada Família, a primeira família de refugiados palestinos, que também sofreu opressão, rejeição e deslocamento, e foi exposta às primeiras catástrofes históricas quando fugiu ao Egito após o nascimento de Jesus Cristo. A destruição massiva e o genocídio sistemático contra o povo palestino pelo colonialismo e todos os seus aliados ao longo da nossa história não podem ser expressos. Pela primeira vez, a árvore de Natal não será colocada, as ruas de Belém não será acesa e o feriado será limitado apenas a rituais religiosos. É uma obrigação moral e patriótica. Tenho certeza de que a Estrela de Belém brilhará sobre Gaza, dando-lhe esperança apesar da destruição, e dando-lhe vida apesar da morte, porque nós, os palestinos, somos filhos da vida e continuaremos a sê-lo.”

Normalmente lotada de turistas e peregrinos na época do Natal, repleta de luzes mágicas e repleta de barracas de mercado e coros, Belém agora está vazia e silenciosa. O centro dos ícones sagrados, o museu do presépio e quase todos os locais que atendem turistas religiosos estão fechados. Nas ruas estreitas ao redor da praça central Manger, a maioria das lojas que vendem souvernirs cristãos foram fechadas. 

A ausência de turistas afetará fortemente os negócios da cidade, segundo Ishaq, que trabalha no Ministério do Turismo. Mais de 8.500 famílias dependem dos muitos visitantes que a cidade atrai para seu sustento.  Nos primeiros nove meses deste ano, 1,5 milhão de turistas visitaram Belém, disse ele. Mas pouco depois de 7 de outubro, “caiu para zero. Realmente zero.” Perde-se 1,5 milhões de dólares em receitas por dia, acrescentou.

Após a eclosão da guerra, os turistas fugiram tão rapidamente, disse um guia turístico local, que alguns até deixaram para trás as malas. Em dois dias, todo o seu calendário de reservas foi cancelado. Agora, a maioria dos voos para Israel foram suspensos e Israel aumentou as restrições às viagens na Cisjordânia. A rota principal para Belém costuma estar fechada.

Rony Tabash, que dirige a The Nativity Store, uma das poucas lojas turísticas de Belém ainda abertas, disse que “nem uma única pessoa comprou nada” nas suas instalações durante três meses. “Sinto uma grande responsabilidade”, disse ele, sentado em uma cafeteria próxima, lidando com uma crise após a outra em seu telefone. “A loja é para toda a família.” Ele só mantém a loja aberta em homenagem ao avô, que a fundou há exatos 60 anos.

A época natalícia ocuparia, em tempos de paz, mais de dois meses completos da vida citadina, sendo o Natal celebrado três vezes ao longo do inverno, uma vez que diferentes denominações marcam o evento em dias diferentes. Agora, apenas serão realizados os serviços religiosos propriamente ditos. 

Os moradores de Belém descrevem as forças israelenses entrando e patrulhando a cidade à noite e fazendo prisões. Na semana passada, as autoridades palestinas afirmaram que as forças israelenses dispararam e mataram um rapaz de 16 anos em Husan, uma aldeia perto de Belém.

A cidade culpa “os líderes da guerra” de todos os lados pela tragédia que se desenrola, disse o Padre Rami Asakrieh, pároco latino [católico ocidental] de Belém, sentado no seu escritório dentro do complexo da Igreja da Natividade. 

O ataque do Hamas, que os líderes de Israel descreveram como o pior ataque aos judeus desde o Holocausto, não foi bem recebido em Belém, disse Asakrieh. “Ninguém apoia a violência e a matança.” Alguns podem “apoiar gestos que sinalizam a libertação de anos de perseguição, o retorno de direitos e assim por diante”, disse ele, mas não quando estes levaram à morte de pessoas inocentes.

Na véspera de Natal, Asakrieh conduzirá uma missa na Gruta do Leite, um dos locais mais venerados da cidade, que os cristãos acreditam ser o local onde Jesus e seus pais se esconderam durante um massacre e sobreviveram. Embora a sua cerimônia se concentre na esperança, o padre teme que o trauma profundo que esta guerra criou apenas gere mais violência. “Precisamos de um milagre”, disse ele. 

Com informações do Financial Times

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