Resolução aprovada pela ONU exige trégua em Gaza e isola Israel e EUA
Brasil foi um dos defensores da resolução para pressionar EUA e Israel por uma solução foram da paralisia do Conselho de Segurança.
Publicado 28/10/2023 08:26 | Editado 28/10/2023 13:50
A Assembleia Geral da ONU aprovou por ampla maioria uma resolução que pede uma “trégua humanitária”. O texto obteve 120 votos a favor, 14 contra e 45 abstenções. Embora não deva servir para efetivar o cessar-fogo, devido o voto contrário de EUA e Israel, o resultado amplia a pressão sobre os governos destes dois países que ficam isolados, rompendo a paralisia da ONU diante do massacre em Gaza. Nas últimas semanas, quatro votações no Conselho de Segurança da ONU (CSONU) terminaram sem um acordo.
China e Rússia apoiaram a resolução. Na Europa, a França e Espanha apoiaram o texto, enquanto a Alemanha e a Itália optaram pela abstenção. O Brasil, que preside o Conselho de Segurança, saiu maior da votação por demonstrar o esforço por uma solução equilibrada, que desmascarou as intenções dos EUA, quando vetou o texto no CSONU.
Pelo menos 7.326 palestinos foram mortos em ataques israelenses desde 7 de outubro, enquanto Israel promete continuar os ataques aos territórios palestinos. Mais de 1.400 pessoas foram mortas no ataque do Hamas a Israel.
Brasil: A hora é agora
O discurso do embaixador brasileiro Sérgio Danese defendeu medidas que preservam as vidas palestinas: a suspensão das hostilidades em Gaza, a pausa humanitária e o acesso de suprimentos vitais para a população, como água e alimentos. Para ele, a organização precisa dar uma resposta à crise e o atual modelo “fracassou”, referindo-se ao sistema de vetos do CSONU.
Para o Brasil, o momento era decisivo e foi muito aplaudido pelo discurso: “Nossa resposta coletiva a essa crise, que todos tememos que só se agravará se nada for feito, será um momento decisivo para a ONU. Ele mostrará se a ONU pode levar a sério a prevenção, o fim ou, pelo menos, a mitigação dos horrores da guerra”.
Numa referência ao modo como a união dos 179 países está inviabilizada pelos vetos dos cinco países do Conselho (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França), ele expôs o impasse e a apatia que fica evidente para toda a comunidade internacional. “Esta Assembleia e o Conselho de Segurança devem agir de forma decisiva. O mundo está nos observando. E isso não é retórica. O mundo está realmente nos observando e espera uma resposta efetiva”, alertou.
Ele também mencionou o contexto que torna perenes os atentados violentos naquela região, pela permanência da opressão contra milhões de Palestinos. Segundo ele, quando a crise imediata for superada, todos devem “redobrar os esforços para abordar as causas fundamentais da tragédia que se desenrola diante de nossos olhos”.
“O mero gerenciamento de conflitos fracassou. Essa é a receita para a violência contínua e a instabilidade permanente, disse.
Negacionismo israelense
Após o voto, Gilad Erdan, embaixador de Israel, voltou a atacar os governos e as Nações Unidas. “Esse é o dia da infâmia”, disse. Para ele, a ONU “não tem mais credibilidade”, embora seja a voz de 192 países preocupados com as consequências exponenciais do atual conflito.
“A ONU vai assegurar que mais atrocidades ocorram”, disse. “Esse é um dia escuro para a ONU e para a humanidade. Vamos continuar a nos defender e vamos fazer o que tiver de ser feito para erradicar o Hamas”, afirmou, sobre o grupo político e armado que governa a Faixa de Gaza.
“A resolução não cita uma só vez o Hamas. O que está ocorrendo aqui? Vocês estão defendendo terroristas”, disse. Para ele, o documento “ata as mãos de Israel”. Ele considera que o fato de garantir as vidas civis, um princípio elementar dos direitos humanos universais, seja um meio de manter os atentados do Hamas. No entanto, os bombardeios não permitem qualquer ajuda humanitária, já tendo assassinado 35 funcionários da ONU, médicos palestinos e mais de 20 jornalistas, inclusive estrangeiros.
Erdan voltou a acusar o Hamas de usar o subterrâneo de hospitais e insistiu que existem provas de que não foi Israel quem atacou o local, mas o próprio grupo palestino. Apesar disso, provas como destroços da bomba não foram apresentadas.
“Essa resolução ridícula tem a audácia de pedir trégua”, disse. Mas, segundo ele, é para autorizar violência do Hamas. A narrativa de Israel diz que parar os bombardeios, apenas dá tempo para o Hamas se reorganizar, no entanto, não oferece nenhuma alternativa para os mais de dois milhões de palestinos presos entre muros na Faixa de Gaza.
Ao forçar uma evacuação para o Sul, além de bombardear a região, Israel não garante um acordo com o Egito para a entrada desses refugiados. Até mesmo escolas da UNRWA (ONU), lotadas de refugiados que perderam suas casas em bombardeios, são alertadas para evacuação, assim como hospitais.
