Em 2022, SUS atendeu 50 pessoas baleadas por dia, ao custo de R$ 41 milhões
Levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz mostra impacto da violência armada para a saúde pública; ao todo, houve 17,1 mil internações por esse tipo de ferimento
Publicado 15/12/2023 14:47 | Editado 15/12/2023 14:59
Os altos índices relativos à violência no Brasil são uma velha e triste rotina, com números que, não raro, se assemelham aos de guerras. Conforme levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz, em 2022, em média 50 pessoas baleadas foram atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) diariamente, num total de 17,1 mil internações ao custo de R$ 41 milhões.
De acordo com o relatório “Custos da Violência Armada”, divulgada em novembro, o gasto médio de uma internação por agressão com arma de fogo é 59% maior do que o da internação por outras formas de agressão.
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Segundo os dados apresentados, uma internação por arma de fogo custa 3,2 vezes mais do que o gasto federal com saúde per capita e uma internação de alta gravidade por arma de fogo custa 5,2 vezes mais do que o gasto federal com saúde per capita.
Para efeitos de comparação, mostra o Instituto, com o valor gasto para esse tipo de atendimento seria possível fazer 10 milhões de hemogramas completos ou 934 mil mamografias.
O levantamento lembra que segundo relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) — que estimou o custo do crime e da violência em 16 países da América Latina e do Caribe — “esses eventos custaram ao Brasil 3,1% do seu PIB, o equivalente a US$ 124 bilhões (R$ 386 bilhões) em 2014”.
Conforme destacado, “o impacto da violência armada ultrapassa a conta das internações e afeta os serviços de atenção primária à saúde em territórios conflagrados, onde a subnotificação de casos que envolvem o emprego de arma de fogo pode se acentuar, inclusive”.
Por isso, completa, é “da maior relevância social dar visibilidade ao gasto com o tratamento de ferimentos por arma de fogo e à carga gerada pela violência armada no sistema público de saúde, frente ao desafio de fortalecer os serviços de atenção à saúde nas áreas particularmente afetadas pela violência armada”.
Grau de mortalidade
Além do alto índice de recursos públicos usados para esses fins — que poderiam estar sendo alocados para outros tipos de tratamento —, é importante ressaltar o custo que representa à própria vida. Afinal, a mortalidade de feridos por armas de fogo é 3,4 vezes maior do que por outros instrumentos.
As agressões intencionais são a principal causa de internações decorrentes de ferimentos por arma de fogo e responderam por 75% dessas internações em 2022. Em seguida, vêm os acidentes (17%) e as lesões autoprovocadas (1,5%), restando 6,5% de casos em que a causa não foi identificada.
A maior parte das vítimas de violência armada internadas no Brasil é de homens, 89,6%. Em 57%, as vítimas são pessoas negras, em 16%, não negras, com 26% dos casos sem informação sobre a raça/cor dos pacientes em 2022. E, pegando a série de 2008 até 2022, o Instituto verificou que mais da metade das internações é de jovens.
O estudo aponta que a maior flexibilização de acesso às armas de fogo promovida pelo governo Jair Bolsonaro — que fez com que o país chegasse a cerca de três milhões de armas registradas por particulares no começo deste ano — tem efeitos para além do período em que esteve à frente da Presidência da República.
“Essa política facilitou o desvio de armas pesadas compradas legalmente para o mundo do crime. As consequências de tal descontrole podem se estender a longo prazo, visto que as armas permanecem com ‘vida útil’ durante décadas, e os riscos da violência armada podem incidir em diferentes contextos ou situações, como acidentes, violência doméstica, roubos e outros crimes violentos”, argumenta o estudo.
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Em meio a esse cenário e para além da retomada de uma política responsável de controle de armas em curso, o Instituto aponta, entre outras medidas, “a necessidade de definir a obrigatoriedade do registro de todos os casos de violência armada no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)”.
O estudo defende, ainda, que este passo é fundamental “para que se possa avançar na efetivação de políticas públicas de prevenção da violência armada baseadas em diagnósticos bem aproximados das realidades locais”. E também salienta a necessidade de priorizar “a gestão da informação especialmente em relação ao preenchimento da raça/cor dos pacientes e à classificação da causa que provocou o ferimento com arma de fogo”.
Com Instituto Sou da Paz
(PL)