Human Rights Watch condena veto americano a resolução do Itamaraty
Iniciativa brasileira, no entanto, engradece a diplomacia do governo Lula, concretizando o retorno do país ao cenário geopolítico
Publicado 19/10/2023 17:04 | Editado 19/10/2023 17:53
A Humans Rights Watch (HRW) emitiu uma nota condenando o veto dos Estados Unidos a resolução proposta pelo Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A proposta de resolução, votada nesta quarta-feira (18), teve 12 dos 15 votos, mas foi rejeitada por causa do veto americano, um dos cinco membros permanente do órgão.
“Mais uma vez, os EUA usaram de forma cínica seu poder de veto para impedir que o Conselho de Segurança da ONU atue em relação a Israel e Palestina em um momento de violência sem precedentes”, disse a entidade, em nota.
O texto brasileiro estava organizado em 11 pontos. No documento, o Itamaraty rejeitava os ataques promovidos pelo Hamas, no dia 7 de outubro, exigia a imediata soltura dos reféns civis, e condenava “toda violência e hostilidades contra civis e todos os atos de terrorismo”.
No preâmbulo, o texto expressa “profunda preocupação com a situação humanitária em Gaza e seus graves efeitos sobre a população civil, em grande parte composta por crianças”.
Em referência ao ultimato dado pelo governo de Benjamin Netanyahu no último final de semana, o documento “insta à imediata revogação da ordem para que civis e pessoal da ONU evacuem todas as áreas ao norte de Wadi Gaza e se realoquem no sul de Gaza”. Não há menção a um direito de defesa de Israel, como pedido por Tel Aviv.
A HRW também lembrou que o texto condenava os ataques do grupo islâmico Hamas contra civis em território israelense, algo que os Estados Unidos também defendiam. E foi a ausência desse trecho que fez o país rejeitar o texto da Rússia, dois dias antes.
“Ao fazerem isso, vetaram demandas que eles mesmos insistem, com frequência, em outros contextos, quais sejam: que todas as partes cumpram a lei humanitária internacional e garantam que a ajuda humanitária vital e os serviços essenciais cheguem às pessoas que mais precisam. Eles também vetaram a condenação do ataque de 7 de outubro, realizado pelo Hamas, assim como a exigência de libertação dos reféns”, diz a nota.
Por fim, a organização propõe que a Assembleia Geral da ONU tome medidas sobre o conflito. “Diante do impasse no Conselho, os países membros da ONU deveriam pedir à Assembleia Geral que tome medidas urgentes para proteger os civis e evitar atrocidades em grande escala”.
O veto dos Estados Unidos reforça o apoio histórico ao estado de Israel e à narrativa sionista. A embaixadora dos Estados Unidos na ONU justificou o voto devido ao fato de o texto não mencionar o direito de autodefesa de Israel, o que foi visto como “desapontador” pela chancelaria ianque.
De acordo com dados da ONU, os EUA vetaram pelo menos 53 resoluções críticas ao estado de Israel no Conselho de Segurança do órgão.
O apoio inequívoco dos americanos já frustrou resoluções que condenavam a violência contra manifestantes palestinos, processos de colonização ilegais em terras da Cisjordânia (1967) e até mesmo uma investigação sobre o assassinato de sete trabalhadores palestinos, em 1990, mortos por um antigo soldado israelense.
Especialistas afirmam que o apoio generalizado de Washington encoraja o uso desproporcional da força contra os palestinos, incluindo o atual ataque e bloqueio a Faixa de Gaza.
Brasil
A derrota da resolução liderada pela diplomacia brasileira, no entanto, representa uma vitória moral para o Itamaraty. Em termos concretos, a atuação do país concretiza a retomada da política externa depois dos anos de mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo.
Desde o início da crise, o Brasil vem desempenhando papel fundamental para que os ataques israelenses a Gaza não se desenvolvam para uma espécie de conflito regional, envolvendo outros forças do Oriente Médio, como Irã, Egito e Líbano.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem mantendo contato com autoridades da região, inclusive com os presidentes do Egito, Abdul Fatah Khalil Al-Sisi, de Israel, Isaac Herzog, e da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.
Em uma entrevista a Carta Capital, o ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente de Itamar Franca, o diplomata Rubens Ricupero afirmou que o Brasil se engrandece ao esbarrar nos interesses geopolíticos de Israel.
“O veto representa, obviamente, a postura dos Estados Unidos, que é de solidariedade absoluta a Israel, como tem sido sempre. Não é uma surpresa. Mas não creio que moralmente, eles tenham muito como justificar essa atitude que tomaram. É uma atitude de poder político, de grande potência. A resolução vai encontrar no mundo inteiro muito apoio, mesmo não tendo passado”, disse.
Para Ricupero, os EUA devem se envergonhar com o veto. “O Brasil fez o que pode. Ele não pode mais que isso, ninguém pode. O Brasil, dentro daquilo que podia fazer, fez um gesto de engrandecimento moral. Ninguém pode jogar pedra no Brasil. Ao contrário, os outros é que devem ficar um tanto envergonhados”, concluiu