Tarcísio quer vender a Sabesp para dar desconto temporário na tarifa
Em entrevista ao Vermelho, presidente do Sintaema diz que a proposta sem sentido serve apenas a preservar o lucro dos acionistas e entregar o patrimônio público.
Publicado 28/10/2023 08:37 | Editado 30/10/2023 07:39
Em entrevista ao Portal Vermelho, José Antonio Faggian, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), analisou o andamento do processo de privatização da Sabesp, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, ao chegar à Assembleia Legislativa de São Paulo. Faggian emitiu um alerta sobre o projeto de privatização da Sabesp, pois segundo ele, o projeto de lei permite que o governador lance ações da empresa, o que, na prática, autoriza a privatização.
Segundo Faggian, o governo estadual está usando argumentos falaciosos para promover a privatização, especialmente no que diz respeito à redução das tarifas de água e esgoto para os usuários. Ele afirma que a questão das tarifas é uma artimanha utilizada pelo governo para influenciar a opinião pública a favor da privatização. No entanto, ele argumenta que esse modelo não é sustentável e, na prática, representa uma transferência de recursos públicos para o setor privado, através de subsídios destinados a garantir os lucros dos acionistas privados.
“O único interesse que vai ser garantido nessa transação, nessa privatização, será o interesse do capital privado, do grupo que comprará as ações e que ganhará o controle da empresa, e com certeza vai lucrar muito com isso”, resume ele. “Não há argumento razoável que justifique a privatização de uma empresa como a Sabesp e de maneira nenhuma a privatização dessa empresa ajuda a garantir qualquer tipo de interesse público, seja do estado, seja da população”, reafirma.
Vender a casa para pagar o aluguel
Faggian destacou que o governo de São Paulo alega que a privatização da Sabesp ajudaria a subsidiar as tarifas ou a reduzir seu valor. No entanto, o sindicalista argumenta que, na prática, o formato apenas beneficia os acionistas privados, garantindo seus lucros à custa do estado. Especialistas dizem que a proposta do governador equivale a vendar a casa para continuar morando nela e pagando aluguel, por algum tempo, com o dinheiro da venda.
Ele argumenta que outra maneira de reduzir as tarifas seria diminuir as margens de lucro das empresas, algo que o governo parece não considerar. “O formato que ele coloca não é sustentável ao usar o recurso adquirido com a venda das ações para reduzir a tarifa. Isso, na prática, significa garantir o lucro do acionista privado, porque a outra forma de reduzir tarifa seria diminuir a margem de lucro. É um absurdo, porque tira dinheiro do estado, de um ativo que foi vendido, para subsidiar a tarifa que, no limite, serve apenas para não mexer no lucro do acionista privado”, desmascara ele.
Faggian ressaltou que as tarifas da Sabesp já são adequadas e que estão entre as mais baixas do Brasil, além de incluir opções de tarifa social e tarifa para famílias vulneráveis. Portanto, o governo já teria meios de reduzir as tarifas sem a necessidade de privatização. “Hoje, a Sabesp já tem uma tarifa muito menor do que as de empresas que são privatizadas”, enfatiza.
Ele também observou que o governo poderia utilizar uma parcela dos dividendos que já recebe da Sabesp, uma vez que a empresa é de economia mista e o estado é o maior acionista, detendo mais de 50% das ações. Essa ação poderia ser implementada sem a necessidade de privatização. “O governo diz que, com o formato de privatização proposto, o Estado perde o controle da empresa, mas permanece como acionista minoritário. Por isso, ele diz que vai receber dividendos, e no futuro, vai usar uma parte desses dividendos para subsidiar a tarifa quando acabar o dinheiro da venda das ações”, explica.
“Isso poderia ser feito hoje, porque a Sabesp já é uma empresa de economia, tem 50,3% das ações, portanto recebe metade dos dividendos, quase 500 milhões de reais por ano”, afirmou. Para ele, toda essa narrativa é um “engodo” para enganar a população.
