A extrema-direita seguirá forte nos EUA, com ou sem Donald Trump

A influência dos ideais neofascistas é um fato que vai além da liderança de Trump e tem ligação com o declínio relativo dos EUA e a emergência do mundo multipolar

O líder de uma organização, que se considera parte do arco progressista nos EUA (“Public Citizen”, que pode ser traduzido para o português como “Cidadão Público” ou “Cidadão Comum”), enviou aos seus apoiadores, nesta quarta-feira (20), uma mensagem que começa da seguinte forma: “Precisamos lutar contra o desespero. Há muitas razões para se sentir para baixo neste momento – sentir medo, duvidar do caminho que nosso país e o mundo estão trilhando, sentir que forças autoritárias estão em ascensão. E eu sei, ao comunicar-me com tantos ativistas, quão difundido e profundo é o atual sentimento de desânimo.” O texto, em seguida, lista motivos para não se entregar à desesperança, mas é revelador de um fenômeno incontestável: o crescimento da influência da extrema-direita nos EUA. Hoje, o fascismo estadunidense, apesar de não se assumir explicitamente como tal por motivos táticos, está longe de ser uma corrente periférica em solo americano e engana-se quem pensa que os ultraconservadores estadunidenses são dependentes de Donald Trump, como os nazistas eram de Hitler. O fenômeno é muito mais amplo. Boa parte da bancada republicana no Congresso dos EUA é neofascista, e acumula tanto poder que afastou o direitista republicano Kevin McCarthy da presidência da Câmara de Representantes – em um feito inédito em 234 anos de história do parlamento estadunidense – acusando-o de excessivamente moderado. Em seu lugar assumiu o ultraconservador Mike Johnson, expressão pronta e acabada do neofascismo com todas suas características atuais mais salientes, inclusive a divulgação de “fake news”. Quando Trump perdeu a eleição de 2020, Mike Johnson alegou que o sistema de software usado na apuração “veio da Venezuela de Hugo Chávez”.

Os “valores morais” do neofascismo estadunidense

Mike Johnson defende que as pessoas deveriam viver de acordo com os valores morais do século 18 (sim, ele disse isso literalmente). Devemos lembrar que um dos “valores morais” vigentes nos EUA do século 18 era a escravidão. Aliás, após um tiroteio em massa no Maine, na noite do dia 25 de outubro, que deixou 18 mortos e 13 feridos, o presidente da Câmara de Representantes declarou que fatos como esses são causados pelas reformas “liberais” que teriam criado “uma sociedade completamente amoral”, listando, entre as “inovações” prejudiciais, as “leis de divórcio sem culpa”, a “revolução sexual”, o “feminismo radical” e o “assassinato de nascituros sancionado pelo governo” (referindo-se ao aborto legal). Faltou pouco para citar a abolição entre as reformas maléficas. É evidente que uma figura como Mike Johnson só chegou ao 3o posto político mais importante dos EUA porque existe um ambiente favorável aos seus “valores morais”. Na mídia estadunidense, nos jornais, rádios e tvs, pululam, em programas de grande audiência, apologistas do que só se pode qualificar como fascismo aberto. Um acadêmico americano, Louie Dean Valencia-García, estudioso do fascismo, apontou, em 2021, que em comparação com os discursos de Hitler e de Francisco Franco, “hoje, nos meios de comunicação de direita nos EUA, retórica semelhante é frequentemente utilizada contra os ‘globalistas’, os ‘democratas, comunistas e socialistas’”. Todo esse clima também tem o efeito de empurrar a cúpula do Partido Democrata para posições ainda mais conservadoras e imperialistas do que as que já adota em condições normais.

A resiliência de Trump

Durante a invasão do capitólio, apoiadores de Trump improvisaram uma forca / Foto de Andrew CABALLERO-REYNOLDS/AFP via Getty Images)

A resiliência de Trump é outro bom exemplo da direção que o país está tomando em sua visível decadência. No dia 11 de novembro, o ex-presidente declarou em um comício, que ao voltar à Casa Branca, iria extirpar seus adversários políticos “que vivem como vermes”. O tom cada vez mais agressivo de Donald Trump parece galvanizar amplas massas. Mesmo respondendo a 91 processos criminais, e já condenado, em maio, em um processo civil, a pagar US$ 5 milhões a uma vítima de assédio sexual, todas as pesquisas indicam que Trump venceria a eleição presidencial de 2024. Ocorre que, recentemente, a Suprema Corte do Colorado decidiu que Trump está inelegível. Segundo a decisão, que analisou a invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021, Trump é culpado por insurreição, sendo, desta forma, atingido pela 14a Emenda da Constituição dos EUA, que proíbe quem “tiver se envolvido em uma insurreição ou rebelião” de ocupar qualquer cargo civil ou militar em âmbito federal ou estadual. Por enquanto, a decisão está limitada ao Colorado, contudo ela abre o precedente para que outros estados sigam o exemplo, existindo igualmente a possibilidade de a Suprema Corte dos EUA – embora com uma significativa maioria ultraconservadora -, ratificar o veredito estadual, deixando Trump definitivamente fora da disputa. A decisão da Suprema Corte do Colorado foi divulgada poucos dias depois de uma pesquisa nacional, feita pela “Morning Consult/Bloomberg”, apontar que Trump venceria Biden, se a eleição fosse hoje, em todos os sete “estados pêndulos” (swing states), assim chamados pois não são redutos consolidados de nenhum dos dois partidos (Democrata e Republicano), e considerados essenciais para decidir o resultado eleitoral. A pesquisa apontou que enquanto Trump cresce, Biden perde eleitores entre jovens e negros.