Erdan ainda declarou que “não há crise humanitária” em Gaza e que não se pode acreditar nos dados palestinos. “É como acreditar no Estado Islâmico”, disse. “Que vergonha de vocês”, acusou o embaixador, negando as imagens consistentes dos milhões de palestinos que procuram sobreviventes entre escombros.
Erdan chega a sugerir que a crise humanitária foi declarada pelo Hamas, por isso seria suspeita. No entanto, não é o caso, pois foram as entidades internacionais que estão em Gaza há anos que registraram toda a catástrofe cotidiana.
O debate começou com Israel antecipando seu voto contrário de Israel, indisposto a qualquer iniciativa que não a continuidade dos ataques para, supostamente, eliminar o Hamas.
A reunião foi marcada ainda por discursos controversos entre representantes de países adversários, como palestinos e israelenses, alertas do Irã sobre um eventual envolvimento no conflito devido à escalada. Houve até a transmissão de um vídeo no qual, supostamente, um membro do Hamas decapitava uma das vítimas. O Hamas alega que os sequestrados são colonos que invadiram terras palestinas e expulsaram os palestinos de forma violenta.
A resolução
Recorrer à Assembleia Geral foi a alternativa que os países árabes, e questionadores da carta branca dada a Israel, encontraram para romper com o impasse que passou a dominar o debate no Conselho de Segurança da ONU. Hoje, para aprovar o texto, bastava uma maioria absoluta de apoio.
A resolução teria um peso muito maior se tivesse sido aprovada pelas cinco potências do Conselho de Segurança. Tendo sido aprovada pelo resto mundo, serve apenas como recomendação.
A resolução é muito sucinta em suas exigências, como o estabelecimento de corredores humanitários por Israel, a liberação imediata de civis sequestrados pelo Hamas e a revogação da ordem de evacuação do norte de Gaza por Israel.
Condena “atos terroristas”, mas não cita o direito a autodefesa por parte de Israel e evita o nome do Hamas, mas tentar agradar as diferentes posições internacionais. A maioria dos países considera desproporcional a autodefesa de Israel, que diante de um atentado terrorista resolve punir milhões de pessoas não relacionadas diretamente com o crime.
Em negociações na madrugada de hoje, os países árabes aceitaram uma mudança no texto, na esperança de atrair um maior número de votos e isolar americanos e israelenses.
O novo texto, portanto, foi modificado e pede: uma trégua humanitária imediata, duradoura e sustentada que leve ao fim das hostilidades;
Nesta sexta-feira, a ONU também qualificou a situação de catástrofe humanitária em Gaza como “crime de guerra”. O documento também foi modificado para condenar a morte de civis israelenses. Mas não cita os autores palestinos dos massacres. Por esse motivo, governos como o dos EUA votaram contra a resolução.
Nomes aos bois
Antes de sua votação, uma proposta de emenda do Canadá e EUA também foi votada, mas não foi aprovada, ao tentar incluir uma referência explícita ao Hamas. Ela precisava de dois terços de apoio. Mas obteve 88 votos de apoio, entre eles o Brasil. 55 países votaram contra e 23 abstenções. A resistência da maioria dos países, principalmente árabes, se deve ao fato do Hamas ser uma força politica institucional, além de considerarem resistência legítima aos “crimes permanentes de Israel”.
O projeto de emenda, portanto, estabelecia que a ONU condenaria inequivocamente os “ataques terroristas” do Hamas desde 7 de outubro de 2023 e a tomada de reféns. Para a embaixadora, aceitar esse trecho “deveria ser fácil”. Outro problema para os EUA era a ausência de uma referência aos reféns feitos pelo Hamas, inclusive de outros países. Desta forma, EUA e Israel consideram que a resolução não ajuda ao elaborar uma retórica que atende apenas um dos lados.
No entanto, os países vizinhos tinham opinião diferente. O governo da Jordânia considerou a resolução fundamental, diante da invasão terrestre que estava acontecendo.
“Israel é responsável pelas atrocidades que estão sendo cometidas agora e que serão cometidas na invasão terrestre de Gaza”, disse.
O governo do Paquistão, de maioria muçulmana, avaliou que a exigência de nomear o Hamas não era o mais importante, mas sim nomear Israel, que tem sido poupado por todas potências ocidentais. “Não vamos começar com o debate sobre quem começou. Sabemos quem começou. Foi Israel, há mais de 50 anos. O pecado original é a ocupação”, disse.
Conselho de inimigos
O Conselho não consegue chegar a um acordo sobre como responder à crise em Gaza, desde o início dos debates. Os EUA foram vetados por Rússia e China, que acusaram Washington de nem sequer pedir um cessar-fogo.
Depois foi Moscou quem sugeriu um novo texto, sem qualquer referência ao direito de autodefesa de Israel, a proposta foi derrubada por EUA e Reino Unido.
Outros dois projetos – um deles do Brasil – já tinham sido vetados na semana anterior, ampliando a crise. Agora, com a resolução dos 120 países pode favorecer uma pressão pela aprovação do texto brasileiro que será atualizado para debate na próxima semana.