“Ele pega uma empresa que coloca dinheiro nos cofres do estado, que é lucrativa e torna ela uma empresa que tem que ser subsidiada pelo estado. Então, é uma transferência de recurso público para o setor privado através desse subsídio que ele promete para diminuir tarifas e consequentemente garantir o lucro dos acionistas privados”, desvela.
Interesse privado
Segundo Faggian, esse movimento beneficia exclusivamente os interesses daqueles que adquirirão a Sabesp, sem considerar o impacto negativo que essa privatização poderá ter sobre a população e o estado de São Paulo.
“A privatização da Sabesp, em qualquer modelo que ocorra, ajuda a garantir apenas o interesse de quem vai comprar a empresa, apenas do capital privado”, critica ele. Em sua declaração, Faggian destaca que a Sabesp é uma empresa sólida, rentável, eficiente e já oferece serviços universalizados.
“É a maior empresa de saneamento da América Latina, terceira do mundo, um patrimônio do povo paulista que atende 70% da população de São Paulo”, qualificou ele. Faggian enfatiza que não há justificativa razoável para privatizar uma empresa de saneamento tão essencial para o estado de São Paulo e sua população.
A declaração de Faggian reflete a preocupação de muitos setores da sociedade que temem que a privatização de empresas estatais, como a Sabesp, possa levar a uma deterioração dos serviços públicos e resultar em perdas significativas para o interesse público em prol dos interesses privados. O debate sobre a privatização de empresas de saneamento é um tema relevante e polêmico no Brasil, com diferentes perspectivas sobre o impacto dessa mudança no setor.
Resistência popular
O projeto de privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) tem encontrado obstáculos e desafios significativos, de acordo com Faggian.
Faggian afirmou que a aprovação do projeto não será uma tarefa fácil por várias razões. Em primeiro lugar, ele levantou a questão de que o projeto de lei proposto pelo governador do estado deveria ser um APEC (Ato da Assembleia Estadual Constituinte) em vez de um PL (Projeto de Lei), uma vez que afeta a Constituição do estado. Isso já levanta questionamentos jurídicos sobre a constitucionalidade do projeto.
Além disso, o presidente do Sintaema observou que, caso a questão legal seja contestada com sucesso, a aprovação do projeto exigirá uma maioria qualificada, o que torna o processo mais desafiador. Nos casos de projetos de emenda à constituição (PEC), a maioria necessária é de três quintos dos votos.
“A privatização da Sabesp é um tema bastante polêmico. A gente sabe que ele vai usar de todos os artifícios para convencer a base, mas é um tema que atinge a população nas bases dos deputados, então, a gente vai também fomentar isso, o que deve criar um caldo lá que dificulte a aprovação”, antecipou.
O projeto de privatização da Sabesp é altamente polêmico e tem um impacto direto nas bases eleitorais dos deputados estaduais, o que dificulta sua aprovação. Faggian acredita que o governador usará todos os meios para convencer sua base, mas a resistência da população e das comunidades afetadas pode criar obstáculos significativos.
O presidente do Sintaema também destacou a presença de uma frente parlamentar organizada e ativa composta por pelo menos 32 deputados que se opõem ao projeto de lei de privatização. Além disso, o sindicato tem estado em contato com municípios e câmaras de vereadores, instando prefeitos a pressionar os deputados para votar contra o projeto.
Assim, embora o governador possa pressionar pela aprovação do projeto, ele enfrentará uma batalha difícil no processo legislativo, com desafios legais, resistência da população e oposição parlamentar organizada que se manifestam contra a privatização da Sabesp.
O papel dos municípios
O presidente do Sintaema enfatizou que esse projeto de lei autoriza o governador, ou o governo do estado, a lançar ações da Sabesp e, assim, diluir a participação do estado na empresa. Ele argumenta que isso confirma a necessidade de uma mudança na constituição do estado para alterar a composição acionária da empresa.
