Ailton Krenak é o primeiro indígena na Academia Brasileira de Letras
O ambientalista, filósofo e líder ativista da causa dos povos originários foi eleito com 23 votos; ele ocupará a cadeira 5 da academia.
Publicado 06/10/2023 13:53 | Editado 09/10/2023 18:22
Nesta quinta-feira (5), Ailton Krenak, filósofo renomado, professor, escritor, poeta, ambientalista e líder ativista da causa dos povos originários, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), tornando-se o primeiro indígena a integrar a prestigiosa instituição fundada por Machado de Assis. Aos 70 anos, ele assumiu a cadeira número 5, ocupada anteriormente por José Murilo de Carvalho, falecido em agosto.
Ailton Krenak, que já era membro da Academia Mineira de Letras desde março, foi considerado o favorito entre os 15 candidatos que disputavam a vaga. Ele recebeu 23 votos, enquanto Mary Lucy Murray Del Priore obteve 12 e Daniel Munduruku, 4. A data de posse ainda não foi definida pelo novo imortal da Academia, sendo um acerto dele com a ABL.
Trajetória e ativismo
Nascido em 1953, na região do vale do rio Doce (MG), território do povo Krenak, Ailton Alves Lacerda Krenak é uma figura ímpar no cenário intelectual brasileiro e um incansável defensor dos direitos indígenas e socioambientais. Sua atuação como ativista se estende por décadas, lutando pela preservação do meio ambiente e pelos direitos das comunidades indígenas.
Krenak é conhecido por sua liderança na Aliança dos Povos da Floresta, unindo comunidades ribeirinhas e indígenas na Amazônia. Contribuiu significativamente para a criação da União das Nações Indígenas (UNI) e foi coautor da proposta da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que distribuiu a Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, em 2005.
Além disso, foi peça fundamental na conquista do “Capítulo dos Índios” na Constituição de 1988, garantindo no papel os direitos indígenas à cultura e à terra. Seus livros mais recentes, como “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019) e “A vida não é útil” (2020), exploram temas atuais e urgentes, incluindo a pandemia da Covid-19 e a relação essencial entre a humanidade e a natureza.
Um momento histórico
A eleição de Krenak para a ABL é vista como um marco histórico não apenas para a instituição, mas para o Brasil como um todo. Sua visão de mundo único, focada na interação harmoniosa entre seres humanos e a natureza, ganha destaque em um momento crucial em que a preocupação com o meio ambiente e os direitos dos povos originários está em evidência global.
“Ailton Krenak é escritor de renome e figura central no movimento literário indígena do país. Sua voz é fundamental para o cenário atual, pois é elo entre a rica herança cultural e histórica dos povos originários e a literatura nacional. Esta eleição é um marco na ABL, que reafirma o seu compromisso em promover a diversidade e a inclusão na instituição e na literatura brasileira”, informa nota da instituição nas redes sociais.
Para o presidente da ABL, Merval Pereira, Krenak é um poeta com “visão de mundo muito própria e apropriada para este momento, em que o mundo está preocupado com o meio ambiente, em que os povos originários lutam por seus direitos. Tudo isso está embutido na vitória de Krenak na Academia. É um indígena que trabalha com a cultura indígena, com a valorização da oralidade”.
Merval destaca que a Academia está em festa porque realmente a proposta é ter representação cultural ampla na ABL. “Ailton Krenak é um pensador respeitado no mundo todo”. Ele também citou o livro “Futuro Ancestral” (2022), de Krenak, que trata da preservação dos rios como forma de conservar o futuro. “Os rios já estavam aqui antes de a gente chegar. Esta visão da natureza, do homem junto com a natureza, é que a gente está reforçando com esse grande escritor e intelectual indígena”.
O Ministério dos Povos Indígenas e a presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, divulgaram notas nas redes sociais parabenizando o imortal da ABL. “Parabéns a Ailton Krenak que foi eleito nesta quinta-feira para a Academia Brasileira de Letras, se tornando a primeira pessoa indígena a ocupar uma cadeira na instituição”, diz nota do ministério.
Projetos futuros: valorização das línguas e culturas indígenas
Com uma alegria incontida, Ailton Krenak confirmou seus primeiros planos para a instituição. Entre suas intenções está o convite para a ABL criar uma plataforma, inspirada em sua experiência prévia com a “Biblioteca Ailton Krenak“, plataforma online que disponibiliza centenas de imagens, textos, filmes e documentos relacionados à cultura indígena.
Krenak enxerga a oportunidade de expandir essa iniciativa para incluir outras línguas nativas. “Teria tudo a ver com a Academia Brasileira de Letras incluir mais umas 170 línguas além do português. Se olhamos os acervos que já existem, o Museu do Índio tem um acervo muito antigo de registros de narrativas, algumas delas só na língua materna. Vamos traduzi-las com uma tradução simultânea e as pessoas vão poder ouvir. Podemos fazer isso junto com todas as etnias que estão envolvidas no resgaste linguístico. A UNESCO declarou essa década, a segunda década das línguas indígenas. Podemos chamá-la para dar um pouco mais de publicidade junto com a ABL, porque quando está na web, está no mundo, deixa de estar apenas no site. A ideia é priorizar a oralidade, e não o texto. O que ameaça essas línguas é a ausência de falantes”, disse.
Essa visão inovadora destaca a importância da preservação linguística e cultural, e Ailton Krenak se propõe a promover essas iniciativas com entusiasmo e dedicação em sua nova trajetória como imortal da Academia.
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com informações da ABL e agências