Candidatos a fuhrer

Porém, a despeito de Trump ser o líder incontestavelmente mais popular do neofascismo americano, ele não corre sozinho nesta raia e, caso caia pelo caminho, o que não falta são candidatos a “fuhrer”.  Ron DeSantis, governador da Flórida, para citar apenas um, segundo todas as pesquisas que fazem uma simulação da disputa eleitoral sem Trump, está empatado com Biden e com vantagem “nos estados pêndulos”. E Ron DeSantis é tão de direita, mas tão de direita, que até Trump já o acusou de nazista. Relata o principal líder do Partido Comunista dos EUA, Joe Sims, sobre o atual clima no país: “os apelos a um cessar-fogo (em Gaza) são recebidos com intimidações e ameaças. A oposição às políticas de Israel e ao sionismo é equiparada ao antissemitismo e, sob o pretexto de combatê-lo, a repressão tem sido severa. Os oponentes da guerra estão sendo demitidos e atacados. Em nome da prevenção da violência nas Universidades, a violência está sendo cometida contra o direito à liberdade de expressão. As organizações estudantis estão a ser banidas e os manifestantes suspensos, com as administrações das Universidades acovardando-se sob a pressão e movendo-se para a direita. Quando o centro não consegue aguentar e os liberais capitulam, a liberdade de expressão e o direito de protestar estão entre as primeiras vítimas. Mas, como demonstra a nossa própria história, isso não vai parar por aí; prisão e coisas piores virão em breve”. O fascismo americano, de fato, tem uma longa tradição, documentada em artigos e livros, como mostra a antologia recentemente lançada “Fascism in America: Past and Present” (Fascismo na América: Passado e Presente), por ora sem tradução em português.

Enfrentar sem medo o neofascismo

Entretanto, é inegável que atualmente essa ideologia, que não ousa dizer seu nome, desfruta de um prestígio e influência que há muito não tinha. O fascismo é como um vírus oportunista que se aproveita de um corpo adoecido para se propagar. Cresce na medida em que decresce a hegemonia mundial imperialista. Parte importante da elite estadunidense, diante de uma decadência para a qual não encontra resposta,  só vê como alternativa aprofundar os aspectos excludentes e autoritários do modelo que sustenta a plutocracia americana, ajudando a contagiar outros países com seu nefasto exemplo. Isso representa um risco imenso para os povos de todo o mundo. O “empoderamento” do neofascismo no país mais poderoso do capitalismo, torna o imperialismo mais agressivo e sem limites, como vemos no caso da Palestina martirizada, onde milhares de crianças inocentes assassinadas representam quase nada diante da determinação de preservar uma influência geopolítica anacrônica e antagônica aos interesses da humanidade. Para terminar este artigo de forma diferente de seu começo, é possível uma mensagem de ânimo. O imperialismo estadunidense, e seu instrumento criminoso, o sionismo, nunca estiveram tão isolados. Mais e mais países perfilam-se na condenação ao genocídio palestino, contra o bloqueio à Cuba, em defesa da África que se levanta para varrer o lixo colonial etc. Mesmo nos EUA, a esquerda anti-imperialista e anticapitalista passa por um processo de revigoramento e renovação importante. Neste mesmo texto de Joe Sims, ele constata que “um novo movimento pela paz está a nascer diante dos nossos olhos. Manifestações iniciadas por jovens palestinos e aos quais se juntaram jovens judeus e pessoas negras, varreram o país. Uma clara maioria de dois terços é a favor de um cessar-fogo” e depois de citar inúmeras greves vitoriosas ocorridas em 2023, comenta: “Os sindicatos estão a levar o enfrentamento aos patrões de uma forma nunca vista há décadas. É seguro dizer que o sindicalismo da luta de classes está a regressar e a regressar em grande escala”. Por fim, ao falar sobre a realização, em 2024, da 32a Convenção Nacional do PCUSA, diz que o objetivo do evento é transformar o partido “na força de combate que a nossa classe trabalhadora e o nosso povo precisam desesperadamente. Fá-lo-emos inspirados por um firme conhecimento de que construímos o nosso partido em todo o país no decurso de todas estas lutas. E, portanto, chegaremos a Chicago com uma canção em nossos corações, um poema em nossos lábios, cantando, marchando e dançando, em alegre celebração de tudo o que fizemos e de tudo o que planejamos fazer.” É isso aí, camarada Joe, a extrema-direita se alimenta do medo e, no que depender de nós, que morra de fome o fascismo e com ele seus filhos diletos, o imperialismo e o sionismo.

Stálin, sobre duas condições necessárias a uma boa tática revolucionária: “a primeira é que não deve estar em contradição com o curso da vida social e a segunda é que deve elevar cada vez mais o espírito revolucionário das massas.

Artigo “A Duma de Estado e a Tática da Social-Democracia”, 1906

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