No entanto, Faggian observou que o formato final da privatização ainda não está claro, pois existem vários fatores em jogo. Ele mencionou que há um contexto em que o governo estadual e o prefeito de São Paulo manobraram para que eles tenham autoridade sobre a adesão dos municípios a esse novo processo de privatização. Isso significa que os municípios têm um papel importante na decisão de privatizar a Sabesp.
“O formato que isso vai se dar depois, a gente ainda não tem muita clareza, porque tem todo o contexto, dentro da unidade regional, que ele fez uma manobra e um decreto pra que ele e o prefeito de São Paulo possam decidirem sobre a adesão dos municípios. Se os municípios não aderem a esse novo processo, a Sabesp se esvazia”, questiona.
Essa advertência do Sintaema destaca os desafios e as complexidades envolvidas na privatização da Sabesp e reforça a importância de um debate público aberto e transparente sobre o futuro da empresa de saneamento básico. A privatização da Sabesp é um tema sensível e relevante para o estado de São Paulo e seus cidadãos, pois afeta diretamente a prestação de serviços essenciais, como água e esgoto.
Mobilização bem sucedida
O presidente do Sintaema avaliou a mobilização crescente entre os trabalhadores do setor de saneamento em São Paulo, em resposta ao avanço do processo de privatização da Sabesp. Faggian destacou que, embora haja apreensão na categoria devido ao avanço do processo de privatização, a mobilização está em crescimento. A categoria está preocupada com o rumo do processo, mas tem respondido positivamente à mobilização.
Em 3 de outubro, os trabalhadores alcançaram uma boa adesão ao movimento de greve, indicando que estão comprometidos com a causa e dispostos a lutar contra a privatização da Sabesp. Reuniões setoriais têm sido realizadas para debater o tema com os trabalhadores, a fim de conscientizá-los sobre os problemas que a privatização da empresa de saneamento pode causar.
Faggian também mencionou a importância de um plebiscito para mobilizar os trabalhadores e conscientizar a população sobre os perigos da privatização. Os trabalhadores têm se envolvido na coleta de votos para o plebiscito, buscando apoio nas famílias e nos municípios. Essa mobilização interna ajuda a levar o debate para fora, uma vez que trabalhadores conscientizados se tornam defensores ativos dos serviços públicos de saneamento e da importância de mantê-los sob controle público.
A resistência dos trabalhadores do setor de saneamento em São Paulo contra a privatização da Sabesp reflete uma mobilização crescente, alimentada pela conscientização da categoria e pela vontade de proteger os interesses da população em relação aos serviços essenciais de saneamento.
A recente paralisação realizada no setor de saneamento em São Paulo, que uniu trabalhadores da Sabesp, entre outros, cumpriu papéis fundamentais no processo de resistência à privatização, de acordo com Faggian. Ele destacou vários aspectos significativos da paralisação que ocorreu no dia 3 de outubro.
“Primeiro, ela mandou um recado pro governador que nós não vamos aceitar passivamente. Acredito que ele não pensava que a gente tivesse condição de fazer o movimento da magnitude com que fizemos”, ponderou ele.
Outro ponto relevante é que a paralisação fortaleceu a unidade entre diversas categorias, incluindo trabalhadores do metrô, da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPT), da Sabesp e de outras empresas. “Isso ajuda a gente a ampliar esse debate, não só em relação a privatização das empresas, mas ao projeto de estado mínimo que está tentando ser implantado no estado de São Paulo”, acrescentou.
A paralisação também trouxe maior visibilidade ao movimento contra a privatização. Mesmo com a cobertura midiática, oscilando entre favorável e desfavorável, o debate em torno da privatização das empresas estatais ganhou destaque na sociedade. “O assunto ficou em evidência, jogou luz, acho que esse também é um papel importante”, afirmou. A paralisação deixou claro que a luta contra a privatização está longe de ser encerrada, sendo apenas mais um passo em um processo contínuo de resistência e organização por parte dos trabalhadores e suas comunidades.